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Uma decisão salomónica anunciada

O projecto entrado no Parlamento a 23 de Julho de 1919 e que tinha tomado na Câmara dos Deputados a forma de proposta de Lei n° 41, acabou por transformar-se em Lei a 27 de Agosto depois de transitar pelo Senado e mal-grado o parecer negativo da sua Comissão de Instrução.

Por ele, além da indicação governamental dos reitores e do articulado atrás citado sobre a contratação de professores, entra em vigor o Decreto n° 5491

320 Ibidem, p. 12. 321 Ibidem, p. 13. 322 Ibidem.

de 2 de Maio que reformava os estudos filosóficos nas faculdades de Letras, enquanto se revoga, pelo artigo 5o, o 5770 de 10 de Maio que desanexava a

Faculdade de Letras de Coimbra, mantendo-a e criando, pelo artigo n° 11 uma nova, na Universidade do Porto "com um quadro de disciplinas, grupos e secções análogos ao das mesmas faculdades de Lisboa e Coimbra , que iniciou imediatamente o funcionamento, ou seja, no ano lectivo de 1919-20 Quando, saído das eleições de 11 de Maio de 1919, com a maioria obtida pelo Partido Democrático, surgiu o novo Governo presidido pelo coronel Sá Cardoso, que tomou posse a 26 Junho 1919, estando inscrito no seu programa, que "se propõe o ministério da Instrução, se o Parlamento assim o entender, manter uma faculdade de Letras em Coimbra, sem prejuízo da já estabelecida no Porto" estava consumado o recuo em relação ao protesto e reivindicações dos catedráticos de Coimbra.

De resto, se atentarmos nos artigos de fundo de "A Vitória" a partir dessa altura, face às posições dos unionistas na pena e nas intervenções de Camacho, ou dos evolucionistas através das posições de Alves dos Santos, ou mesmo dos socialistas de Batalha que tinham participado nas manifestações em apoio a Leonardo Coimbra, percebe-se quais as decisões estratégicas tomadas e qual ia ser o rumo dos acontecimentos dentro do Partido Democrático.

No entanto, conforme Damião Peres, ele também professor convidado do "Liceu Central de Gil Vicente" para a novel faculdade portuense e que ali haveria de exercer o magistério durante a Década da sua existência, aquela, além de caluniada sistematicamente por todos os que se sentiriam em posição difícil face às avaliações comparativas à inovação pedagógica, foi "praticamente desamparada dos poderes públicos que a tinham criado" vivendo, sobretudo nos primeiros anos, da abnegação dos docentes e discentes, operando autênticos milagres pedagógicos face à "insignificância do material e misérias das instalações"325.

Não esquecer que logo em Agosto de 1919, depois de uma série de fenómenos financeiros nacionais e internacionais altamente negativos para o orçamento de Estado, os líderes do Partido Democrático no Governo estigmatizam qualquer esbanjamento e assumiam a exigência de sacrifícios

Damião Peres, dir. - História de Portugal. Porto: Portucalense Editora, 1954.1 Suplemento, p. 251. Idem, ibidem.

tal logo em Novembro de 1920 o Ministro das Finanças Cunha Leal se anuncia sem os recursos necessário para a gestão corrente .

Além disso, como analisa Álvaro Ribeiro , o Decreto n° 5491, que reorganizava o grupo de Ciências Filosóficas nas Faculdades de Letras, não tendo sido revogado e entrando em vigor, ficou com a sua efectivação dependente da melhor oportunidade futura, através dum parágrafo único do art. 3o do Decreto n° 6087 de 9 de Setembro. Isto é, até hoje.

Na fina observação do antigo aluno da Faculdade de Letras da Universidade do Porto de que, entre nós, sempre que um texto, que refira a promessa de um acto administrativo e não disponha de designação escarrapachada de "por quem, quando e aonde", ficará para as nacionais Kalendas mais longínquas que as helénicas . Mal sabia Ribeiro que, após a sua morte, com o retorno das bem-aventuradas liberdades cívicas, viria também, o reforço das cínicas, a ponto de nem a alvarina tríade de segurança do agente espaço-temporal ser suficiente para que um compromisso assuma a dignidade mínima de, por o ser, se tornar um facto, ou pelo menos obrigação sacratíssima e irrevogável do celebrante.

