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7 Formação da coisa julgada

7.2 Mérito da causa

7.2.1 Relação entre coisa julgada e mérito

Continuando com a análise dos requisitos necessários à formação da coisa julgada, a doutrina costuma apontar a análise do mérito como indispensável para que uma decisão se revista da autoridade de coisa julgada. Sem dúvidas, a ideia de coisa julgada está intimamente ligada à análise do objeto litigioso que é conduzido a juízo para apreciação.427

Quando se versou sobre o porquê da existência da coisa julgada, ficou claro que se está diante de um instituto que é fruto de uma opção política de pôr fim à instabilidade social quanto à aplicação do direito, proporcionando segurança jurídica aos jurisdicionados,

424 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 8.ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 826.

425 CHIOVENDA, Giuseppe. Sulla cosa giudicata. Saggi di Diritto Processuale Civile. V. 2. Roma: Società

Editrice, 1931, p. 408.

426 GUIMARÃES, Luiz Machado. Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro, 1969, p. 12-15. A expressão “eficácia panprocessual” é creditada a Redenti, na sua obra Il giudicato sul punto di diritto, Riv. Trim. di Dir. e Proced. Civile, 1949, p. 261.

427

por meio da indiscutibilidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário. Ora, quem vai ao Judiciário não busca uma decisão a respeito dos requisitos de admissibilidade da sua demanda judicial, mas uma solução definitiva para a relação jurídica que deu origem ao processo.

Ainda, conforme já se expôs em linhas atrás, a incontestabilidade de decisões que não apreciam o mérito da demanda poderia gerar situações gravíssimas de verdadeiro non liquet, retirando do Judiciário a possibilidade de resolver os conflitos de interesse, vedando, portanto, o acesso à justiça, garantia fundamental dos cidadãos.

Com efeito, seja porque a finalidade do processo é o julgamento do seu mérito, seja em razão das consequências indesejáveis acarretadas pela indiscutibilidade externa ao processo de decisões sobre a admissibilidade processual428, para atingir a estabilidade decorrente da autoridade da coisa julgada é fundamental que o mérito da demanda seja apreciado na decisão. Sem decisão de mérito, não há de se falar em coisa julgada.

Essa premissa é consignada expressamente no CPC, quando expõe no art. 468429 que tem força de lei entre as partes a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, bem como no art. 471, quando impede o rejulgamento de questões relativas à mesma lide e, por fim, no art. 474, ao limitar a eficácia preclusiva da coisa julgada às “sentenças de mérito”.430

Trata-se de verdadeira conquista histórica, conforme o atento olhar de Chiovenda, a partir da superação de ideias originárias da influência germânica que propugnavam que todas as questões, sejam processuais sejam de mérito, eram decididas por sentença, imediatamente apelável e, por consequência, merecedoras do manto da coisa julgada.431 Foi

428

Sobre o ponto, vide ponto 1.1.2 supra.

429 “O artigo é uma reprodução, ao que se supõe melhorada, do art. 287 do Código de 1939, onde não figurava,

na oração principal do período, a palavra lide. O Código revogado que, ao redigir o art. 287, copiara o art. 290 do Projeto de Código de Processo Civil elaborado pela Comissão presidida por Ludovico Mortara, em 1926, para a Itália (cf. Pedro Batista Martins, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, atualizada por Frederico Marques, vol. III, p. 289, 1960) suprimiu, na tradução para o português, a palavra lide, na locução ‘ha forza di legge nei limiti della lite e della questione ne decisa’, de modo que o mencionado art. 287 do Código de 1939 ficou redigido assim: ‘A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas’; e não nos limites da lide e das questões decididas.” (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual. Revista de Processo, n. 14-15, ano IV, p. 46-47, abr./set. 1979).

430 “Êste conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja, o mérito da

causa.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Revista forense

comemorativa – 100 anos. Coord. José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, p. 21-46, 2007, p.

37).

431 CHIOVENDA, Giuseppe. Sulla cosa giudicata. Saggi di Diritto Processuale Civile. V. 2. Roma: Società

um tempo em que se conferiu excessiva importância à iudicata, com evidente desprestígio da res, de maneira a banalizar o instituto da res iudicata nos termos como foi gestada no Direito Romano.432 Virada essa página da história, pode-se afirmar que para se alcançar a autoridade da coisa julgada, a res deve ter sido iudicata.433

Devem-se separar, portanto, as questões que são levadas ao conhecimento e julgamento do magistrado que dizem respeito à admissibilidade da demanda (questões prévias434), daquelas que correspondem ao seu objeto litigioso, a fim de visualizar com nitidez o que possui a aptidão de se tornar indiscutível pela formação da coisa julgada.

No primeiro grupo, encontram-se as decisões que colocarão fim à fase processual, total ou parcialmente, em relação a um dos capítulos da demanda, sem resolução do mérito. No CPC, estão enumeradas no art. 267 e, conforme se expôs, são inaptas a alcançar a autoridade da coisa julgada. Está-se aqui tratando de questões preliminares que funcionam como requisitos para uma adequada análise do mérito. Deve o juiz, assim, sanear o processo de todas as deficiências que possam, de alguma maneira, prejudicar um julgamento escorreito da demanda. Caso não seja possível fazê-lo, deparando-se com defeitos insanáveis ou não saneados, alternativa não lhe restará senão extinguir o processo sem apreciação do mérito e, por consequência, sem a formação da coisa julgada.

Quando é enfrentado pelo órgão judicial o próprio pedido declinado pelo autor435, sobre o qual o juiz irá reconstruir a norma jurídica concreta decidindo com definitividade e dando origem ao comando sentencial que projetará efeitos para fora do processo, se terá uma decisão de mérito, com plena aptidão de formar coisa julgada. Tais hipóteses estão

432

“Così nel nome romano di res iudicata, perdette importanza Il sostantivo res, che rappresentava in origine la cosa dedotta in lite, a tutto beneficio del particípio iudicata, che si applicò ad ogni questione decisa.” (CHIOVENDA, Giuseppe. Sulla cosa giudicata. Saggi di Diritto Processuale Civile. V. 2. Roma: Società Editrice, 1931, p. 405).

433

Interessante a digressão histórica exposta por Mitidiero, informando que a incidência da coisa julgada sobre decisões de mérito representa um retorno às ideias romanas (períodos formulário e da cognitio), mas que foram abandonadas no processo medieval (processo comum). No processo medievo, conferia-se a imutabilidade da coisa julgada tanto às sentenças quanto às decisões interlocutórias e tanto às decisões de mérito quanto às processuais. Isso explica bastante todas as confusões históricas existentes entre preclusão e coisa julgada. “Pois, na Idade Média, temos a vulgarização sentencial e, bem assim, a coisa julgada como instituto atinente às sentenças de qualquer conteúdo, desimportando se as mesmas tocam ou não o objeto litigioso. Logo, realidade bem diversa da época romana.” (MITIDIERO, Daniel. Coisa julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. Introdução ao Estudo do Processo Civil, p. 189-191).

434 LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Revista forense comemorativa – 100 anos. Coord. José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, p. 21-46, 2007, p. 38.

435 Assim como pelo réu na reconvenção ou pedido contraposto, pelo opoente, pelo denunciante (denunciação da

consignadas no art. 269 do CPC, que contempla além de efetivas decisões, algumas situações em que a doutrina denomina de mera resolução, o que adiante será detalhado.

7.2.3 Mérito e ausência de prova do fato constitutivo do direito do autor. O julgamento

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