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Numa tal reorganização, outrossim, a primitiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto será considerada precursora da nova universidade.

Porque foi uma escola que realizou o que há-de vir a ser considerado o tipo da verdadeira e autêntica acção pedagógica universitária448.

Delfim fala não só assumindo a responsabilidade de professor catedrático, como a de ter conhecido, por dentro e durante anos a fio, as universidades de Viena, Berlim e Cambridge449.

Aliás, muitas dessas grandes escolas mais avançadas eram paradoxalmente antiquadas em relação a nós. Conservavam muito do que nós destruímos, substituindo-o por estruturas aparentemente inovadoras propostas desde o Século XVIII. Muito do que se destruiu terá de ser refeito e terá de ser destruído muito do que não merece conservar-se, embora cronologicamente mais moderno. O mal nacional, nos diversos domínios, de acatar sem critério os modernismos e os estrangeirismos, sem os aferir pela peneira da personalidade do nosso espaço e tempo450. Mal afim, afinal, ao

provincianismo novo-riquista.

Tal tom crítico, não é novo por parte do filósofo portuense em relação à instituição universitária e académica. Nem resulta de um momento mais maduro da sua evolução. É uma constante, um permanente fio analítico. Pelo menos desde 1933, logo dois anos depois de obter a licenciatura pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, num ano particularmente instável e agitado no plano político, em que se compromete activamente com o movimento "Renovação Democrática"451, altura em que, na "Voz da

Justiça", respondeu a um inquérito sobre a Universidade452, arquitectando

uma crítica radical, pelo menos em parte, bebida com toda a evidência no caldo crítico vigente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a

Idem, ibidem. 449 Idem, ibidem. 450 Idem, ibidem.

451 Delfim Pinho Santos tinha-se licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1931 - a partir de 1926 acabou a autonomia das "Ciências Filosóficas" passando a Ciências Histórico-Filosóficas - com 18 valores. Nesse mesmo ano de 1931, com Álvaro Ribeiro, Domingos Monteiro, António Alvim, Eduardo Salgueiro e Pedro Veiga, participou na criação da "Renovação Democrática" (Calafate, Pedro, coord. - História do Pensamento Filosófico Português. Lisboa: Caminho, 2000. Vol. V, Tomo I) que surte a público em 29 de Fevereiro de 1932 através de uma carta enciada para os jornais (Gomes, Pinharanda - A "Escola Portuense". Porto: Caixotim, 2005.) 452 Os três artigos da "Resposta" foram coligidos apenas em 1934, dando origem a "Linha Geral da Nova Universidade", Lisboa, 1934, inserto nas Obras Completas, II, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982, p.373, em razão de "motivos muito especiais" como é afirmado na "Nota breve" que introduz o texto

que poderíamos chamar o ideário pedagógico ou mesmo a ideologia pedagógica da primitiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Referimo-nos a "ideologia" no sentido que lhe dá, por exemplo, António José Saraiva, discernindo-a de "pensamento", enquanto designativo de uma visão do mundo estruturada num conjunto de valores característicos de um grupo a cuja coesão tem de, acima de tudo, atender com eficácia453.

É este aspecto que releva a importância do texto para a questão em análise: dada a proximidade temporal, decorre necessariamente da posição e envolvência ideológicas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto em relação à Universidade em geral, para mais, sendo Delfim Santos, tal como tantos outros, um espírito que se manterá fiel ao ideário pedagógico da "Quinta Amarela".

A velha Universidade colocou-se "à margem da evolução ideológica e na defesa calculada da estática social e dos interesses particulares das classes" "despojadas dos privilégios tradicionais"454; ao contrário de ser um produtor

e dinamizador de cultura, não passa dum "organismo passivo e receptador da cultura extra universitária que a modela" nos casos poucos em que mantém permeabilidade para ser influenciada; mantendo na sua senilidade apenas a função de conservação, tem uma existência injustificável455.

E, mais, ou antes, menos, um "albergue de homens sem vida nem curiosidade pela vida", sem culpa, no entanto, pela incompreensão do seu tempo, uma vez que a culpa é toda a nossa: por os lá os deixar estar; e por respeitarmos a velhice, não enquanto alfobre experiencial mas enquanto museu de virtuosos "imutáveis e sublimes"456.

