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ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

I. TRAJETÓRIA NO MAGISTÉRIO: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO DA PROFISSÃO

7. COMO ERAM OS PROFESSORES NAQUELA ÉPOCA

Indagados sobre como eram os docentes no início da sua carreira, os professores e professoras deram seus depoimentos, baseados em suas recordações e fizeram um paralelo

entre antes e hoje. Percebe-se também pelas suas falas, todo o “glamour” de uma época e de uma profissão.

“Professor tinha que andar impecável. Impecável nas roupas. A meia tinha um fiozinho atrás no lugar. Eu lembro nessa escola particular a primeira vez que eu fui de sandália de salto, a diretora me chamou atenção”.(Be, professora, 67 anos).

“Elas não vestiam roupas de luxo, mas bem apresentadas. Dificilmente você via uma professora sem ter seu colarzinho, sem ter passado seu batonzinho, sem os seus brincos. E os alunos observavam isso: ‘Olha, hoje ela está com o vestido daquela cor!’ Olhavam para o sapato que a gente tinha. Então tudo isso era legal porque eles também copiavam isso da gente. Hoje... bom não se pode falar de hoje”. (Gen, professora, 67 anos).

“Era obrigado usar avental. O pessoal se vestia muito bem. Todas professoras se vestiam muito bem. Os homens todos de gravata”.(Jan, professora, 76 anos).

E relataram as dificuldades da época.

“Elas iam de jardineira. Entende. Elas iam de jardineira. Aquele pó da estrada e tudo. Voltavam à tarde”.(Zil, professora, 80 anos).

Também fizeram referências ao poder aquisitivo dos salários. Relacionaram o salário ao padrão de vida, em termos de vestimentas de uso, na rotina do trabalho.

“Quando eu comecei a trabalhar, eu ia muito arrumada. Trabalhei no Sesi, no colégio particular a gente ia muito arrumada. O salário dava”. (Leo, professora, 72 anos).

“Nossa! Nossa! Nossa! Naquele tempo a gente ia de meia para a escola, bem arrumadinha, a gente tinha condição também, bem arrumadinha”.(Zen, professora, 72 anos).

“Olha, se vestiam muito bem. O ordenado dava para se vestir bem. Não era uma coisa exagerada. Mas tinha um cuidado tremendo, haja vista que demorou muito para a professora usar calça comprida na escola”. (Ig, professora, 73 anos).

“Eram mais elegantes. Os professores iam de terno e gravata”. (Mar, professor, 74 anos).

Outra referência feita diz respeito a comportamentos e mais do que atitudes próprias de uma profissão, as falas das professoras sinalizam para a moral da época.

“Professora não podia entrar em bar. Já era taxada como ‘puta’. E eu passava sede, porque quando eu estava aqui em Mauá o último trem que vinha de São Paulo pra Mauá era 6h da tarde. A gente também não entrava onde tinha muito homem”.(Glo, professora, 69 anos).

“No caso da mulher, eu, por exemplo, posso dizer por mim. Eu nunca ia dar aula de tênis. Eu não sabia nem o que era tênis. Eu não sabia o que era uma sandália. Nunca a gente ia assim como se fosse para um cinema, uma festa. Sabe?”. (Lor, professora, 80 anos).

“Imagina se é essa avacalhação de hoje em dia”. (Jan, professora, 76 anos).

Havia também aquele professor que considerou tudo normal, como a educação que ele havia recebido, as atitudes entre professor e aluno, à época, eram de respeito mútuo. Ou aquela professora que denuncia a “normalidade” da época, como algo natural.

“Eram normais. De minha parte era tudo normal. Era uma continuação de tudo aquilo que eu aprendi e naturalmente o ambiente era favorável para esse tipo de trabalho, o respeito mútuo”.(Mom, professor, 70 anos).

“Eu não sei se a professora que se vestia com respeito, mas na época, o próprio vestuário, da gente não saia do que era normal”. (Wa, professora, 74 anos).

Em relação à atualidade, os professores e professoras foram incisivos. E pensar o passado, é pensar hoje, a necessidade que os sindicatos têm de unificar as lutas e

conseqüentemente, de que os professores e professoras tenham a consciência de que são trabalhadores iguais a tantos outros, explorados pelo sistema capitalista. Essa necessidade de unificação extrapola as outras categorias de trabalhadores e percebe-se nos últimos anos, até a necessidade de que os professores e professoras se sintam iguais aos integrantes dos movimentos sociais.

“Hoje é o individualismo que prevalece. Está certo. Hoje está muito individual. Você tem um sentimento muito de cada um por si. Então, eu acho que esse foi um elemento que fez com que fosse mais difícil para que os funcionários públicos, de uma maneira geral, e os professores em particular, assumirem sua condição de mão-de-obra trabalhadora. Ele foi sendo proletarizado”.(Fran, professor, 58 anos).

“Havia em torno dos professores uma aura romântica muito grande. A professora era a segunda mãe. Está certo. Era geralmente uma mulher, doce, sensível, amável, está certo. Mas nunca era enxergada como uma profissional que tinha necessidades, que queria ser reconhecida como profissional e não só por causa da sua sensibilidade. Evidentemente que a profissão de professora exige sensibilidade. Exige amor, isso é uma questão fundamental. Mesmo as professoras que iam ser professoras mais porque as famílias queriam, porque na família tinha tradição de ter professor, mesmo assim ela acabava adquirindo por causa de todo o espírito, todo o clima. Claro que isso termina criando uma condição diferenciada, que não a coloca junto com o trabalhador comum”. (Fran, professor, 58 anos).

