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1 79 rebuscando entre os mestres não vejo"

A "Questão" na Câmara dos Deputados

1 79 rebuscando entre os mestres não vejo"

Não foi pois pela intervenção de Pedro Pita que o debate ficou iluminado, embora seja de sublinhar que, mais uma vez, nas próprias fileiras do Partido Republicano surgia o apoio à proposta de criar em Coimbra uma Faculdade de Letras. Nova ou a velha, ver-se-ia se houvesse tempo e ocasião, o que não seria seguro neste período particularmente perturbado. Iluminado também não ficará com a longa intervenção, verdadeira catilinária, do orador de fundo Orlando Marçal, em simultâneo com uma outra longa intervenção sobre o dezembrismo, em outro ponto da Ordem do Dia, mas mais aceso, terá ficado certamente.

Pedro Góis Pita, (1891-1974) bacharel em Direito por Coimbra em 1914, membro do Partido Republicano Português até 1920, data em que aderiu ao Partido Reconstituinte, transitando em seguida para o Nacionalista de cujo directório foi membro até à dissolução em 1935.

170 Diário da Câmara dos Deputados, sessão n° 21, (8, 9 elO de Julho de 1919), p.33.

171 Ibidem. Ibidem, p. 34.

Orlando Marçal173, deputado democrático mas também poeta de créditos

firmados e obra publicada, numa peça de oratória monumental, não deixa de atentar no ponto concreto de que não era a existência ou não de uma "consciência republicana coimbrã"174 que estava em causa mas sim a análise

dos "processos do seu professorado universitário que, em vez de formar espíritos e caracteres, não faz mais do que lançar para a tremenda luta da vida verdadeiros autómatos, à sua imagem e semelhança criados"

Acusando a Universidade de Coimbra, e "não só a Faculdade de Letras" de ser um "perigo permanente para as ideias generosas que adoptamos e espalhamos com toda a alma e fé patriótica", e de ser "reaccionária, porque jamais admitiu um leve assomo de independência e liberdade dentro dos seus negros muros"176 sendo falso que altos paladinos da República tenham

tido ali liberdade de acção do alto das suas cátedras, como Afonso Costa ou Guilherme Moreira. "Quantos vexames e quantas amarguras... para se conseguir impor a condição de homem livre e a afirmação de republicanismo". É que "a grande maioria dos catedráticos universitários eram irredutíveis inimigos da República, porque esse ideal era para eles a luz que os cegava, como às corujas quando as fere a claridade do dia"

O deputado fozcoense, eleito por Vila Nova de Gaia nas listas do Partido Democrático, não deixou de resto de apontar as baterias ao já citado livro do deputado católico Diogo Pacheco Amorim, onde se proclamaria que depois da geração da República que era quase totalmente republicana, "as que se seguiram e ainda deambulam no meio coimbrão (mercê certamente do ensino universitário) são monárquicas e católicas"178.

Argumento utilizado em diversas ocasiões pelo próprio Leonardo Coimbra e justificativo de uma acção célere e cerce, reformadora da instituição

educativa, começando pela filosofia, caso se pretendesse acautelar o futuro da República.

Sendo portanto o facto, um forte pretexto para justificar a acção de Leonardo.

173 Orlando Marçal, (1887-1947), natural de Vila Nova de Foz Côa, formado em Direito por Coimbra, exerceu vários cargos incluindo o de Presidente de Câmara na sua terra natal. Além de ter sido eleito pelo Partido democrático em 1919, pertenceu aos Partido Popular e Partido radical. Pertenceu à Maçonaria, loja Ordem e Progresso com o nome simbólico de Marat.

174 Diário da Câmara dos Deputados, sessão n° 21, (8, 9 elO de Julho de 1919), p. 36.

175 Ibidem. 176 Ibidem. 177 Ibidem, p.37. 178 Ibidem.

da liberdade de ensino, ninguém parecia disposto a assumi-lo nesses termos. Além de que, ao apontarem para a reforma, as intervenções punham em causa a extinção da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, posição detectável tanto na Câmara como nos jornais, mesmo entre os mais acérrimos defensores da política do Ministro da Instrução, alguns dos quais nunca esconderam o lamento de que prefeririam a reforma necessária e radical de Coimbra do que uma desoladora desanexação.

