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Considerando que os atos decisórios possuem conteúdo, eficácia e pro-

6 Coisa julgada e seu objeto (Coisa julgada sobre o que?)

6.6 Conclusões parciais

6.6.3 Considerando que os atos decisórios possuem conteúdo, eficácia e pro-

Nesse momento, afasta-se das lições de Liebman, aderindo às críticas formuladas à sua doutrina a respeito da proposição de tornar imutáveis não só o conteúdo do julgado, mas também os seus efeitos. Não é possível imunizar a eficácia ou os efeitos do julgado, pois os mais diversos exemplos fáticos e jurídicos podem ser enumerados para infirmar tal tentativa de teorização.

Os efeitos jurídicos proporcionados pelas decisões judiciais podem ser a qualquer tempo objeto de modificação ou nem sequer ocorrer.311 O autor pode renunciar ao direito reconhecido judicialmente, não executando o título, bem como a condição de divorciado pode ser extinta com o novo casamento contraído por uma das partes.312-313 Da mesma forma, a eficácia executiva se esvai com a prescrição da pretensão ou com o adimplemento da obrigação, bem como a eficácia declaratória pode ser extinta se as partes reconhecem como existente aquela relação jurídica declarada inexistente judicialmente. Veja-se a lição de Barbosa Moreira: 314

No tocante ao efeito executivo, peculiar às sentenças condenatórias, a coisa é de ofuscante evidência: cumprida espontaneamente ou executada a sentença, cessa o efeito, que já nascera com o normal destino de extinguir-se – a ele se aplicaria talvez melhor o epíteto que Heidegger quis aplicar ao homem, de ser-para-a-morte’ (...)

311 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 18.

312 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, n.

416, p. 09-17, 1970, p.12.

313

As relações jurídicas não ficam a salvo da dinamicidade da vida. Ao contrário, sofrem a todo o tempo os influxos de novos fatos. Para uma visão ampla da influência de novos fatos mesmo no curso da demanda: CAMPOS, Ronaldo Cunha. Limites objetivos da coisa julgada. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1988.

314 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, n.

O que se pretende demonstrar com tal argumentação é que a decisão judicial, apesar de representar um plus em relação à norma jurídica que poderia ter sido criada pelos sujeitos da relação material315, não garante a exigibilidade eterna do direito identificado. Assim como os direitos subjetivos voluntariamente identificados pelos cidadãos não são exigíveis ad aeternum, por idêntica razão o direito subjetivo reconstruído na decisão judicial também não o é. Ou seja, a coisa julgada não tem por objeto a exigibilidade do direito reconhecido na decisão final, tornando-a imutável e, portanto, perpétua. Incide, pois, sobre o conteúdo do julgado, fazendo com que o direito nele previsto não possa mais ser questionado. Tal lição não é nova, consoante clássica obra processual: “Da força de coisa julgada, característica de todas as sentenças (efeito constatativo), deve-se distinguir: a) O efeito executivo das sentenças condenatórias.”.316

Um claro exemplo do afirmado, reitere-se, está na prescrição da pretensão executiva. Segundo o enunciado n. 150 da súmula da jurisprudência do STF, “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.”. Portanto, transitada em julgado uma decisão, verifica-se no direito material qual o prazo prescricional de exigibilidade daquele direito reconhecido judicialmente. Com o transcurso desse prazo, suprimida está a possibilidade de exigir a observância do direito (exigibilidade) e, consequentemente, eliminada está a eficácia executiva do julgado.

Não se cogita, no particular, qualquer flexibilização da coisa julgada no fato de não ser mais exequível a decisão transitada em julgado, justamente porque o reconhecimento judicial de um direito e a indiscutibilidade decorrente da coisa julgada não proporcionam a perpetuação da exigibilidade desse direito.

E tantas outras hipóteses de supressão da exigibilidade (deseficacização) podem ser apontadas, como a transação, compensação, renúncia, cumprimento da obrigação etc. Enfim, todas essas situações demonstram, com a mais clara precisão, que a exigibilidade do direito não fica imutabilizada pela coisa julgada.317 A eficácia das decisões, conforme já

315 No sentido antes mencionado, seguindo a doutrina do Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.

316 GOLDSCHMIDT, James. Direito processual civil. Trad. Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2003, p.

460.

