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e a didáctica o diálogo

Se Sant'Anna Dionísio, licenciado em Filologia Germânica e em Filosofia, deixou, das aulas de Leonardo e Newton na "Quinta Amarela", o ênfase no "transe" que se operava entre o reinado da magnólia e a fixação na longínqua fímbria azul do oceano, à Boa Nova, Álvaro Ribeiro que iniciou o curso de Filologia Germânica, mas desistiu e passou para Filosofia, sublinha que Leonardo discordava do método didáctico das normas oficiais, tramado

401 Idem, ibidem, p. 50. 402 Idem, ibidem, p. 54. Idem, ibidem, p. 56.

pelos funcionários ministeriais sob a consigna de que "o professor pensa e fala, o aluno ouve e escreve", que privilegiavam a valoração da prova escrita em desfavor da oral, "didáctica adversa à inteligência e à imaginação". Embora, diz-nos Ribeiro - sempre preocupado em manter o Mestre dentro da moldura de uma imagem de moderação - o respeitasse e cumprisse. Mas "a didáctica era, para Leonardo Coimbra, o diálogo"m.

Havia a convicção de que, embora submetidos aos míopes e iníquos ditames burocráticos de origem ministerial, os professores utilizariam a sua margem de liberdade para "endireitarem a tortura de um ensino livresco, aferido em provas escritas e certificado por diplomas". "A movimentação peripatética nas instalações da "Quinta Amarela" permitia-nos ouvir os mestres fora das aulas e conferia-nos a alegria de estudar intelectualmente, sem estorvo de manuscritos, cadernos ou livros". Depois de escutarem "com atenção passional a retórica de Leonardo Coimbra, Teixeira Rego ou Newton de Macedo", comparavam-na com as opiniões de cada um em "exercícios de dialéctica"405. Assim se libertavam da "opressão administrativa" dos liceus e

colégios "onde a palavra escrita no compêndio ou ditada pelo mestre servia de dogma a reproduzir fielmente na prova final do exame"406.

Claro que de entre os testemunhos, não muito abundantes, da prática lectiva e da vida quotidiana na "Quinta Amarela", avultam os que incidem sobre o Director da Faculdade, tribuno venerado, filósofo reconhecido e figura intelectualmente tutelar da instituição, Leonardo Coimbra. E embora seja também claro que a didáctica do Mestre fez escola marcando todos os professores da Faculdade, não será lícito extrapolar mecanicamente da prática didáctica de Leonardo para a dos outros, nem sequer para a de Newton de Macedo seu companheiro de Grupo e, poder-se-á dizer, sem desprimorar ninguém, seu braço direito, tanto a leccionar como a gerir a instituição. É que, na Faculdade, ser discípulo estava longe de ser imitador, antes implicava originalidade como atestam diversos testemunhos, entre eles, como veremos, o do criador do "Poemas de Deus e do Diabo".

Será preciso distinguir, na medida do possível e tendo consciência prévia da dificuldade, o que advém do génio caracterológico de Leonardo, o que poderá resultar duma teoria didáctica mesmo que incipientemente formulada, ou o que não será mais do que um conjunto de modus faciendi

404 Ribeiro, Álvaro - Memórias de um letrado. Lisboa: Guimarães Editores, 1977, Vol. I, p. 115. O itálico do texto é do próprio Álvaro Ribeiro.

405 Idem, ibidem.

didácticos de raiz empírica, vendo a aula de filosofia como uma continuação, ora da exposição tribunícia, ora do diálogo maiêutico reflexivo entrecruzado com a descompressão de tertúlia propícia à divagação de cariz literário.

Como será necessário distinguir duas personalidades tidas, à partida, como totalmente diferentes, do ponto de vista temperamental, o que se repercutiria segura e directamente na retórica das aulas, como aliás na escrita: a figura hercúlea de Leonardo assumidamente "indisciplinado", assistemático, irregular, extroverso, funcionando nos momentos mais efectivos do "transe"407 didáctico criativo em impetuosos arremedos pletóricos, de olhar

telúrico ou transcendental mas sempre fulminante, profundamente impressivos, de que abundam os testemunhos, sendo o mais incisivo o de Sant'Anna Dionísio; Newton de Macedo, pelo contrário, na elegante leveza física, gentleman, fleumático, monocórdico, sistemático, com o nasalado do tom a tirar, dir-se-ia, aos silêncios, o olhar fixo na oceânica fímbria azul como se lograsse alcançar, ou lesse, o helénico berço, apelando menos, ou num tom mais baixo, à impressão emocional, e mais ao convite racionalizante sobre uma vastíssima e actualizadíssima cultura sociológica, psicológica, filosófica e histórica.