Nem notaram que, face à evolução, ou "mudavam ou desistiam", pois foi o que sucedeu a outras "classes sociais". Sem se eximir à virulência, digamos, realista, da analogia, remata afirmando que "pelo mesmo motivo que a sociedade actual não admite os cocheiros, não poderá admitir professores universitários feitos no tempo dos cocheiros"457.

453 Saraiva, António José e Lopes, Óscar - Correspondência. Lisboa: Gradiva, 2004, p. 74 -77.

454 Santos, Delfim - Linha Geral da Nova Universidade. In Obras completas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982. Vol. II, p.374.

455 Idem, ibidem. 4 Idem, ibidem,p. 375 457 Idem, ibidem.

E se for preciso, a título de exemplo, descer a um caso concreto de fossilização grotesca, que não deve ser considerado particular por responsabilizar toda a Universidade, sendo certo que, "sob este aspecto, qualquer uma delas é superior às outras duas..." bastará citar uma oração de sapiência, na época de 1932-33, na Universidade do Porto, em que o professor indigitado, de química-física do quadro burocrático, tendo escolhido para título o de "Apologia da Ciência", não hesitou em juntar-lhe o avisado e contido subtítulo de "A Resolução dos Problemas Metafísicos"458.

Páginas "admiráveis de uma antologia ajuntar ao processo da Universidade Velha" , exemplificando, passo a passo, como o dislate e ignorância se podem unir à desfaçatez e à mais inconsciente das petulâncias num só corpo anedótico, ficando por saber-se onde escolher melhor desopilante hepático, se nas identificações metafísicas em que a ontologia é o problema da sensibilidade, a psicologia o da razão e a moral o da vontade, ou na proclamação de que todos estes problemas foram solucionados pela ciência, em particular "pelas físico-químicas, auxiliadas pelas matemáticas, que tocam com o dedo os problemas mais elevados da metafísica" .

E depois do proverbial dedo do nosso palestrante, descansemos. Se a ciência resolveu os problemas mais distantes, o progresso material resolverá tanto ansiedades existenciais como problemas sociais, estes, em particular, desde que haja serenidade e cada actividade se exerça no lugar próprio, uma espécie de política para os políticos que a política de cada um deve passar, a bem da harmonia (e naturalmente da Nação), a ser a do trabalho.

Bastaria espreitar a bibliografia confessamente usada pelo orador oficial da Universidade do Porto, agora expurgada das nocivas comparticipações dos filósofos, incapazes, no seu onanismo verbalista e nefelibata, de resolverem os problemas metafísicos, da dissolvida "Quinta Amarela":

Um manual liceal da França e um livro ultrapassado, a "História da Filosofia Europeia" de Alfred Weber, publicado em 1871, do qual, ainda assim, o autor nada compreendeu e mesmo o que traduziu, deturpando e confundindo tudo, foi para mau português.

Idem, ibidem. Idem, ibidem, p. 376. Idem, ibidem, p. 377.

Se as coisas ocorrem assim numa Oração de Sapiência sob o crivo crítico dos olhares públicos, que acontecerá nas aulas? - questiona Delfim Santos, certo que, as páginas de pouca elevação a que se dedicou, mormente relevando um caso que a decência e o bom gosto tenderiam a obnubilar, são as consentâneas com a realidade universitária coeva.

Sublinhe-se que esta radicalidade analítica de Delfim Santos, não redunda, como em certo momento se poderia suspeitar, em qualquer truque evasivo ou dilatório em relação à questão concreta e, convenhamos, difícil, de apresentar proposta alternativa. Como se verá.

Entretanto, se o Decreto que legaliza a "decrepitude universitária", ou seja a aposentação aos setenta anos, continuar a ser respeitado, nunca o problema será resolvido. "As funções docentes não dependem da idade civil que por isso não deve ser fixa e a mesma para todos"461. Até porque, após o limite de

idade, a sua acção persiste indefinidamente na medida em que os novos são escolhidos pelos antigos entre os que "manifestarem concordância com as suas ideias ou falta de ideias"462. Embora haja excepções e catedráticos

competentes, o seu número é exíguo.

Registemos que o mesmo raciocínio, sublinhando o despropósito da idade de aposentação compulsiva como mecanismo de renovação, permitiria manter em funções os professores, mesmo que raros, que ultrapassassem cronologicamente os setenta anos, mas se mantivessem, pela atitude e capacidade publicamente demonstrada, com a dinâmica criativa e inovadora

necessária para a instituição universitária.