317 “Do ponto de vista conceptual, nada nos força a admitir correlação necessária entre os dois fenômenos

[eficácia da sentença e a sua imutabilidade]. O mais superficial exame do que se passa no mundo do direito mostra que é perfeitamente normal a produção de efeitos por ato jurídico suscetível de modificação ou desfazimento. Mostra também que podem deixar de manifestar-se, ou ver-se tolhidos ou alterados, os efeitos de

afirmado, sempre se submete à cláusula rebus sic stantibus, estando vulnerável aos acontecimentos da vida que, por vezes, proporcionam a própria inutilidade superveniente do julgado.318

Por isso é que a coisa julgada não se relaciona com os efeitos do julgado ou mesmo com a sua eficácia, consistindo apenas na impossibilidade de se voltar a discutir sobre a norma jurídica concreta que emerge da parte dispositiva da decisão.319 Deve-se olhar, portanto, para o conteúdo do comando judicial para saber sobre o que não se pode mais decidir, identificando aí a questão que foi objeto de julgamento e que deve ser respeitada pelas partes e pelo Estado.320 Sobre tal questão não mais se admitem questionamentos judiciais relevantes e, ainda, eventuais demandas que a tenham como prejudicial deverão observar exatamente o que já foi decidido, sendo vedado questionar o acerto da decisão acobertada pela autoridade da coisa julgada.321

Essa noção é das mais relevantes e precisa ser assimilada pela doutrina, principalmente com o objetivo de identificar com precisão quais os atos e preceitos normativos abalam a coisa julgada e quais aqueles que com esta não guardam relação. Por exemplo, a modificação dos efeitos produzidos por uma decisão transitada em julgado, bem como a supressão da eficácia executiva de tal decisum não podem ser considerados como uma ofensa à res iudicata, apesar de costumeiramente a doutrina não fazer essa distinção.322

um ato jurídico, não obstante permaneça este, em si, intacto, assim como podem subsistir, no todo ou em parte, os efeitos de um ato jurídico que se modifica ou se desfaz; em outras palavras: mostra que a subsistência do ato e a subsistência dos efeitos são coisa distintas, sem obrigatória implicação recíproca. (...) Quanto à relação entre eficácia e imutabilidade, nada existe que vincule a priori aquela a esta, ou esta àquela.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista da Associação dos Juízes do

Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n. 28, p. 15 e ss. jul. 1983, p. 19 – 20).

318 LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 19.

319 Em sentido semelhante: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo V: arts. 444 a 475. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 99.

320

VELLANI, Mario. Naturaleza de la cosa juzgada. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: E.J.E.A, 1958, p. 100. “Trata-se de proteção processual outorgada ao conteúdo da decisão judicial.” (MITIDIERO, Daniel e OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. MITIDIERO, Daniel e OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de.

Curso de processo civil: processo de conhecimento. V. 2. São Paulo: Atlas, 2012, p. 271) 321

“Por sentença imutável há de entender-se aqui a sentença cujo conteúdo não comporta modificação.” (BARBOSA, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 416, p. 09-17, 1970, p.14).

322 As ideias aqui perfilhadas sobre a exigibilidade do direito reconhecido em uma decisão transitada em julgado

ganham contornos interessantes quando nos deparamos com a regra prevista no art. 741, parágrafo único, e art. 475-L, §1º, do CPC, que conferem a possibilidade de ser alegada em embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença a inexigibilidade do título executivo, sempre que “fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”.

