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onde a rainha é uma magnólia

O novel edifício, em boa verdade, de novo nada tinha.

A "Quinta" é conhecida pelo menos desde os princípios do Século XIX, tendo sido coió das tropas miguelistas durante o Cerco, razão por que, durante os combates, foi incendiada pelos constitucionais.

No entanto, em 1835, já estaria restaurada, pois surgia na Imprensa portuense para alugar. Não uma "Quinta Amarela", mas duas. Na verdade eram duas, uma ao lado da outra, como ainda hoje permanecem .

Idem, ibidem, p. 28. Idem, ibidem, p. 29. Idem, ibidem, p. 31. Idem, ibidem, p. 33.

Para o aluno Sant'Anna Dionísio "aparentemente a escola era frustre", não apenas pela localização suburbana como pela "arquitectura simplória" que lhe conferiria um "ar envergonhado"374 o que, no contexto da sua

constituição, poderia ter um significado deprimente.

"Escola desde logo caluniada, pelos que a diziam pura criação política" apodada pelos seus detractores de "Faculdade das Tretas" ou de "Capelinha do Leonardo" , a verdade é que, a par com a "Renascença Portuguesa", não só foi o marco mais sólido da cultura portuense do primeiro quartel do Século, como um momento único e transcendente da prática pedagógica. Mal grado as dificuldades financeiras que transparecem nas palavras de Sant'Anna Dionísio ao referir que "as carteiras eram mesquinhas, as salas exíguas, as cátedras quase ridículas" . Damião Peres corrobora, ao afirmar que a Faculdade de Letras da Universidade do Porto "praticamente desamparada dos próprios poderes públicos que a tinham criado, nos primeiros anos, teve de viver, quase exclusivamente, tanto da abnegada acção dos seus professores, que ocorriam com milagres de devoção pedagógica à insignificância do material e à miséria das instalações, como da compreensiva dedicação e anseio pelo saber dos seus estudantes378. E

Luís de Pina transcreve o mísero saldo de cofre registado em acta de Agosto de 1920, reiterando em nota de rodapé que é "para nos dar ideia da modéstia severa em que viveu a novel Faculdade e como foi enorme o sacrifício de todos os que a serviam e dos mais que dela recebiam o ensino". Aliás das actas do Conselho Escolar transcritas pelo referido Professor, esse ambiente perpassa, não só em registos como o de António Luís Gomes prescindir do vencimento de um trimestre na medida em que se tinha ficado pela investigação, sem leccionar, como das diligências permanentes na capital para "desbloquear" as verbas necessárias que, aliás, a mor parte das vezes, era função desempenhada por Newton de Macedo.

374 Dionísio, Sant'Anna - A Quinta Amarela. Diário Popular (29 de Junho 1967). Trata-se da reedição de um artigo com o mesmo título publicado no "Primeiro de Janeiro", 12 de Março de 1958, este citado e parcialmente transcrito por Luís de Pina in Faculdade de Letras - Breve História.

5 Peres, Damião, dir. - História de Portugal. Porto: Portucalense Editora, 1954. Io Supl., p. 251 376 Dionísio, Sant'Anna, ob. cit.

377 Idem, ibidem.

378 Peres, Damião, ob.cit., p. 251. Pina, Luís de, ob. cit. p. 33.

No entanto, as tormentosas dificuldades materiais não obliteraram o sucesso do essencial: para Sant'Anna Dionísio "o que houve de mais relevante naquela estranha experiência de ensino, foi o indefinido encanto da pedagogia discreta de certos professores, a par do indefinido prazer de os ouvir na inesquecível atmosfera de boa vizinhança de um maciço de arvoredo habituado aos silêncios e à intimidade"380.

Seria nesse ambiente cruzado de peripatético e de conventual, onde o silêncio era apenas interrompido pelo ramerrão dos carros eléctricos a caminho dos Montes Burgos e da Praça, ou pelo "apito estridulo, em mi menor, dos comboios da Póvoa, a chegarem e partirem da Boavista", que Leonardo e Newton se entregaram à exposição, com convite à reflexão através do diálogo e da participação criativa de cada aluno381.