Álvaro fala de distracção dos ministros por não terem elaborado o regulamento do novo curso superior de filosofia que, segundo ele, teria possivelmente levado a um notável incremento na criação científica, filosófica e literária nas três faculdades.

Terá razão no remoque.

No entanto, convenhamos que, no plano político, as dificuldades financeiras do país vindo da guerra de 14-18, com um armistício pouco compensador, cruzadas com as ofensivas dos anarco-sindicalistas e dos bombistas, eram mesmo propícias à "distracção" de ministros que, em relação ao debate da filosofia, optaram na preocupação maior de apaziguar e evitar os confrontos, não na de decidir em matéria que se lhes afigurava difícil e cujo alcance talvez vislumbrassem, se vislumbrassem, de forma demasiado núbila. Ou talvez já fosse tarde para a República.

Quanto à questão das nomeações, necessariamente o móbil a que a maledicência anti-Faculdade de Letras da Universidade do Porto se agarraria, tão-pouco o Governo de Sá Cardoso assumiria a doutrina mínima

Rui Ramos - A Segunda Fundação. In José Mattoso, dir., História de Portugal, Lisboa: Editorial Estampa, 1994. Vol. 6, p. 601.

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Ribeiro, Álvaro, ob.cit, p.191. Idem, ibidem.

de que as primeiras nomeações deveriam ser da livre iniciativa e integral responsabilidade do ministro. Sabendo-se que, com toda a evidência, os adversários da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, enquanto inovação pedagógica ou pedrada no charco, dirimiriam a tese de que só deveriam ser nomeados os que fossem aprovados por um júri ad hoc constituído pelos professores mais antigos das faculdades de Coimbra e Lisboa; mantendo-se então a segurança de que, com o surgimento de novos quadros docentes, nada mudaria na Universidade Portuguesa, e a tradição teológica ou a "escolástica de orientação tomista", para usar o léxico dos diplomas leonardinos, continuariam a reinar com os novos rebentos gerados na aquiescência da tradição para a conservação do status quo, ad infinitu e, nessa perspectiva, Deus saberá se ad majorem Dei gloriam.

Para o autor das "Memórias de um letrado", estava em causa adoptar uma filosofia portuguesa para a política portuguesa, bem como fundar a liberdade sobre a inteligência, não sobre a vontade dos direitos. No entanto, o mesmo que se diz sobre a filosofia portuguesa, dir-se-ia simplesmente sobre a filosofia.

Nesta reforma do ensino universitário da filosofia, tratava-se mais de introduzir e criar uma filosofia que consagrasse uma série de quesitos essenciais da modernidade para uma política de um regime que se assumia no pensamento do seu tempo, do que de qualquer incisão nacionalista ou patriótica, como parece retirar-se da analogia feita pelo autor de "O Problema da filosofia portuguesa".

Não parece haver conteúdo para antecipar ou fazer incluir o debate sobre a filosofia portuguesa, no momento, até porque, se assim fosse, não se compreenderia o alinhamento nem o argumentário de Joaquim de Carvalho. Por mais patriotismo que o ministro mostrasse e assumisse, o plano curricular que impõe para a filosofia não apresenta componentes significativos nem duma filosofia portuguesa, nem tão-pouco dum pensamento português, sendo aliás, em toda a sua obra de pensador, relativamente limitado o trabalho analítico em torno dos vultos nacionais, restringindo-se mesmo, no campo da filosofia, à obra sobre o pensamento de Antero.

Ninguém podendo vislumbrar, na superação do positivismo, pela filosofia das ciências, na senda da epistemologia do Século XX, algo de criação caracteristicamente nacional, ninguém poderia concluir qualquer veio nacionalizante à reforma das ciências filosóficas.

Parte 2