O antigo aluno Sant'Anna Dionísio, além de se referir a Newton como o "amigo tranquilo e íntegro de Leonardo Coimbra", refere-o também como "adjunto do mestre eloquente"408.

Contudo, mal grado a proximidade afectiva, os campos tratados por um e outro se, quanto a um saber global, se complementam, são especificamente distintos. Tal como o pensamento newtoniano é autónomo do leonardino: navegando muitas vezes em terrenos comuns é, além de, por vezes, divergente, estruturalmente díspar. Tal as personalidades: em Leonardo, a eloquência sem eximir a exuberância enfática de tribuno e filósofo, em Newton, a discrição e a monocordia do solilóquio reflexivo.

Já para Álvaro Ribeiro, o Leonardo da "Quinta Amarela", o Leonardo professor, era geralmente diferente desse orador arrebatado que alguns esperariam, pois libertava-se do jugo da oratória tribunícia, comicial ou parlamentar e, com o olhar sempre penetrante mas mais sereno, "ao mesmo tempo íntimo e quase indiscreto"409, assumia um tom coloquial e tranquilo,

Dionísio, Sant'Anna - A Quinta amarela. Diário Popular (29 de Junho 1967). 408 Dionísio, Sant'Anna - Discreto Mestre de filosofia. O Diabo (07.10.1980).

Régio, José. In Leonardo Coimbra: testemunhos dios seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 29.

para um número de alunos que oscilava entre a dezena e a vintena, exercendo a sua acção persuasiva pessoa a pessoa, conhecendo o nome de todos e provocando um ambiente familiar propício à impressão na "intimidade das almas"410. O número de alunos em cada turma era portanto

um elemento decisivo. A exposição, quando havia lugar a ser proferida para fornecer sucedâneos cronológicos e históricos dos filósofos ou para clarear sistemas de relações, era apontada para a comunicação individual e necessariamente entrecruzada e esteada no debate pessoal e colectivo. Este Leonardo lectivo estava muito perto do Professor Newton de Macedo como se fosse a situação a determinar a atitude, o magistério a determinar, através da vocação, a maneira de ser. A aula arrancando com Sófocles, Dostoiewsky ou Antero, e estendendo-se até à metafísica é, para ambos, o lugar não só de impressão emocional mas de desconstrução e reconstrução dialéctica e racional, em que o professor ajuda, amparando, provocando, surribando, pensando e ensinando a pensar, em que cada um constrói, ou seja reconstrói, de acordo com as suas características pessoais, entre as quais, as virtuosas consolidar-se-ão e crescerão.

José Régio, que se não fora o sonhar com "todos os mitos mais ou menos poéticos de Coimbra" teria sido aluno, tal como seu irmão Júlio, da Universidade do Porto, mas que frequentou algumas vezes as tertúlias de café do pessoal da "Quinta Amarela", afirma que a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, "com professores e alunos que se tornaram notáveis", "exemplificou aquela Universidade livre com que sempre ficaram sonhando os que a frequentaram", tendo lançado "as bases da Universidade reformada e moderna"412. Não é pois o depoimento de um aluno, nem de um

discípulo, nem sequer, em algum sentido, de um admirador. Pelo contrário, Reis Pereira, aliás Régio, fez sempre questão de manter as distâncias para com Leonardo Coimbra, como se depreende da correspondência com José Marinho, com quem viveu uma sentida amizade, como, a título de exemplo, numa carta datada de 30 de Julho de 1923: "...nunca serei discípulo do Mestre embora admirador do seu alto Espírito, porque mo impedem incompatibilidades de temperamento"413.