Pela experiência das duas últimas décadas, Delfim Santos admite como "única e proveitosa" a saída que ele próprio define como a "solução radical": "a extinção da Universidade"463.

O que "valorizará imenso a nossa cultura", "desaparecendo "um valor negativo que inferioriza grandemente os possíveis valores positivos da cultura nacional" 4.

Idem, ibidem, p. 375. Idem, ibidem, p. 376. Idem, ibidem, p. 379. Idem, ibidem.

Nem menos! Reformas ou extinção de cadeiras não servirão para nada. Nomear um ou dois novos professores para junto aos antigos de nada adiantará, pois, ou não se entenderão, ou, caso se entendam, é para ficarem dúvidas sobre o carácter do pacto. As "glórias nacionais" tidas por incontornáveis e intocáveis são as que mais importaria mexer e superar, a saber: "eruditismo, academismo, catedratismo, arqueologismo, positivismo, filologismo, burguesismo, clericalismo, anti clericalismo"465.

Sendo a carência a de "um espírito novo", não é com medidas administrativas e exteriores que se resolve. Donde, "primeiro a extinção," "depois, a organização da nova Universidade" "dirigida intencionalmente para uma finalidade humanista"466. Que é, ponto assente e fio permanente

do pensamento pedagógico de Delfim, a única finalidade da escola, a que nunca poderá soçobrar ou ser substituída por qualquer outra, seja administrativa, financeira ou disciplinar, sob pena de completa traição à sua função e portanto à sua razão de ser.

O humanismo enquanto critério permitiria várias soluções para o problema universitário. Mas do ponto de vista de Delfim Santos, a melhor solução para os tempos que correm, é a por si preconizada.

Nessa Nova Universidade, na alternativa do filósofo, os professores, presume-se que apenas de imediato e nos tempos mais próximos, seriam preparados nos centros especializados no estrangeiro e seleccionados conforme o valor dos trabalhos publicados, em caso nenhum, conforme as notas dos cursos. Mas ao tempo em que deveriam trabalhar, no pilar interno da Universidade, ao nível mais aprofundado da investigação e do ensino, deveriam também, num outro pilar, cimentar a relação de reciprocidade entre a universidade e a sociedade. Enquanto professores auxiliares, se teriam de proferir conferências públicas bimestrais nos institutos de investigação, criados junto a cada faculdade, teriam simultaneamente de proferir conferências de divulgação e propaganda cultural junto do grande público.

Este entendimento bidimensional do magistério universitário preconizado por Delfim Santos vinha também da experiência na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, já que inspirava a ambivalência da maioria professores da "Quinta Amarela", juntando a vertente interna à das actividades da "Renascença Portuguesa".

Idem, ibidem. Idem, ibidem.

A "Renascença Portuguesa" além de, a par da publicação de "A Águia", dinamizar uma imprensa periódica popular, como será a "Vida Portuguesa", desenvolvia iniciativas editoriais de grande divulgação científica e cultural. Depois da "Biblioteca Lusitana" dirigida por Coelho de Magalhães e Jaime Cortesão, que, na primeira fase, a partir de 1914, editou os "clássicos" portugueses, a "Renascença" lança-se, na publicação de uma "Biblioteca Infantil e Popular", sob a égide dessa espantosa personalidade de autodidacta e trabalhador da cultura, José Teixeira Rego, ele mesmo autor de numerosas traduções e prefácios das obras que iam sendo dadas ao prelo. Mas o marco porventura mais substancial da vocação social ou pedagógica da "Renascença" foi a dinamização da Universidade Popular em que se empenhou boa parte dos professores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, misturando-se com professores de outros escalões, investigadores, ou meros sábios autodidactas ou mesmo técnicos.

Newton de Macedo foi um dos que alinhou com a reabertura da Universidade Popular do Porto, a partir de Fevereiro de 1923, no projecto reformulado por Leonardo que o entendia como uma enciclopédia do saber, sendo-lhe atribuída a responsabilidade lectiva por um dos grupos467.

Segundo Alfredo Ribeiro dos Santos, o . grupo atribuído a Newton de Macedo versaria "As formas elementares da vida social: a religião e a arte - totemismo, mitos, lendas, tabus, etc. o trabalho, a arte"468.