Vale a pena a transcrição da descrição que o ilustre publicista e antigo aluno, que temos vindo, a citar nos traz da sua memória de quarenta anos depois, a única descrição conhecida com pormenores ambientais:

"A majestosa magnólia, de carnuda folhagem e belas flores brancas de marfim, era a rainha. Ao seu lado havia velhas japoneiras que pela Páscoa se cobriam de camélias rubras e brancas". Até ver, a flora típica do jardim romântico portuense. Mas que se ruraliza ao alargar-se em "turfas de mitra e loureiro, maciços de alecrim, caneleiras de flores rubicundas e essências adocicadas, festões de glicínias". Ao fundo, no extremo da cerca,"dois ou três castanheiros" e "pelo meio, conduzindo a diversos recantos, pacatas veredas flanqueadas a buxo que, a cada passo, eram estremunhadas pelas discussões metafísicas"

Quando Leonardo falava "a magnólia ouvia em silêncio". "Dentro de cada um a ansiedade de compreensão e levitação ardia também. As escaladas por vezes eram violentas." "Embora não compreendêssemos tudo, sentíamos que o verdadeiro motor de ensinar - cada um encontrar o seu rumo - era

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aquele mesmo"

Mas "nesse tempo, para nós, o céu era profundo e o destino insondável". "Ao longe, rente à copa do arvoredo, avistava-se uma fímbria azulada do mar". Newton de Macedo era dos que mantinha o olhar nesse fundo, como

Dionísio, Sant'Anna, ob. cit. 1 Idem, ibidem.

2 Idem, ibidem. 3 Idem, ibidem.

se "ensimesmado" a falar da "claridade do céu helénico" enquanto discorria as lições, numa voz que corria "como um fio de azeite", "mantendo-se inalterável, de perfil, com o olhar preso na longínqua orla atlântica da Boa Nova", onde fazia passar "no nosso espírito, lembranças

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indefinidas dos físicos da Jónia, do orfismo e dos mistérios de Elêusis . Um perfil coincidente com o do desenho que o próprio Sant'Anna debuxa, em 1926, do "Discreto Mestre" e que publica ilustrando artigo com esse mesmo título, a propósito do cinquentenário da publicação de "A Alvorada

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Helénica - A luta pela liberdade no pensamento europeu" .

O trabalho docente e discente na Faculdade não se resumia às aulas ou à investigação bibliotecária. Em 1920 saem os primeiros volumes da Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo o n° 1 -2 o trabalho de Newton de Macedo intitulado "Factos e teorias históricas (sociais)". No ano seguinte, em 1921, surge o n° 3-4 e Newton colabora com "O Bolchevismo como Experiência Moral" trabalho que articula a conexão entre a crise económica e a crise moral. Em 1923, o n° 5-6 publica o trabalho de Newton de Macedo intitulado a "Neutralidade em matéria religiosa: meios de consegui-la" que havia sido apresentado à 5a Secção do

Congresso Nacional de Educação Popular realizado em Lisboa em 1922, no âmbito da Universidade Livre e nesse mesmo ano editado em Lisboa.

Tal como colabora, a partir de 1923, na reabertura da Universidade Popular

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do Porto, como veremos mais adiante .

Newton não está presente na "Quinta" em Março de 1921, sendo substituído por Damião Peres em História da Civilização. Não está presente na reunião do Conselho que se realiza a 21, ou por já se ter deslocado para o estrangeiro, ou por entender não dever participar numa decisão que lhe diz respeito, já que, a mesma sessão aprova missões de estudo para Leonardo Coimbra e Newton de Macedo de Psicologia Experimental em Espanha e

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França

A acta deve corresponder aos factos e, assim sendo, esta deverá ter sido a primeira deslocação de Newton a Paris, mas não a última ao estrangeiro. O

Dionísio, Sant'Anna. O Diabo. (7 Outubro 1980).

Dionísio, Sant'Anna - A Quinta Amarela. Diário Popular. (29 de Junho 1967). Dionísio, Sant'Anna - Discreto Mestre de Filosofia. O Diabo (7 de Outubro 1980).

Presente Capítulo, p. 30. Pina, Luís de, ob. cit., p. 34.

que tem importância na medida em que, assim sendo, haverá uma segunda missão de estudo ao estrangeiro, e ainda uma terceira que efectuará depois da dissolução da Faculdade dando origem ao "Novas Tendências da Psicologia Experimental e terá sido não a França, como por vezes se afirma, mas à Alemanha. Ou à França e à Alemanha.

Resolver-se-ia assim, com várias viagens de destinos diferentes, a discrepância informativa quanto à deslocação de Newton ao estrangeiro, nomeadamente em relação a Vitorino Magalhães Godinho nos garantir reiteradamente que a sua missão para estudar a Gestalttheorie foi à Alemanha, enquanto Delfim Santos afirma que Newton efectuou os estudos que precederam a publicação da obra em Paris389 e Ribeiro dos Santos afirma

também que Newton se "especializou em Paris em Psicologia Experimental390.

Em Agosto de 1921, Newton já está de novo presente no Porto, tal como Leonardo, a quem o Conselho acabara de conferir o grau de Doutor em Ciências Filosóficas. Ambos são encarregados de se deslocarem a Lisboa a avistarem-se com o ministro para melhorias das instalações e orgânica da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Ao abrir do ano lectivo de 1921/22, Newton fica com História da Filosofia Medieval e História da Filosofia Moderna e Contemporânea enquanto na sessão de Novembro propõe ao Conselho o agradecimento ao ministro Ginestal Machado pela forma como diligenciou a resolução dos problemas que lhe apresentara393.

