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ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

II. TRAJETÓRIA NA LUTA SINDICAL: A CONSCIÊNCIA DE CLASSE DOS PROFESSORES E DAS PROFESSORAS

4. INGRESSO NO MOVIMENTO DOCENTE

Essa questão, imbricada com a anterior, remete para a definição que os professores e professoras entrevistados deram em relação ao ano de sindicalização. As professoras que iniciaram suas atividades nas primeiras séries do ensino fundamental passaram todas pelo Centro do Professorado Paulista (CPP), algumas ainda mantiveram a sindicalização tanto no CPP como na Apeoesp e deram os seguintes depoimentos.

“1951. Desde o início, porque você escolhia a cadeira, do outro lado você descia a escadinha pra assinar o livro e já assinava pro CPP”. (Glo, professora, 69 anos).

“Não era sindicato, era associação. O CPP já tinha a banquinha ali do lado. A gente ingressava e já se associava”. (Ig, professora, 73 anos).

“Naquela época era obrigado. Praticamente obrigado. Você tomava posse ao lado do pessoal do CPP. Ah, a senhora tem que assinar aqui. Tem que assinar. Era automático”. (Jan, professora, 76 anos).(nota 8)

E nem todas recebiam essa filiação com muita satisfação.

“O pior é que foi assim. Eu me sindicalizei no CPP. Que eu cheguei já tava a ficha ali, eu nem sabia o que era”. (Gen, professora, 67 anos).

Alguns professores e professoras se filiaram diretamente a Apesnoesp, esse era o nome inicial da Apeoesp. Ou mesmo, em tempo subseqüente, a própria Apeoesp. Outros se associaram a Liga do Professorado Católico de São Paulo e outros a Apase, Sinpro/SP. Por fim, haviam as professoras filiadas a Apampesp. É comum encontrar professores e professoras em São Paulo filiados em mais de uma entidade ou se iniciarem em uma entidade e depois migrarem para outras.

“1972, no SINPRO, mas, só passei a atuar em 1978 na Apeoesp”. (Fran, professor, 58 anos).

“Eu só vim ser sócia da Liga em 1948 ou 50, por aí”. (Ali, professora, 88 anos)

“Quando eu ingressei a primeira foi o CPP. Depois quando eu comecei a trabalhar como supervisora, na supervisão ainda sou associada ao sindicado APASE, que é de supervisores de ensino”. (Wa, professora, 74 anos).

Ao serem perguntados sobre como se deu seu ingresso no movimento docente, os professores e professoras alegaram as razões mais variadas possíveis, como pode ser observado na tabela 8. Esta tabela indica as razões suscitadas por treze professores sobre o motivo de ingressarem no movimento docente, sendo que alguns alegaram mais de um motivo.

Tabela 8: Quantidade de relatos por motivo de ingresso no movimento docente

E nesse sentido, lembraram de fatos do passado que foram significativos e que de uma certa forma contribuíram para opção pela militância.Para alguns docentes foram determinantes as suas histórias de vida e os exemplos da infância.

“E eu já menininha e distribuía santinhos. Eu me lembro do discurso do Getúlio, do Ademar que eu ia e gostava de ouvir, discurso em praça pública”. (Be, professora, 67 anos).

“Eu acho que essa militância política foi me interessando, entendeu, pela participação do meu pai, pelas discussões políticas em casa com a minha mãe, a postura política da minha mãe, e depois dentro do movimento estudantil, dentro do grêmio, né, depois na universidade também com o movimento estudantil mais geral, né. E assim foi me conduzindo. E a militância política partidária que eu já tinha também desde muito tempo...” (Car, professor, 58 anos).

“A partir da convivência, da discussão, que por incrível que pareça, meu pai era militar. Mas era um militar anticomunista, era um militar que tinha uma cabeça muito aberta para questões, para leitura. Com ele que eu aprendi a, por exemplo, ler jornal. E com tudo ele comentava tudo. Foi um militar que foi contra o golpe de deposição de João Goulart. Inclusive ele era ex- combatente e ele assinou um manifesto de apoio a João Goulart. E quase só foi reformado porque estava na mesa do ministro para ele ser reformado”.

(Fran, professor, 58 anos).

Ingresso no movimento docente

História de vida/ família 8

Movimento Estudantil 8

Greve no ingresso 2

Formação 2

Defesa da escola 1

Porém foi o movimento estudantil o principal argumento que os docentes usaram para justificar o seu ingresso no movimento docente. A maioria deles e delas já havia percorrido uma trajetória em suas escolas e universidades, na condição de estudantes.

“Eu sempre participei dos grêmios desde o ginásio. No ginásio, na época, na 4ª série ginasial, já fui presidente do grêmio da minha escola, e depois continuei no movimento estudantil”. (Car, professor, 58 anos).

“Em 1968, quando o maldito AI-5 foi instaurado nesse país eu tinha sido eleito presidente do grêmio da minha escola. Fui do grêmio, fui do diretório acadêmico”.(Fran, professor, 58 anos).

“Como aluno eu já participava de eventos políticos. Tinha um jornalzinho na minha escola e organizava grêmios estudantis”. (Mar, professor, 74 anos).

“Fazia parte do grêmio, no ginásio e na escola normal”. (Ro, professora, 72 anos).

Dois professores fizeram referência à greve que aconteceu logo em seguida ao seu ingresso na rede estadual de ensino.

“Já no ano que eu ingressei, já peguei uma greve grande. Do seu Maluf. E de lá pra cá eu nunca mais deixei de participar de nada”. (Professora, 67 anos).