E mais uma vez na experiência da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e nas linhas ideológicas e pedagógicas que a nortearam, que o recém- licenciado Delfim desenvolve as suas alternativas para a nova universidade.

Mutatis mutandis, os seus gizamentos orgânicos e funcionais são

esclarecedores da orientação das práticas pedagógicas da "Quinta Amarela". Do ponto de vista do filósofo portuense, impossibilitado pelo processo histórico de devolver à sua terra natal a formação de que pode dispor, os professores universitários, só após 10 anos no regime exposto, e depois de publicarem pelo menos três obras, relevando competência e as demais virtudes inerentes à capacidade docente, poderiam ser nomeados catedráticos, numa decisão em que participariam alunos e antigos alunos, já que os primeiros teriam "personalidade universitária", numa universidade que, tal como na ideia que Delfim refere de Ortega Y Gasset, "seria dos

Samuel, Paulo -A Renascença portuguesa: um perfil documental. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1990, p.385.

468 Alfredo Ribeiro dos Santos - A Renascença portuguesa: um movimento cultural portuense. Porto: Fundação António de Almeida, 1990, p.18.

alunos e para os alunos e não, como agora, dos professores e para os professores". Nem para a cátedra nem para qualquer cargo universitário contaria a antiguidade, privilégio a abolir totalmente na nova organização469.

A nomeação do Reitor, definido como "cargo da confiança dos alunos", teria de ser por estes ratificada, tal como ao lado do Reitor haveria um representante dos alunos. A representação dos alunos seria alargada nos conselhos, de forma a haver um maior número de estudantes junto aos professores. A profissão docente na universidade, remunerada de acordo com as novas exigências, seria totalmente incompatível com qualquer outra profissão ou grau de ensino, enquanto o ensino seria absolutamente gratuito

em todos os graus470.

Se um aluno se prepara na Universidade para vir a ser professor liceal, tal como outros entram nas escolas da Marinha ou do Exército a prepararem o oficialato, a que propósito os primeiros deveriam pagar, em oposição ao ensino gratuito ministrado aos segundos? Raciocínios a gerarem a pergunta sacramental: que tem de mais importante a missão do militar em relação à do professor? E a sua formulação mais desejada: Ou até, nem será ao contrário?471

O discurso com os antigos colegas de 1950 não foi uma ideia simpática adequada ao momento saudoso de reunião dos antigos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, antes a continuação de uma ideia persistente e progressivamente alicerçada desde as respostas ao Inquérito de

1933, coligidas em "Linha Geral da Nova Universidade" como ficou registado para a posteridade.

No entanto, chegado a este momento de "organização da nova Universidade", traçando um plano, mais ou menos aproximado, "da instituição a que desejaríamos dar o nome de Universidade , as dificuldades montam porque seria preciso um "plano de reforma da mentalidade" e, infelizmente, "a mentalidade alheia não se reforma com planos"473.

Santos, Delfim - Linha geral da nova universidade. In Obras completas. 2a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982. Vol. I, p. 388.

470 Idem, ibidem, p. 389. 471 Idem, ibidem. 472 Idem, ibidem, p. 380.

Por isso, o plano alternativo para a nova Universidade induzir-se-á da crítica aos defeitos da velha.

O erro no ensino das ciências ao nível universitário é o da estanquicidade dos saberes de cada uma das ciências, sem "correlação com o saber total ou cultura"474 e também a sua estaticidade, de um repetivismo mecânico, como

se a ciência estivesse nos livros ou não fosse "acção pensante", "função de criação e renovação", "resposta a inquietações sérias e profundas e, por sua vez, fonte de novas inquietações"475.

Todo o ensino das Ciências deverá ser orientado segundo a epistemologia, já que a ciência enquanto problemática é filosofia. O estudo da matemática implica o conhecimento dos problemas fundamentais que originaram a especulação filosófica que a criou, tal como a física e a química implicam a concepção geral do universo e a especulação filosófica sobre a estrutura íntima da matéria.

Se assim fosse haveria menos dificuldade em compreender as dúvidas de Heisenberg sobre a causalidade!

Resultante de um ensino "que pôs fora da ciência os princípios que a orientam".