Este tipo de posições torna-se mais sensível a partir do momento em que Leonardo passou de novo a simples deputado, tratando-se sobretudo de defender a honra do Governo anterior, bastando para isso lembrar que era essa a própria posição do novel Ministro da Instrução.

Mas seria iníquo 1er a sucessão de intervenções, fora do contexto de Julho de 1919, meia dúzia de meses depois da queda do sidonismo e da derrota dos monárquicos em Monsanto, quando ainda sangravam as feridas abertas pela repressão da Polícia Preventiva de José Luciano Sollari Allegro.

Donde o tom justicialista da intervenção de Orlando Marçal afirmando que na Universidade de Coimbra não foi respeitado a imposição da neutralidade religiosa do art. 14 da Constituição Universitária e aquando da sanguinolenta noite de 5 de Dezembro, "eis que os mestres soerguem a cabeça, exteriorizam os seus instintos autocráticos e, saudosos dum passado de mentira, imploram que o artigo 14 seja fulminado" .

Mais, a Universidade de Coimbra nunca se manifestou em qualquer festa republicana e sempre que um homenageado era republicano faltava o seu professorado universitário. Com a tirania dezembrista, no entanto, a Universidade de Coimbra "que não dava apoio a manifestações liberais" fez-se "representar com espavento numa festa memorável ao jesuíta Francisco Suarez", em Granada, "uma homenagem retumbante ao escolástico Suarez, que pertencera à ordem dos jesuítas inimigos da civilização e do progresso"1 °.

É possível que o deputado democrático tivesse razão quando contrapunha a passividade e silêncio da Universidade de Coimbra em relação aos valores da República, com o empenho e alarido com que participou no simpósio

179 Idem, p. 37. Idem, p. 38.

granadino, acalentado pelo período da ditadura sidonista que, no entanto, teve entre os seus apoiantes ou crentes personalidades como Fernando Pessoa, António Sérgio e Basílio Teles além de que Sidónio teve, como se viu, no período pré-ditatorial, a participação dos unionistas de Brito

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Camacho e do "intransigente" carbonário Machado Santos . Mas a resposta de Joaquim de Carvalho é elucidativa de como o estudo dos escolásticos não se pode reduzir a uma manifestação jesuítica a coberto duma ditadura, muito embora ela até possa ter, na simbólica política de um dado espaço e tempo, esse significado.

Joaquim de Carvalho esclarecerá as suas razões em a "A Minha Resposta", quanto à memória que apresentou sobre "a teoria da verdade e do erro nas

Disputationes Metaphysicae de Francisco Suarez", produzida em 1917,

transcrevendo a sua conclusão em que refere que "Suarez foi verdadeiramente o último grande Doctor", compreendendo-se por que "Descartes e Espinosa o meditassem e da sua obra extraíssem abundante e

de subidos quilates, aquel oro que Leibniz reconocia en la escolástica como

disse o insigne Menéndez y Pelayo" .

Mas Orlando Marçal, retrocedendo uns anos, vai desenrolando os nomes dos injustiçados pelo que considera prepotência universitária, alegadamente por serem republicanos: Teófilo Braga, António José de Almeida, Bernardino Machado, este, mesmo com Sidónio, "quando tiveram a coragem de proclamar a sua liberdade de pensamento" . Um rol a que poucos escaparão, declarando que, por ele, enquanto aluno na Faculdade de Direito, só podia salientar entre os professores com um "feitio liberal e independente", os Drs. Marnoco e Sousa, Dias da Silva e Caeiro da Mata, todos falecidos, e uns poucos mais que não citaria, por se terem afastado para outro meio onde podem exprimir os seus espíritos liberais. "Como se vem assumir a responsabilidade tremenda de afirmar neste Parlamento que a Universidade é liberal e não reaccionária? .

Leonardo Coimbra começara a sua reforma ideológica do ensino universitário pelo da filosofia, fazendo confluir a sua importância com a sua capacidade e competência profissionais, para o fazer sem mais consultas nem delongas, como declarou no debate parlamentar.

181 Madaíl, Fernando - Fernando Valle: um aristocrata de esquerda. Lisboa: Âncora Editora, 2004, p.39.

182

Carvalho, Joaquim de, ob. cit., p.7.