Mas, em Setembro de 1922, a missão ao estrangeiro efectuada tem repercussão directa na vida lectiva, pois é-lhe atribuída, para esse ano lectivo, a Psicologia Experimental, um dos terrenos do interesse particular de Newton394.

Santos, Delfim - O Pensamento Filosófico em Portugal. In Obras completas. 2a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.1 vol., p. 454.

390 Santos, Alfredo Ribeiro dos - A Renascença portuguesa: um movimento cultural portuense. Porto: Fundação António de Almeida, 1990, p. 189.

391 Pina, Luís de, ob. cit., p.36. 392 Idem, ibidem, p.37. 393 Idem, ibidem, p. 37-38. 394 Idem, ibidem, p. 43.

Nesse mesmo início de ano, em Novembro de 1922, tratando-se da proposta, apresentada por Damião Peres, de indicação de Francisco Torrinha , do Liceu Rodrigues de Freitas, para o preenchimento de uma vaga do Io Grupo, Newton expõe o seu pensamento, afirmando que tanto

para esta vaga, como para outras, a admissão deve ser feita por concurso, até por toda a campanha que foi feita contra a Faculdade nos meios académicos a este propósito396. Não haveria, com efeito, já motivo para que assim não

fosse, na medida em que a Faculdade dispunha de um corpo docente mais do que suficiente para constituir um júri. Assim a contratação dos próximos assistentes e professores deveria passar a fazer-se por concurso. No entanto, Francisco Torrinha foi admitido de imediato, mediante o elogio feito por professores no Conselho, e passado à efectividade em Agosto de 1924, mediante declarações escritas em abono do seu perfil científico e

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pedagógico . Foi aliás o próprio Francisco Torrinha que voltou com o assunto à colação quando, uns poucos meses depois, veio tecer considerações em defesa do preenchimento dos lugares de Professor por concurso, defendendo a abertura de concurso para novos assistentes na medida em que a Faculdade já dispunha de licenciados com classificação

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para isso .

Mas para o ano lectivo seguinte, o de 1923/24, Newton acumula História da Filosofia Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea e Psicologia Experimental399.

Em boa verdade, teria habilitação e competência para muito mais, sobretudo entrando no terreno da História Civilizacional ou de Portugal mas, na altura, os terrenos das disciplinas estavam mais separados do que ulteriormente entre a história e a filosofia.

O Grupo de Ciências Filosóficas, continua sem a presença efectiva de Lúcio Pinheiro dos Santos, que havia passado pelo Conselho ao fim do mandato de deputado em 1921 mas que, embora tendo sido reeleito deputado, optara por embarcar para a índia em Comissão de Serviço400.

Francisco Torrinha, 1879-1955, bibliotecário no Liceu Rodrigues de Freitas, autor de uma gramática de português e diversos dicionários de português e português-latim.

396 Pina, Luís de, ob. cit., p. 44 397 Idem, ibidem, p. 51. 398 Idem, ibidem, p. 51. 399 Idem, ibidem, p. 48. 400 Idem, ibidem, p. 35.

Embora a Faculdade multiplicasse as iniciativas com vista à obtenção de um edifício próprio para instalação mais condigna e mais operativa, continuava, como se em resposta, sendo fustigada com pedidos governamentais para restrição do número de cadeiras e diminuição de pessoal. Assim se agregou a Diplomática à Paleografia e extinguiu-se a cadeira de Latim Bárbaro e Medieval. No entanto, o problema das instalações tornava-se cada vez mais premente dado que, além da exiguidade e da localização periférica (vista como um engulho) os proprietários da Quinta afirmaram por carta dispor de uma proposta de venda401.

Em Novembro de 1925, Newton é reeleito, como desde 1919, Bibliotecário, para em Dezembro, lhe ser concedido pelo Conselho, por proposta de Damião Peres, o grau de Doutor. A mesma sessão aprovou um voto de agradecimento pela forma como o Professor Newton de Macedo "tem tratado em Lisboa os problemas da Faculdade"402.

Em 17 de Junho de 1926 é eleito um novo director da Faculdade para o lugar de Leonardo403. Tinha ocorrido vitoriosamente o 28 de Maio de 1926.

A partir dali tudo seria diferente, dominado por uma tétrica sombra. Não a do passado, como costuma referir-se a propósito do remorso, mas a do futuro. Sombra que envolveu a edição da "Introdução à Filosofia" que Newton de Macedo acabara de redigir e que a "Renascença Portuguesa" editara ou editaria nesse mesmo ano de 1926. Uma obra que seria decisiva na formação das gerações liceais substituindo tanto o cientismo redutor dos "Elementos" de Alves dos Santos como o sebentismo memorial da "Elementar" de Mendes dos Remédios. Se tivesse o correr da história de feição...