O que viria a ser o autor de "As Encruzilhadas de Deus" (1936) declara impetuosamente querer "estar fora de todas as doutrinas, de todos os

0 Ribeiro, Álvaro - Memórias de um letrado, I, Guimarães Editores, Lisboa, 1977, p. 114. 1 Régio, José - Confissão Dum Homem Religioso. In Obra completa, INCM, Lisboa, 2001, p. 79. 2 Idem, ibidem.

sistemas e de todas as escolas", tal como encontra tanta "verdade no pensamento filosófico de Leonardo Coimbra como num que lhe fosse absolutamente oposto"414. No entanto, afirmando ter mantido profundas

relações de amizade com muitos discípulos leonardinos que ficaram sempre gratos à sua memória, o poeta que não queria ser "discípulo a não ser de si mesmo"415, sublinha que o mais notável foi que, embora todos eles tivessem

trazido traços comuns, todos vieram a afirmar "personalidades tão individualizadas e diferentes como as de José Marinho, Álvaro Ribeiro, Delfim Santos, Casais Monteiro, Sant'Anna Dionísio, etc.", "continuadores independentes, originais"416, "discípulos capazes de o prolongarem (e em

certa medida corrigirem), sem abdicação alguma da sua originalidade pessoal"417, fazendo jus ao objectivo mais importante da pedagogia da

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a capacidade de desenvolvimento pessoal criativo de cada um, e à sua didáctica preferencial, o diálogo.

Isso mesmo fica na memória de Régio, quando testemunha que a influência de Leonardo Coimbra aumentava "prodigiosamente" pela sua natureza para ""se inspirar"" no "contacto directo com o discípulo, o ouvinte, o interlocutor", isso lhe dando "um poder de sedução pessoal ainda hoje verificável" que, no entanto, "não bastaria junto de discípulos que viriam a ser homens superiormente inteligentes, ou que já eram discípulos excepcionais". A capacidade de seduzir funcionava porque era posta ao serviço do desenvolvimento das pessoas, era um instrumento utilizado com um fim benéfico que se entrosava na própria vontade desperta e estimulada de crescimento pessoal criativo e livre. O segredo do sucesso de Leonardo, no periscópio de Régio, estava em que punha o seu poder de sedução pessoal ao "serviço, junto dos seus discípulos, tanto das suas tendências especulativas próprias, como das virtualidades e faculdades deles" e em que, havendo nele "uma permanente adolescência", "com tal característica da sua complexa personalidade porventura estaria relacionada a sua influência junto de quaisquer adolescentes"419.

Idem, ibidem.

415 Régio, José - Confissão Dum Homem Religioso. In Obra completa, INCM, Lisboa, 2001, p. 80. 416 Idem, ibidem.

41 Régio, José. In Leonardo Coimbra: testemunhos dios seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 32.

418 Idem, ibidem, p.30.

O informalismo das relações de Leonardo com os alunos era tal, para Augusto Domingos Saraiva, licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em Ciências Filosóficas em 1927, que todos os momentos e lugares eram propícios para o abordar. "Sobre as máximas coisas o poderíeis interrogar, acerca de tudo, poderíeis, com ele, discutir". Leonardo "possuía o instinto de convívio". "Nenhuma distância entre ele e vós". "Sempre o mesmo sorriso acolhedor, a mesma espontaneidade afirmativa e generosa"420. Mais que o "instinto", a "paixão do convívio":

"um conversador nato, infatigável, prodigioso"421.

No entanto, Leonardo, "aquele ser deliciosamente convivente" estava, para o mesmo pensador portuense de origem aveirense, sob a "fatalidade" da contradição de, por um lado, se mostrar extremamente "sensível ao juízo de todos os homens", "sequioso de convívio, de companhia e até de aplauso, por outro lado, de escrever "como se propositadamente ignorasse, ou altivamente desprezasse, os mesmos a cujo juízo era sensível". Embora adquirido que a "Filosofia não seja a Didáctica", para Augusto Saraiva impor-se-ia um mínimo de didactismo exigível para qualquer escritor. E como cultura é diálogo, para o autor de "Reflexões sobre o Homem"422, a

"mais nobre função do espírito meditativo seria transferir para os cumes o plano de convivência" sem poder "esquecer aquele sentido dialogante que está na raiz de todo o pensar". Donde, para Augusto Saraiva, o drama da incompreensão e da faceta leonardina de ressentido .