O mesmo quanto à biologia, fechada à vida universal, como fechada à problemática da especulação filosófica sobre a vida que a originou476.

"A criação da cultura científica portuguesa" depende do estudo da filosofia das ciências ou epistemologia. Nunca haverá criação científica sem o conhecimento da história das ciências e da epistemologia477.

A ciência da velha-universidade - com raras excepções - é demasiado técnica e prática, devendo ser ministrada em institutos técnicos especiais e não na universidade, já que as suas finalidades nada têm em comum.

Já nas Letras, pelo menos em alguns dos ramos, não é no erro de isolar os conhecimentos do mundo em compartimentos estanques que se cai. Aí, pelo contrário, foge-se aos problemas: "bordejam-se teorias, fixam-se nomes e, quando muito, lêem-se tratados" . Mergulha-se no estudo da história dos

474 Idem, ibidem. 475 Idem, ibidem, p. 381. 476 Idem, ibidem. 477 Idem, ibidem, p. 382. 478 Idem, ibidem.

problemas, mas não se encaram os problemas, abusa-se dos comentários ou dos comentários de comentários, mas desprezam-se as fontes originais. Não se cultiva o trabalho pessoal 7 .

O filologismo e o historicismo campeiam, dominam, tornam-se exclusivos e vícios mortais.

Nas faculdades de Letras, como nas de Ciências, desapareceu a reflexão filosófica sobre o mais importante que é "o sentido da cultura e o seu valor de influência social"480.

Sem fugir às responsabilidades de propositura alternativa, Delfim sintetiza um esboço de plano para a nova Universidade, provisório, com o objectivo principal confesso de demarcação crítica para com a velha Universidade. Nas suas grandes linhas, teríamos uma primeira Faculdade de Filosofia, uma segunda de Ciências e uma terceira de Letras, esquema coincidente com o defendido por Leonardo, na sua tese ao Congresso da Esquerda Democrática, em 1926, de um "núcleo teorético ciências, letras, filosofia em cada Universidade481.

De resto, Leonardo Coimbra, em 1926, sete anos depois do Decreto n° 5491 que visou a reforma do ensino das ciências filosóficas nas Faculdades de Letras das Universidades de Coimbra e de Lisboa, naja referida alocução ao Congresso da Esquerda Democrática, em guisa de balanço, afirmaria que se a reforma não se tivesse "perdido entre as dificuldades da intriga e malevolência pessoal", teríamos o "binómio ciência-filosofia distribuído hoje nas Universidade em ciências da natureza e ciências do espírito e a filosofia, com os nomes de faculdades de ciência, contendo as primeiras, e faculdades de letras contendo as duas últimas. Em alguns países mais completa e correctamente se diz faculdade de filosofia e letras"482.

O importante, sublinha Leonardo, é que sendo uma universidade sobretudo o saber teorético, o núcleo teorético dever-se-ia estruturar: "faculdade de ciências da natureza, faculdade de ciências do espírito e faculdade de Filosofia"483.

Idem, ibidem. 480 Idem, ibidem, p. 383.

481 Leonardo Coimbra - O Problema da Educação Nacional. In Obras. Porto: Lello & Irmão, Porto, 1983. Vol. II, p. 946

482 Idem, ibidem, p. 946 483 Idem, ibidem.

Ciências, Letras e Filosofia. O resto são belas-artes e técnicas, médico, direito, farmácia, agronomia, veterinária, comércio, indústria, colonial, engenharia, normais, habilitação de professores, mas nenhuma de ciências de educação que são inexistentes já que o existente são aplicações da psicologia, sociologia, etc.

A que corresponderiam faculdades e escolas, variáveis conforme a região, sendo muito mais adequada a localização da Agronomia em Coimbra do que no Porto, tal como o Direito estaria muito mais adequadamente localizado no Porto do que em Coimbra. Imaginando o clamor da reacção coimbrã a tal ideia, num subtil remoque à reacção de 1919, Leonardo obriga-se, na alocução, a pedir previamente que "não se zanguem" pois a proposta não passava de uma hipótese ingénua484.

Prosseguindo na questão orgânica central, nesta arquitectura, o grupo teorético comum a todas as universidades garantiria a formação de todos professores do ensino superior teórico, secundário e primário superior, agrupando ciências por cadeiras ou grupos de cadeiras indispensáveis, como