183 Diário da Câmara dos Deputados, sessão n° 21, (8, 9 elO de Julho de 1919), p.38. 184 Ibidem p.39.

Aproveitou a oportunidade política, sentindo que nada faria no lugar que aceitou ocupar se não fosse para fazer política enquanto "técnica de realização social", ou seja para mexer na sociedade no que entendia que devia ser mexido, fazer o que entendia que devia ser feito, mesmo que isso lhe custasse a cabeça no poder.

O poder não se destinando a manter-se mas sim a utilizar-se no sentido social, utilizou-o com os apoios e a argúcia que conseguiu juntar. Mas o debate parlamentar ultrapassou-o.

Para a história, ou seja para a nossa análise, fica que Leonardo ou avançou de mais ou de menos. No decorrer do debate parlamentar, em que a questão da filosofia e da Faculdade de Letras só quase se mantém aflorada por imposição administrativa da Ordem do Dia, indo o correr do aprofundamento argumentativo no sentido da análise de toda a Universidade de Coimbra e de a revolução republicana de 1910 lá não ter chegado quase uma década volvida!

E o tom de boa parte das intervenções, e a toada continuada da intervenção de Marçal no sentido de que a universidade coimbrã continuou depois de 1910 a funcionar como um reduto do passado, nos campos de superior importância, como são os da formação dos espíritos e dos caracteres: "Após a proclamação republicana fez-se dentro daqueles muros uma obra de emboscada. É perscrutar o sentimento da quase totalidade da actual academia coimbrã para se avaliar quanto de profundo e de verdadeiro há nesta afirmação" . Urdindo uma pérfida teia "que não tardaria a prender (...) o espírito da mocidade", "quando por toda a parte perpassa o clarão civilizador", deparamos com uma geração caótica e falhada", "ajoelhando na sombra enodoada das sacristias"ou "chalreando nos chás das cinco entre a aristocracia dourada"

E como não podia deixar de ser, como último, não o mais leve, dos argumentos, vem a citação de "o erudito professor Alves dos Santos" no apodo caracterizante de uma propalada autocracia conimbricense, num encómio em que o lente aparece fugidio e fugitivo às pintadas sombras soturnas coimbrãs, "à fatal asfixia das suas emanações putridinosas" "para fitar a luz imorredoira da liberdade" na actividade parlamentar.

Ibidem. Ibidem. Ibidem, p. 40.

A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra seria, nem mais nem menos, a lâmpada acesa da reacção e do ultramontanismo dentro da Universidade de Coimbra, já de si reaccionária e monarquista. "Como poderia ser liberal se era ainda há dez anos a pedra de toque do jesuitismo em Portugal?

E tanto esforço feito para reabilitar a dignidade da independência da antiga Faculdade de Teologia, para o deputado republicano, afirmando de resto conhecer bem, a par de António Granjo, "esse alicerce torquemádico em que assente a actual faculdade", a destruir inteiramente, acusando-a de prender e "atrofiar o pensamento humano, numa grande rajada de ignomínia e de crime", lembrando como foi expulso de uma aula por se recusar a acreditar na ressurreição de Lázaro .

Invectivando o que define como hipocrisia de Mendes dos Remédios considera que "A Universidade (de Coimbra) não é só inimiga irredutível das ideias modernas" mas também "a mais feroz e fervorosa adversária do regime republicano

No entanto, Coimbra, ao contrário da Universidade, é não só propícia ao trabalho de uma Faculdade de Letras "transformada desde os seus fundamentos, para que sinta o efeito do progresso e da civilização" como é uma cidade fidelíssima à República.

Donde, sendo claríssimo que estava consolidada a retoma da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pois também para Orlando Marçal, urgia a criação de uma faculdade de Letras em Coimbra, percebe-se a estratégia republicana de recuar na extinção da Faculdade de Letras decretada por Leonardo, aproveitando para, sob a forma de criação de uma novel, a criar em novos moldes, o que passaria necessariamente pelo recrutamento de novos professores que criassem uma nova dinâmica.