Que, noutra leitura, seria inevitável. E que a fogosidade e o arrojo do pensamento leonardino se efectivamente tão propenso para a convivialidade dialogante na maior das simplicidades conceptuais, não deixava de ultrapassar não só os limites do diálogo, como das próprias palavras utilizadas, ou mesmo dos conceitos socialmente adquiridos, para penetrar criativamente em percursos e hemisférios desconhecidos ou pouco explorados. Para se ultrapassar ou transcender. O que levava, necessariamente, a uma noção muito peculiar da didáctica, com os alunos, discípulos e público a debaterem-se em algumas dificuldades para acompanharem o pensador, e com o risco de, nos referidos socumes, o diálogo ainda ser monólogo, ou seja proposta de diálogo. Não surgindo, no entanto, hic et nunc, interlocutor para entabular o diálogo, deve o pensador,

Saraiva, Augusto. In Leonardo Coimbra: testemunhos dios seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 38.

421 Idem, ibidem, p. 44.

422 Porto: Educação Nacional, 1946. 423 Saraiva, Augusto, ob.cit, p. 39.

só por isso, deixar de arriscar em propostas reflexivas, limitando a produção do pensamento à compreensão e participação dialogante do outro? Contraditará isso o pensamento que se quer dialógico, mas que, antes de o ser, é necessariamente apenas lógico? E o professor, ou seja o didacta, deverá cercear-se sempre nesse limitado e brechtiano "círculo de giz caucasiano"? O didacta terá de deixar de ser o pensador? Ou, pelo contrário será didáctico mostrar, mesmo sem clarear, que há sempre "mais mar depois daquele mar", que nas pontas mais arrojadas do pensamento, em cada momento da história, ele se constrói núbilo e esfarrapado, flocos desconexos de neve, unidos apenas no ecrã da mesma monteza (quiçá celeste) nuvrezia? Não há-de bastar, a esperança, nem que seja crença, de advir um novo raiar do sol, senão amanhã, no próximo zénite vernal?!

São estes momentos do "transe" da aula leonardina que Sant'Anna Dionísio, colega de Saraiva, descreve, de uma forma didacticamente mais positiva, com a presença atenta da magnólia como metáfora: "Dentro de cada um a ansiedade de compreensão e levitação ardia também. As escaladas por vezes eram violentas. Tanto melhor. Embora não compreendêssemos tudo, sentíamos que o verdadeiro motor de ensinar era cada um - cada um encontrar o seu rumo - era aquele mesmo"424.

Se toda a cultura é diálogo, como bem afirma Augusto Saraiva, o pensamento filosófico não será também didáctico, ao não se preocupar, ou quando não se preocupa, demasiado, com o desequilíbrio provocado pela sua incompreensão social? Correndo o risco da trágica incompreensão em determinado momento ou para sempre? Não é afinal um risco da opção "profissional? Ou não será um risco da própria condição do pensante que subjaz, sem se identificar inteiramente nos limites, com o falante, na realidade da condição humana?

Testemunha Saraiva, numa peça do que poderá constituir-se basilar da pedagogia da "Quinta", que o mestre lhe confidenciou: "O melhor professor não é o que mais ensina, mas o que mais sugere". O importante não é o que o professor diz mas o que deixa por dizer425.

Tal como Casais Monteiro, licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1930, recorda no Mestre o "dom primacial" "que lhe fazia considerar a função de transmitir conhecimentos infinitamente inferior à de abrir almas", "àquilo que possam

Dionísio, Sant'Anna - A Quinta Amarela. Diário Popular (29.06.67). Saraiva, Augusto, ob.cit, p.44.

receber, fazer germinar a semente, desabrochar a flor" no sentido de cada um se tornar "no que é". Ora esta função do Mestre não é uma opção didáctica, mas uma pedagogia, senão uma atitude moral, social e até política.

Leonardo Coimbra surge como um animador do método de "atirar" os problemas mais do que as soluções, quedando-se a olhar com ironia crítica sempre que os alunos tendiam à esquematização demasiado simplista ou lembrando "os direitos da poesia" quando pretendia despertar a imaginação criadora, reitera António Salgado Júnior, outro dos alunos da Faculdade de Letras primitiva da Universidade do Porto426.

Por outro lado, através do convívio com Leonardo Coimbra, o que qualquer um podia ganhar não era tanto a "ciência, que a tinha para dar e vender", mas o "estímulo vivo para encarar a filosofia como um elemento vital, capaz de dar febre, alegria e sofrimento"427. Para Leonardo, visto pelo que

viria a ser o romancista de "Os Adolescentes" (1945), a filosofia não era uma "especialização" "mas uma função essencial do homem", "destinada a toda a gente". Ninguém como ele mostrou a realidade da filosofia: é que, "olhavam para ele e viam-na"428, deixou-nos registado, com acuidade e

graça, o genial poeta de "A Europa" (1946).