“Mas nessa época muitas pessoas não tinham, quando a gente dizia: solidariedade aos metalúrgicos. O que nós temos com o metalúrgico? O que nós temos com o trabalhador sem terra? Até hoje tem isso. O que nós temos com o trabalhador sem terra? Porque que nós temos que estar filiado a uma CUT? A uma central sindical? Não, nós não temos nada com isso, nós somos professores. Essa visão que tinha muito mais naquela época, ainda tem um pouco hoje”.(Fran, professor, 58 anos).

A riqueza das falas dos professores e professoras reside, principalmente, no resgate de um tempo. Um tempo qualificado, um tempo concreto. Vivido ou não, mas, um tempo que é cultivado nas recordações dos docentes. Segundo Bosi, (2003: 66). “O passado reconstruído

não é refúgio, mas uma fonte, um manancial de razões para lutar”. Segundo essa mesma autora, nesse sentido, a nostalgia revelaria sua outra face: a crítica da sociedade atual e o desejo de que o presente e o futuro nos devolvam alguma coisa preciosa que foi perdida. Talvez aí resida a resistência dos docentes em manter as lembranças positivas do passado, o desejo de recuperar algo perdido e a necessidade de sentir a continuidade.

Ao falar sobre como eram os professores e professoras no início de suas carreias, os docentes exprimem suas versões, verdadeiras ou não, são suas verdades. Cabe à pesquisa desvelar o quanto de ideológico está contido em seus discursos. “Quando um acontecimento político mexe com a cabeça de um determinado grupo social, a memória de cada um de seus membros é afetada pela interpretação que a ideologia dominante dá desse acontecimento. Portanto uma das faces da memória pública tende a permear as consciências individuais” (Bosi, 2003: 21).

A memória pública está permeada de ideologias. De ideologias que predominam em determinados momentos históricos. Nosella (1981: 68), por exemplo, ao analisar a ideologia subjacente aos textos didáticos contidos nas cartilhas e nos livros estudados pelos alunos nas séries iniciais do ensino fundamental, nos dá uma dimensão de como as idéias são passadas e internalizadas, passando a fazer parte das imagens e identidades profissionais. No caso da professora, os textos a descrevem como sendo uma pessoa boa, dedicada, que considera seus alunos como filhos, sendo também amada por eles como uma outra mãe. A professora é carinhosa, maternal. Para essa autora, os professores, da mesma maneira que os pais, são idealizados e não descritos como pessoas concretas, com qualidades e defeitos. No caso do professor, da figura masculina na escola, ele é o chefe, que exerce a desinteressada missão de educar. “Os homens mencionados desempenham, ainda, a função de dirigir a escola. O diretor é descrito como autoridade máxima da escola e, como tal, é severo e distante, fiscalizando os estudos dos alunos e sendo muito respeitado e temido por estes”.

Arroyo (1980) reflete sobre operários e educadores. Partindo do pressuposto que esses trabalhadores se identificam, aponta para os rumos que a educação brasileira, a partir desse fato, deverá tomar. Ao configurar o contexto educacional brasileiro alerta para a visão elitista da história que sempre dominou a formação do magistério, e que sempre faz considerar como relevante o pensamento e as idéias dos dirigentes da educação. Que os bem-pensantes, as elites

controladoras do poder fazem a história e que essa é feita de cima para baixo. Para esse autor, até mesmo para grupos que se julgam radicais, as massas e os oprimidos apenas são mecanicamente reproduzidos pela educação feita e manipulada pelos dominantes. Na sua análise considera que há uma história que se faz em baixo e uma educação que nasce e cresce nas camadas populares, feita pelas camadas populares para apreender sua vida e sua luta. Portanto, essa história que se faz nas camadas subalternas, engloba sua consciência, sua educação e organização, conseqüentemente, condiciona a história oficial.

A escola que interessa aos trabalhadores deve ser repensada, assim, como a prática dos educadores, pois da forma como está organizada só contribui para a reprodução das relações sociais capitalistas. Arroyo (1980: 23), reconhece a solidariedade que existe entre trabalhadores do ensino e trabalhadores da produção de mercadorias, uma identidade de luta, contra as formas de exploração inerentes às relações de trabalho na escola e na produção. “Enquanto muitas das análises privilegiam quase exclusivamente a dimensão político- ideológica da escola, a identidade entre trabalhadores assalariados-docentes parece sugerir que a identidade entre escola e o processo de produção é direta e não apenas, nem fundamentalmente, mediatizada pela dimensão ideológica”.

Embora considerando as condições concretas e a relação que exista entre trabalhadores de ensino e trabalhadores da produção, o fato é que, a maioria dos professores e professoras, alimentam em suas consciências imagens idealizadas da sua função e da sua profissão. Diante de tamanha imaginação, qualquer relação direta entre esses trabalhadores quase sempre é negada pela categoria docente. Nesse sentido, talvez fosse normal, que àquela época, professores e professoras procurassem se vestir, se comportar e agir como “figuras idealizadas”, para corresponder às expectativas da posição que ocupavam. Não cabe, mais uma vez, posturas de sindicalistas, de trabalhadores ou até de pessoas ligadas a movimentos sociais.