Conforme já alertava Carnelutti323, cujas ideias foram desenvolvidas por Liebman, a imperatividade da decisão não se confunde com a sua indiscutibilidade, “perchè questa è imperativa e produce tutti i suoi effetti anche prima e indipendentemente dal fatto del suo passagio in giudicato.”324

Por isso, é possível a existência de uma decisão imperativa sem ser indiscutível, bem como uma decisão indiscutível, sem a marca da imperatividade.325

A imperatividade sem indiscutibilidade é de fácil visualização. Basta pensar em uma sentença condenatória impugnada por recurso sem efeito suspensivo. Diante da possibilidade de produzir efeitos, presente estará a sua imperatividade, porém, em razão do recurso interposto, ainda não se pode cogitar na sua indiscutibilidade. Tem-se aqui um julgado com conteúdo condenatório que, após o julgamento do recurso, poderá ter agregado o signo da indiscutibilidade. Sem prejuízo, sua eficácia executiva, entendida como a aptidão de dar ensejo à execução forçada, está em pleno vigor.326

Por outro lado, tem-se indiscutibilidade sem imperatividade quando uma decisão, não obstante já transitada em julgado, esteja inapta à produção de efeitos, seja porque já se consumaram e se exauriram, seja porque a eficácia foi suprimida em razão da prescrição, compensação, novação etc.327

E tal imperatividade pode se fazer presente, ao contrário do que afirmam Mario Vellani328 e Pontes de Miranda329, também quando se está diante de sentenças meramente

323 CARNELUTTI, Francesco. Lezioni del diritto processuale civile. V. 4. Pádua: Editora Universitária, 1926, p.

189.

324

LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 27-28.

325

Criticando Carnelutti, Liebman observa que: “Il vero è che in questa teoria sfuma e scompare semplicemente la nozione dell’autorità della cosa giudicata: essa non può consistere infatti nella imparatività della sentenza, che è la sua efficacia naturale e costante, indipendente dalla sua definitività e própria della pronuncia giudiziale nella sua qualità di atto emanato dalla autorità dello Satato, sebbene esposto ad essere riformato, mutato o contraddetto da un altro atto della medesima autorità.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia ed Autorità della

Sentenza. Milão: Giuffrè, 1962, p. 37).

326 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, n.

416, p. 09-17, 1970, p.12. ROCCO, Ugo. Corso di teoria e pratica del processo civile.V. I. Napoli: Libreria Scientifica Editrice, 1951, p. 571.

327 “Dessa forma, é fácil entender que eficácia de uma dada decisão e coisa julgada não se confundem, assim

como não se pode confundir a executoriedade (inerente à eficácia) com a imutabilidade (decorrente da res

iudicata). [...] Dessa forma, enquanto a imperatividade é a emanação da força do poder estatal mediante uma

dada decisão, a imutabilidade é um atributo conferido a estas decisões depois de certo lapso de tempo.” (SÁ, Renato Montans de. Eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 106.)

328 VELLANI, Mario. Naturaleza de la cosa juzgada. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: E.J.E.A,

1958, p. 72-80. É bem verdade que este autor saca as suas conclusões a partir do direito positivo italiano, não afirmando ser inútil a declaração sem a indiscutibilidade.

declaratórias.330 Basta pensar na necessidade de as partes se comportarem de acordo com uma sentença declaratória (art. 4º do CPC), quando esta é impugnada por recurso sem efeito suspensivo.331 Por exemplo, diante de um acórdão que reconhece a inexistência de relação jurídica tributária, qualquer atividade de cobrança do tributo pela Administração Fazendária será tida por ilegítima e poderá ser prontamente repelida, ainda que pendentes de julgamento os recursos excepcionais desprovidos de efeito suspensivo.

Così quando Hellwig – come si è già visto – definisce la cosa giudicata come l’effetto specifico della sentenza quando non sai più impugnabile, e più precisamente come l’efficacia di accertamento della sentenza, confonde appunto l’effetto normale della sentenza con la definitività e incontestabilità di questo effetto.332

Entender, portanto, que a coisa julgada é o verdadeiro efeito declaratório da sentença, além de ofuscar a importância da eficácia declaratória das decisões antes do trânsito em julgado, é continuar imerso na confusão tão bem resolvida pela doutrina do século XX a respeito da distinção entre as eficácias e os efeitos da sentença e a estabilidade gerada pela coisa julgada.333

6.6.4 Diante de sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, quais os

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