Não está distante desta concepção da filosofia como didáctica centrada na produção de aporias, embora se mova por itinerários diferentes, a perspectiva de José Marinho, o mais entusiástico apologista de Leonardo e também, de entre os seus discípulos, o que mais estudou e aprofundou o seu pensamento, ao nele identificar "o nexo da típica forma de filosofar" que, tal como nos seus "pares" da Faculdade, como sublinha, se funde "com a vida dramática", "com o magistério e a obra"429. Por isso, apesar dos estereótipos

a que a filosofia é reduzida quando "posta em livro para usos culturais", "a forma mais autêntica, valiosa e fecunda de filosofar" é a do Mestre, ou seja o magistério430. Sobretudo quando este, longe de formalizado num

Júnior, António Salgado. In Leonardo Coimbra: testemunhos dios seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 246.

Monteiro, Adolfo Casais. In Leonardo Coimbra: testemunhos dos seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 254.

428 Idem, ibidem, p 255.

Marinho, José. In Leonardo Coimbra: testemunhos dos seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins,! 950, p. 261.

pensamento "já vivido e inautêntico", além de ser capaz de fazer nascer e de "renovar desde a origem" o pensamento, é também capaz de "inclinar-se comovido, com todo o imenso saber anulado e a poderosa palavra suspensa no mais profundo silêncio, ante sérios sinais da concreta e abissal dor humana". Ou seja quando se humaniza no esplendor dos "contrastes" da condição humana431, expressos, na mitosofia, na filomitia ou na filosofia do

português, tentámo-nos a acrescentar, através dos heterologos em língua portuguesa de que nos fala, com propriedade, profundidade e

A'l'y

transcendentalidade, Maria Helena Varela . Para Marinho, é exactamente por isso que a incompreensão (em todos os sentidos) para com Leonardo Coimbra, resulta de que "ser poeta ou filósofo com alto, inquietante e original sentido religioso da vida, é coisa anómala e paga-se sempre

»433

caro .

Poder-se-á, e do nosso ponto de vista, dever-se-á, entender a alusão de Marinho aos "pares" de Leonardo Coimbra como dirigida, provavelmente entre outros, a Newton de Macedo. Não podendo ser afirmado peremptoriamente, também não nos parecerá distorção precipitada, ao serviço das conveniências do trabalho. Sobretudo atentando em que, para Marinho, Leonardo era portador dum raríssimo logos genesíaco, cuja identificação só está ao dispor dos que tiverem "estudado longamente os admiráveis diálogos platónicos". Os mesmos que sabem que a razão criadora, inserta na dialéctica do discurso dialógico permanentemente vivo, não pode ser julgada através "de um pensamento filosófico escrito, metodizado e sistematizado", e portanto estereotipado e inautêntico434. O

que, no mínimo, insinua entre "os pares" o outro professor do Grupo, para mais mestre de filosofia e civilização antigas e clássicas, especialmente versado em helenismo, Newton de Macedo, e portanto a existência na "Quinta Amarela" de uma escola de filosofia, didáctica e pedagogia, numa palavra, uma escola ideológica, termos que, no contexto, por via da intensidade das interacções multímodas, tendem para se fundirem e equivalerem.

Já para Álvaro Ribeiro, o que propiciou a invulgar eficiência pedagógica da Faculdade de Letras da Universidade do Porto , foi o modo de recrutamento do pessoal docente, com "laços de comprovada amizade e o sentido de

431 Idem, ibidem.

432 Varela, Maria Helena - Heterologos. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1996.

433 Marinho, José. In Leonardo Coimbra: testemunhos dios seus contemporâneos, Porto, Livraria Tavares Martins, 1950, p. 262.

com saudade"435.

Como repetir tal experiência, interroga-se face à eventualidade de a Faculdade de Letras da Universidade do Porto vir a ressurgir, se "a amizade não é valor reconhecido por lei, e muito menos pela administração pública"436? Um problema, tanto em si como, por enquadramento,

eminentemente para a filosofia. Podendo antever-se, núbila, a quadratura do círculo.

Como fazer para que a lei propicie ou pelo menos permita as confluências espirituais que unanimemente são consideradas um fulcro do sucesso pedagógico da "Quinta Amarela"? Como aliás um fulcro decisivo para um