Mas João Pinheiro, um aderente ao sidonismo, agora no Partido Centrista, fez, como se diz na gíria parlamentar, a marcação a Marçal, intervindo em seguida a repetir todo a argumentação ínsita no opúsculo "A Faculdade de Letras ao país", sublinhando a contradição do ministro de retirar as Letras,

188 Ibidem. 189 Ibidem. 190 Ibidem, p. 41. 191 Ibidem, p. 43.

instalar uma Faculdade Técnica e não retirar as outras, e desafiando Leonardo Coimbra a referir qualquer impedimento da livre expressão de um aluno imposta pelos professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pelo contrário. Como de resto acontecia com a Faculdade de Teologia que Leão XIII classificava de demasiado secular. Para terminar repegando na questão da erudição livresca dos professores da Faculdade de Letras, que não seria mais do que "os professores darem todos os elementos para pensar livremente e diversamente da opinião exposta e detalhados nas

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suas amplas e eruditas bibliografias" o que se poderia indubitavelmente aplicar às próprias sebentas.

Mas vale porque implicou um aparte de Leonardo Coimbra dizendo que não era isso a "erudição livresca" e que, o que disse e perfilhava, era que "as doutrinas dogmáticas são incompatíveis com a ciência moderna". De pouca utilidade em relação ao deputado centrista, apostado em persistir no seu fio acusatório: "Eu sei que V.Exa. defende o livre pensamento desde que aqueles que o escutem pensem como V.Exa". No entanto Leonardo voltou a esclarecer pacientemente que "um dogmático não pode ensinar doutrinas modernas, porque elas são contrárias à lei fundamental do seu dogma" . O debate não só era partilhado na Ordem do Dia com uma segunda parte em que se analisava o dezembrismo, como era constantemente entrecortado por informações umas vezes, fidedignas, outras, meros boatos, dando conta de movimentações de tropas ameaçando ou não o poder constituído.

A instabilidade era, com efeito, permanente. Por motivos conhecidos, tornou-se usual verberar a instabilidade republicana, mas geralmente não é tão sublinhada a responsabilidade directa da permanente conspiração monárquica.

É ao que alude Mem Verdial, na intervenção seguinte sobre a "Questão", entremeada por um debate acalorado sobre o sentido de certos sinais ou "prenúncios" lidos das movimentação do Batalhão de Infantaria n°33 a entrar na capital, tal como tinha acontecido em Dezembro de 1917...

É nesse ambiente político, digamos assim, que nas palavras de Mem Verdial a reforma surge como resultado da "derrota da cartada monárquica" ; o ataque a Leonardo destina-se a impedir que a República faça o que devia há muito ter feito; a República só tem sabido recuar deixando a onda

Ibidem, p. 47. Ibidem. Ibidem, p. 49.

reaccionária alastrar na Academia com os professores à testa; só um ensino bem fundado garante a solidariedade à democracia; senão, sendo os alunos os homens do futuro, a República está perdida195.

Além disso e como expressão de tudo isso, passo a passo, a República tem vindo a deixar o espírito liberal, desprezando os princípios, até se chegar à situação actual autenticamente calamitosa: "Pusemos os frades fora dos conventos e eles foram fazer sementeira por esse país fora; fechámos as portas dos conventos mas eles por toda parte continuaram fazendo propaganda reaccionária "provocando um movimento de recuo cada vez mais acentuado". As novas gerações são "cada vez mais acentuadamente

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reaccionárias

De "A Nova Geração" de Pacheco Amorim, de a "Filosofia Elementar" de Mendes dos Remédios e do manifesto "Da Faculdade de Letras ao país", analisados por Mem Verdial no debate, concluiu que "a reacção mantém-se" e "levanta-se" embora "dessa onda que cresce, nós havemos de triunfar". "Há-de mostrar-se à Universidade, que a luta há-de terminar pela vitória da

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Democracia, pela vitória da liberdade, pela vitória do povo" .

A nova intervenção do líder unionista e director de "A Lucta", Brito Camacho198, só correu na sessão seguinte e procurando desviar a

dicotomização político-ideológica que se verificava no debate, bipolarização de que apenas o Partido Republicano poderia obter vantagem dada a maioria da sua representação. Ademais, com o debate politizado entre uma identidade monárquico-reaccionária-universitária por um lado e uma republicana, modernista, popular por outro, era claro que todos os que, mesmo sem convicção, se encapotavam tacticamente numa posição favorável à República, se encontrariam numa posição difícil no momento de exercer publicamente o seu voto. No entanto não nos podemos esquecer que

