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COMO ERA O PROFESSOR NA ÉPOCA DO ESTADO NOVO (1937 – 1945)

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

I. TRAJETÓRIA NO MAGISTÉRIO: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO DA PROFISSÃO

10. COMO ERA O PROFESSOR NA ÉPOCA DO ESTADO NOVO (1937 – 1945)

A quase totalidade dos docentes entrevistados quando da época do Estado Novo se encontravam na condição de estudantes e tentaram passar as representações que possuíam dos seus educadores daquele período. Nos interessa saber como eram os professores e professoras nesse período histórico e como estes e estas se relacionavam com o Estado, representado pelo governo de Getúlio Vargas.

Dos depoimentos dos entrevistados depreende-se que a maior ênfase foi dada à questão do autoritarismo, pois, no entender dos depoentes, os educadores desse período reproduziam uma relação autoritária.

A tabela 5 indica a quantidade de relatos por características no que se refere a seus educadores à época do Estado Novo (nota 7).

Tabela 5: quantidade de relatos por características dos professores no Estado Novo.

Professor no Estado Novo

Autoritário 6 Valorizado 2 Amoroso 2 Bem-apresentado 1 Distante 1 Total 12

“Autoritários. Muito autoritários”. (Be, professora, 67 anos).

“Olha, eu lembro dos meus professores muito enérgicos. Uma disciplina! Ninguém olhava, ninguém mexia”. (Gen, professora, 67 anos).

Alguns professores fizeram referência à forma como os professores e professoras da época do Estado Novo tratavam os alunos, inclusive como algo normal e muito positivo.

“Havia uma separação, professor era professor, aluno era aluno. Naquela época era assim. Professor fica lá, aluno fica aqui”. (Jan, professora, 76 anos).

“Havia um pouco de distância, eu achava. Naquela época eu achava um pouco de distância entre o professor e o aluno. Porque o professor, ele era... Talvez esse respeito que a gente tinha pelo professor”. (Ro, professora, 72 anos).

“A professora era autoridade, batia com a régua, dava castigos e se eu reclamasse em casa apanhava de novo”. (Mar, professor, 74 anos).

Outro aspecto levantado na fala dos entrevistados foi à questão do civismo.

“Então, toda festinha era obrigada a comparecer. Todas as comemorações. Tinha tanta comemoração naquele tempo. Nacionalista. Aqueles hinos de guerra. A gente cantava na escola todo dia. Eu sei de cor. E a professora eu me lembro que a professora falou assim: ‘Olha, o nosso Presidente Vargas!’. Era getulista”. (Ig, professora, 73 anos).

O professor dava aula, ensinava os símbolos da pátria. Era uma aula normal. O aluno assimilava muito bem.(Lor, professora, 80 anos).

Chama atenção a deferência aos trabalhadores.

“Valorizado, porque as professoras tinham maridos trabalhadores”. (Glo, professora, 69 anos). Porém chama atenção também a forma afetuosa como um professor descreve os seus primeiros anos de escolarização. Imediatamente vem a imagem de que professores podem ser altamente significativos nas histórias de vida de seus alunos.

“Meu caso foi após o término da guerra, olhando como se fosse hoje minha primeira professorinha. Quem não se lembraria? Dona Carmelita. Eu entrei num grupo escolar então, como eu tinha vindo do interior, eu tive que passar por um período de adaptação. Então me colocaram, hoje seria o prezinho, na época eu não me lembro o nome, talvez fosse jardim, alguma coisa assim. E essa professora me marcou para o resto da vida. A maneira de ela tratar as crianças, o amor que ela tinha. Cada uma das crianças, tratava como se fossem filhos. Isso foi o que me marcou profundamente. E a partir daí, então, continuamos o estudo na escola pública e a cada nova professora, eu aprendia muito, principalmente o respeito. Elas ensinavam muito o respeito que a gente deveria ter, não só com os pais, mas fora de casa, na escola, em todos os ambientes, com os amigos, enfim. Era uma educação completa, com uma formação exemplar e isso veio marcar todos nós” (Gum, professor, 58 anos).

Ribeiro et ali (1991) descrevem o Estado Novo como um regime que para se afirmar usou métodos típicos dos regimes ditatoriais. Fechou o Parlamento, as Assembléias Estaduais e as Câmaras Municipais, dissolveu os partidos políticos e acabou com a liberdade de ir e vir, opinar e votar. E relatam: “Até com as bandeiras dos estados eles acabaram. Este fato aconteceu numa solenidade pública, organizada dias depois do golpe. De peito estufado e ternos bem chiques, os donos do poder convidaram um grupo de normalistas para jogarem numa fogueira um por um dos pavilhões: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Piauí...Agora só tinha valor o auriverde pendão nacional! Agora só o chefe do Estado Novo teria poder. Para os Estados, o governo central nomeou interventores, para os municípios, novos prefeitos. Eles deveriam fazer tudo que seu mestre mandar. Era a centralização do poder” (Ribeiro et ali, 1991: 143).

Nesse período a relação entre Estado e Escola era bastante complexa. Isso fica claro no texto a seguir: “Hoje tem festa na escola! É o dia 19 de abril, aniversário do presidente. Os alunos, com uniformes de gala, depositam rosas numa cesta. No retrato p endurado na parede, o presidente sorri agradecido. O diretor da escola, orientado pelo DIP, reúne todos os alunos e professores. Com voz forte, ele lê a cartilha Getúlio Vargas para crianças... A data não é comemorada só nas escolas. Ela é lembrada também em todas as rádios, nos jornais, sindicatos e clubes. Nas igrejas são rezadas missas”(Ribeiro et ali, 1991: 116).

A utilização de professores e professoras como sacerdotes do Estado não é privilégio apenas do governo de Getúlio. A historiografia educacional brasileira está repleta de exemplos. O mais significativo, talvez, tenha sido durante o período de instalação da República no Brasil. Professores e professoras internalizaram a missão de levar o saber ao povo. Talvez resulte daí, época em que vigoravam as idéias iluministas, esse imaginário que os professores e professoras mantêm até hoje, de salvador da Pátria.

Contudo Vargas foi um dos primeiros governantes a se preocupar com a criança e em 1940 criou o Departamento Nacional da Criança, sendo exaltado nas cartilhas como o herói das crianças. “Em todo o Brasil, as autoridades do governo, com o apoio de muitos educadores, formavam esquadrões de estudantes. Era a ‘guarda avançada de juventude brasileira’. Ela devia amar a bandeira nacional, cultuar a figura de Vargas e praticar esportes.

Nas escolas, incentivou-se a educação física. Muitos clubes e estádios surgiram nessa época” (Ribeiro et ali, 1991: 118).

Para se ter uma idéia da relação entre Educação e Estado, naquele momento histórico, vale a pena lembrar um pequeno discurso que Olavo Bilac fez em 1918, na Escola Normal de São Paulo e que serviu de abertura ao documento de comemoração do 1º Centenário do Ensino Normal de São Paulo, já citado anteriormente, e que data de 1946. Por esse pequeno discurso observa-se como o professor era percebido e verifica-se a expectativa em relação a sua função. “Na sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de uma deusa: é a Pátria que se instala

no seu espírito. O professor, quando professa, já não é mais homem; a sua individualidade anula-se: ele é a Pátria, visível e palpável, raciocinando no seu cérebro e falando pela sua boca”. O que se conclui é que se torna difícil se pensar em enfrentamento contra o Estado

empregador, quando o professor confunde-se com o próprio Estado e com a Pátria.

II. TRAJETÓRIA NA LUTA SINDICAL: A CONSCIÊNCIA DE CLASSE DOS