“Como professor não participei de nenhum ato político. A primeira greve que eu participei, de fato, em 1978 no governo Maluf. Eu queria ser militante na Apeoesp. Essa assembléia mexeu muito comigo. Daí eu procurei o sindicato”. (Mar, professor, 74 anos).10

Alguns docentes identificaram sua formação, tanto familiar, quanto nas instituições de ensino, como um fator determinante no seu ingresso no movimento.

10

O ano de 1978 passa a ser considerado um divisor dos tempos na história da Apeoesp. Essa greve, a primeira da década, exigia reposição salarial e melhores condições de trabalho.

“Meu pai sempre me comprou livro, e a minha mãe também, sabe. Sempre me incentivou a ler. Os jornais, a gente sempre tinha dois jornais pra ler. Eu lia muito jornal”. (Fran, professor, 58 anos).

“Talvez depois de tanto curso que fiz. Todos aqueles cursos de filosofia, estudando e lendo os filósofos. Tudo isso. Talvez tenha uma influência. Tem influenciado um bocado”. (Glo, professora, 69 anos).

Outra fez alusão direta ao período da ditadura militar de 1964.

“É, começou na UNE. A ditadura que nós pegamos. Quando foi a ditadura em 64 eu estava trabalhando em Osasco. Inclusive eu vi um documentário bárbaro, O Sol, um documentário sobre essa época, sobre o jornal O Sol e eu me vi lá. Porque nós vivemos. Foi o golpe de 64. Eu estava em Osasco. E nó em Osasco. Osasco é uma cidade muito politizada. E nós tínhamos lá um sindicato dos metalúrgicos. Tanto que as reuniões que eram feitas para greve, todo, eram feitas lá no bairro. Na última escola que eu trabalhei tinha muitos militantes...”. (Leo, professora, 72 anos).

Há aquele professor que analisa como algo natural, quase como uma continuidade, algo inevitável.

“Sim, através da conscientização da classe, junto aos professores. E como eu já tinha conhecimentos anteriores em matéria de política universitária, então para mim foi uma continuação”. (Mom, professor, 70 anos).

Há aquela professora que considera como algo inato.

“Eu falo que eu tenho no sangue essa luta”. (Wa, professora, 74 anos).

E uma professora que reconhece que ingressou tardiamente.

“Não. Não. Eu não me pus em política. Veio muito tarde. Sabe quem me politizou? Meus filhos adolescentes”.(Zil, professora, 80 anos).

Sobre a forma como se dava à filiação dos professores e professoras no CPP, fica registrada como marcante esse tipo de prática quando do ingresso dos docentes no sistema oficial de ensino. Um momento que poderia ser de conscientização, passa a ser um momento burocrático de arregimentação de um quantitativo de docentes, muito embora se traduza em aumento de contribuição para a associação e conseqüentemente de poder para a instituição. Aliás, essa prática também se faz presente em muitos sindicatos. Mais interessante ainda, é que os docentes tinham a clareza de que aquela instituição não era um sindicato. Era uma sociedade com o fim de congregar o professorado público do Estado. Era “uma nova associação de classe, em que predomine o caráter da assistência mútua”, segundo os comentários do Jornal o Estado de São Paulo, de 19 de março de 1930 (Mennucci, 2004: 10). Portanto, para eles não era sindicato, era um grêmio e nada mais natural do que a filiação automática.

A história do movimento sindical no Brasil possui especificidades que até hoje são constitutivos do modo de agir da classe trabalhadora e da população brasileira como um todo. Vale lembrar que em nosso país um dos desafios para a organização sindical e partidária, foi a construção de uma identidade de classe, devido à nossa formação que hoje pode ser caracterizada como extremamente diversificada. Um país que teve nos seus primeiros tempos o trabalho escravo como base, dificilmente se constituiria como país industrializado, sem os vícios que o seu passado de exploração escravagista deixaria.

Mattos ao escrever sobre as novas bases para o protagonismo sindical na América Latina, afirma, que, “o sindicalismo teve que conviver com situações específicas, como a diversidade da composição étnica e nacional da classe em formação: o grande número de imigrantes europeus que afluiu a alguns países do continente; as marcas da presença por séculos da escravidão, sensíveis em boa parte dos países; a grande presença dos descendentes de povos originários, submetidos a variadas formas de expropriação e exploração, em determinadas áreas. Ou seja, construir a identidade de classe - a partir de uma experiência comum de exploração – em meio a uma diversidade, foi um dos desafios das organizações sindicais por aqui” (Mattos, 2005: 228). Lembra ainda nesse artigo, a forte presença estatal na

regulação das entidades sindicais e dos conflitos entre capital e trabalho, gerando um sindicalismo corporativista ou oficial.

Ao refletir sobre as histórias de vida como fonte de pesquisa, Bosi, (2003) enaltece os testemunhos vivos, quando se trata de história recente, e principalmente, considera que “há uma memória coletiva produzida no interior de uma classe, mas, com o poder de difusão, que se alimenta de imagens, sentimentos, idéias e valores que dão a identidade àquela classe” (Bosi, 2003: 18). Embora se reconheça que a memória oral possa estar impregnada de preconceitos, desvios e inautenticidade, o importante é que ela nos revele uma visão de mundo, e no caso, de luta sindical. A história de vida desses docentes que fizeram parte da pesquisa foram ricas em exemplos de luta em sua própria juventude, de lutas colhidas nas histórias de vida dos seus pais, avós e vizinhos. Essa questão remete para o futuro do sindicalismo. Como será o sindicalismo no futuro se as gerações hoje, não acumularem exemplos de vida de luta?