195 Ibidem, p. 51. 196 Ibidem. 197 Ibidem, p. 53.

198 Manuel de Brito Camacho, nascido em Aljustrel em 1862, bacharel pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em 1889 e estudou em Paris entre 1902 e 1903 o que lhe permitiu a entrada no Exército onde chegou a coronel em 1919. Foi membro do Partido Republicano, chegando a pertencer ao seu Directório entre 1897 e 1899, mas em 1912 fundou o Partido da União Republicana (Unionista). Foi presidente da Associação Académica, de Lisboa em 1888. Dirigiu O Intransigente em 1894/5 e fundou, em 1906, A Lucta. Deputado por Beja em 1908, participou no 5 de Outubro, retomando então o lugar de Deputado pelo mesmo círculo alentejano. Ministro do Fomento de 1910 a Setembro de 1911. Deputado em 1915, 1919, 1921 e 1922. Alto Comissário em Moçambique entre 1920 e 1923. Pertenceu ao Grande Oriente Lusitano, iniciado em 1893 no Triângulo de Torres Novas. Publicou a sua tese A Herança Mórbida em 1889. Publicou dezenas de obras no domínio do ensaio político, da reportagem, notas de viagem, contos e impressões.

subscrição da proposta de criação de uma Faculdade de Letras em Coimbra, desfazendo, em substância, a desanexação a Coimbra com anexação ao Porto, tornando-se dado adquirido que passariam a existir três faculdades de letras.

Faltava saber, embora não assomasse como preocupação dos parlamentares dispostos a apadrinharem generosamente a "melhor solução", com que dinheiro se iria assegurar esse novo funcionamento, dada a situação do país, a sair da guerra e do sidonismo, profundamente deficitária. Situação aliás presente nos debates parlamentares embora de forma lateral em relação à "Questão". E que terá pesado na decisão de Leonardo, capaz, certamente, da decisão mais fácil de contentar as partes, todas de resto, neste ponto concreto, com inequívoco peso nas suas razões.

Camacho optou por zurzir o executivo anterior por ter assumido com tanta "elasticidade" as autorizações para legislar em zonas tão vastas e profundas como o da reforma de todo o ensino. Autorizações inexistentes segundo o unionista. No entanto, como pergunta interrompendo Júlio Martins, fundador nesse mesmo ano do "Grupo Parlamentar Popular", também se poderia questionar onde estaria o diploma que autorizou a dissolução do Parlamento anterior, relevando o domínio do político sobre o jurídico no

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processo histórico .

Mas para Brito Camacho não só não se pode aceitar que o Governo anterior se tenha arrogado de tais poderes, como tenha empreendido a reforma de todo o ensino com tanta ligeireza, como se fôssemos entrar num regime não de "cada cabeça sua sentença" mas de "cada ministro sua reforma". O mesmo aliás em relação à nomeação de professores, entendida como arbitrariedade do Executivo, e "um golpe de morte no ensino" .

Não é pois por nada fazer, ou por não fazer reformas, que Leonardo é feramente atacado, mas tem de se lhe fazer a justiça de ter granjeado tantos adversários exactamente por as ter feito, porventura de forma pouco sustentada. O que decorre da sua própria concepção de acção política como aprofundaremos.

Para Camacho, no entanto, o importante era ter-se cumprido a lei da República. Porque embora o Governo provisório da República tenha sido,

199 Diário da Câmara dos Deputados, sessão n° 27, (23 de Julho de 1919), p.14.

"reaccionário, até permitir que ficasse em Coimbra, em vez de a mandar para Roma, a Faculdade de Teologia, transformada em Faculdade de Letras" há que o louvar pela legislação que firma a República "numa base sólida como é o ensino". E se é mau que qualquer ministro possa operar reformas "a seu talante", pior que "possa nomear professores como se nomeiam empregados subalternos de qualquer repartição pública" pois a "demonstração de competência deverá ser feita perante um júri" estando a este propósito a legislação perfeita201.

Mas ao terminar a intervenção, Camacho não deixou de fazer emergir o outro vector, o territorial. Basta atentar nas últimas palavras da sua intervenção na sessão: "Coimbra, meio essencialmente intelectual, cotado com uma Faculdade Técnica, e o Porto, meio essencialmente industrial, dotado com uma Faculdade de cultura especulativa, não faz sentido" . Vector submerso, com mais peso do que o explicitado no correr das intervenções, advindo no entanto, em numerosos opositores à política leonardina, através de alusões curtas, mais de expressão emocional à guisa de desabafo final, do que de desenrolo de uma argumentação ou contra-