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com passagem (breve e formal) pela Lusa Atenas

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E assim que Lúcio Pinheiro dos Santos e Francisco Newton de Macedo, conjuntamente com Amadeu de Almeida Rocha e Manuel de Sousa

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Coutinho Júnior351, são indigitados a 5 de Maio de 1919 , ou seja três dias

depois da publicação da Reforma através do Decreto n° 5491 de 2 de Maio, para ocuparem as vagas criadas por este no quadro das Faculdades de Letras respectivamente de Lisboa e Coimbra.

No entanto, a reacção coimbrã impediu-os de tomar posse. Por outro lado, tanto a desanexação ínsita no Decreto n° 5770 de 10 de Maio, como o seu chumbo parlamentar, deixou uma situação confusa, paradoxal e humilhante que só veio a ser clarificada com a transferência de Pinheiro dos Santos e Newton de Macedo, por Decreto de 18 de Outubro de 1919, para a novel Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Situação que provocou, em ambos, marcas profundamente sentidas, como eles próprios nos deixam insofismavelmente transparecer:

Em Lúcio Pinheiro dos Santos, levando-o a não chegar a tomar posse do cargo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pois, embora presente na primeira e provavelmente na segunda reunião, não chega a assinar as actas como consta das próprias. Candidato a deputado pelo

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círculo de Guimarães é, conforme nos assegura Joaquim Domingues ,

Lúcio Pinheiro dos Santos - Profundeza e perenidade do pensamento de Leonardo Coimbra (1946).In Leonardo Coimbra: testemunhos dos seus contemporâneos. Porto: Tavares Martins, 1950, p. 57.

351 Outros dois gilvicentistas desde 1915, o primeiro médico, o segundo professor, cf. Alberto Ascensão in ob. cit..

352 Diário do Governo. 5 de Maio de 1919, n° 102. II série.

353 Domingues, Joaquim - De Ourique ao quinto império. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 2002,p.213.

eleito a 9 de Novembro de 1919, mantendo-se nessas funções até 1922, ano em que, apesar de reeleito, parte em Comissão de Serviço para a índia, onde será Secretário da Educação e leccionará Matemática. No entanto, a obra coordenada por A.H. Oliveira Marques354, só o considera deputado na

legislatura de 1922-25. É visível contudo, até pela preocupação específica em conhecer Lúcio dos Santos, que o trabalho do Dr. Joaquim Domingues foi, no respeitante ao assunto, objecto de um estudo mais verificado, até porque atribui, com todo o sentido, a engano do funcionário parlamentar, o facto de Lúcio dos Santos estar biografado nos verbetes como licenciado em Direito por Coimbra . Ademais, o próprio Lúcio confirma a versão do investigador e professor liceal bracarense, quando afirma que não chegou a tomar a regência das cadeiras na Faculdade de Letras da Universidade do Porto "utilizando, primeiro, o impedimento parlamentar, e, depois, uma comissão de serviços na índia, quando me afastei voluntariamente do parlamento, depois de reeleito"356.

Mas para dar conta do estado de alma em que o imbróglio deixou Lúcio Pinheiro dos Santos, basta recordar o que escreve em Julho de 1946 para o "Livro de Testemunhos" de Sant'Anna Dionísio, que a Tavares Martins publicaria em 1950. Tendo sido redigidas quando o ritmo da vida decrescia, ao aproximar-se o crepúsculo, cuja consumação ocorreria, no Rio, em 1950, só poderiam relevar o que o filósofo sentisse como verdadeiramente importante. Sobretudo ele, amigo de Leonardo e de Pessanha, uma pessoa particularmente sensível ao lirismo optimista necessário para libertar as gerações da "exploração da tristeza":

"Foi uma honra para mim, estando no Rio de Janeiro em 1919, a surpresa da minha nomeação para professor de filosofia da Universidade de Coimbra, feita por ele (Leonardo Coimbra), no Governo revolucionário de restauração republicana que se seguiu a Monsanto, quando foram criados os Estatutos Filosóficos, nas Faculdades de Letras, e não havia nas universidades quem pudesse constituir um júri de concurso para a filosofia. Esta honra, venho-a defendendo pela vida fora, e tive logo de defendê-la, desde o momento da posse, com a resolução de não assumir a regência das cadeiras, - utilizando, primeiro, o impedimento parlamentar, e, depois, uma comissão de serviços

J 4 Marques, A.H. de Oliveira, coord. - Parlamentares e Ministros da Ia República. Porto: A.R. e

Afrontamento, 2000, p. 392

Já nessa altura se manifestaria a tendência para partir do princípio - não só despropositado como nefasto - de que o agente político, em particular o parlamentar, haveria de ser jurista de formação! Como se os imbróglios legislativos nacionais não desaconselhassem, no mínimo, tal monopólio.

Monteiro, A. Casais; Ribeiro, Álvaro; Marinho, José; Dionísio, Sant'anna, org. - Leonardo Coimbra: testemunhos dos seus contemporâneos. Porto: Livraria Tavares Martins, 1950, p. 57.

na índia, quando me afastei voluntariamente do parlamento, depois de reeleito - porque políticos sem fé, especialistas em "apaziguamento", que se seguiram ao Governo de Monsanto, resolveram negociar com a honra, que era minha, acreditando possível fazer-me baixar a cabeça, e me transferiram para a Faculdade de Letras do Porto, criada para esse fim, cedendo à

Questão levantada nas Universidades contra as nomeações"

Poderá ter acrescido que, tendo a própria reforma leonardina da filosofia do Decreto n° 5491 ficado com a regulamentação dependente da melhor oportunidade, não surgiram as novas cadeiras previstas, nomeadamente as de ciências (matemática, química e biologia) para as quais, pelo menos formalmente, Lúcio se encontrava particularmente habilitado, estando aliás, quando conviveu com Leonardo no "Gil", antes do dezembrismo, portanto em 1916, a preparar uma obra de matemática que Leonardo conheceu e apreciou. Já sabemos, pelo esclarecimento de Leonardo no debate parlamentar, que as novas disciplinas de ciências eram voltadas para um enquadramento reflexivo das mesmas, ou seja eram cadeiras de epistemologia que não obrigariam a sua leccionação a uma formação científica específica. Mas aliando Lúcio a formação científica à filosófica, ninguém melhor que ele para avançar à frente das novas cadeiras. Só que, vá lá explicá-lo aos que faziam a campanha contra Leonardo e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a partir de preconceitos conservadoristas! Mas nunca tendo surgido as novas cadeiras, é provável que ele próprio, Lúcio antevisse e, de soslaio, a sua inexistência, caso tomasse a regência de outras disciplinas, como mais um instrumento que serviria para lhe vergastarem a honorabilidade, tema a que, por motivos educacionais, temperamentais, e por formação moral, era particularmente susceptível.

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Quando, a 9 de Dezembro de 1926, conforme a acta da sessão 96 , já depois do 28 de Maio, Lúcio "regressa do ultramar", é-lhe confiada a cadeira de Psicologia em que estava particularmente à vontade a avaliar pelos trabalhos de Ritmanálise descritos por Bachelard e que Leonardo também conhecera. No entanto, em 27 de Janeiro de 1927, nas vésperas da revolução do 3 de Fevereiro de 1927, Lúcio declarara doença, sendo substituído por Leonardo. Não saberemos se Lúcio "metera baixa" para fazer a revolução, mas o certo é que uns dias depois, zarparia de novo para o Rio. Para não mais voltar.

Idem, ibidem.

358 Pina, Luís de - Faculdade de Letras do Porto: breve história. In Cale: Revista da Faculdade de Letras do Porto. Porto. Vol. I. Separata (1968), p. 65.

Em Newton de Macedo, mais parcimonioso, mas com palavras nem por isso menos significativas, ao encerrar "Aspectos do Problema Psicológico", em Agosto de 1919, que a Livraria Férin em Lisboa editou ainda esse ano, não sendo certamente por acaso a celeridade com que o trabalho foi dado à estampa: "Procurar o valor metafísico desse caos, será o objecto dum outro trabalho, feito com certeza em circunstâncias menos anormais e com maior serenidade de espírito". Ao que se segue, como nota de rodapé: "Queremos referir-nos à chamada questão universitária em que o autor se encontrou envolvido. Este trabalho pouco valendo em si, tem todavia a impô-lo ao respeito de todos a intenção moral que o ditou" . Ou seja o trabalho destina-se a calar os detractores, que acusam o jovem Newton de desconhecido por trabalho científico. Embora, à data, já tivesse publicado a Dissertação à Escola Normal Superior, "A Crise Moral e a Acção Pedagógica". Não tendo provas prestadas nem para prestar, Newton de Macedo, enquanto a reacção coimbrã faiscava sobre si e o debate da "Questão" se erguia no parlamento, pondo em causa a sua credibilidade científica, capacidade e até honorabilidade, dedicou-se ao trabalho de investigação e redacção para impor a todos provas da sua valia. E quem sabe se para se impor a si próprio, perturbado como estaria, com a atribulada agitação do início da carreira universitária? Certo é que o jovem Francisco, a partir de agora, dispunha de algo para preencher, se preciso fosse, um curriculum vitœ, tão sacralizado por o que o seu futuro aluno Álvaro Ribeiro, chamaria "positivismo jurídico" .