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ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

I. TRAJETÓRIA NO MAGISTÉRIO: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO DA PROFISSÃO

3. COMO ERA VISTA A PROFISSÃO

A visão da profissão de professor, o significado profissional, como este autor social se relaciona com os seus alunos, com a família, com a própria sociedade e a escola como ambiente específico de atuação do professor é preocupação desse tema. Esses aspectos relacionados à profissão vão mudando com o decorrer do tempo e interferem na organização e estruturação da luta dos docentes. O magistério é uma profissão que traz em si um certo fascínio. Sempre esteve envolta por um certo glamour. Talvez pelo fato de que em sua

especificidade esteja implícita o “cuidar” do outro, especialmente, quando se refere à aprendizagem da criança e do adolescente. O fato é que essa “aura” que envolve a profissão sempre foi fortemente reforçada no passado pela literatura sobre o magistério, nos cursos de formação e está presente, até hoje, no imaginário dos professores e professoras. Ao responder sobre como era ser professor no início da carreira foi quase unanimidade o reconhecimento de que a profissão significava algo de muito valor (nota 2).

“Ah, era um motivo de orgulho. Entende? Professor nessa época que eu iniciei era muito bem valorizado”. (Be, professora, 67 anos).

“Ah, naquela época era muito importante. Então você era dona da sua sala de aula. Então a gente conseguia desenvolver o trabalho ali de mãe, de professora, de mestre, de tudo na sala de aula”. (Gen, professora, 67 anos).

“Nós éramos o Deus na Terra. Professor falou, acabou”. (Glo, professora, 69 anos).

“Ser professor era altamente dignificante. O professor aqui em São Paulo era muito bem tratado, numa festa que houvesse em qualquer cidade do interior, o professor e o juiz de direito tinham os mesmos lugares. Era muitíssimo respeitado”. (Ali, professora, 88 anos).

Apenas uma professora fez referência às dificuldades que significavam ser professor naquela época.

“Olha, no início era ensinar a ler, escrever e contar. E nas salas da escola rural tinham as sessões a, b e c, e 2º e 3º ano. Então a gente trabalhava com 5 turmas numa mesma sala. Ao mesmo tempo em que você tinha que atender o aluno que estava sem saber pegar no lápis, tinha que atender o aluno de terceira série. E à noite ainda dava aula para adultos. Para fazer o curso para ingressar no magistério. Curso de adulto noturno dava um ponto e meio. Então a gente fazia esse sacrifício”. (Ig, professora, 73 anos).

Um aspecto que chama a atenção nas falas dos docentes refere-se à relação entre professores e alunos. Percebe-se nas falas dos entrevistados um certo saudosismo, uma certa nostalgia.

“E nós éramos muito respeitados pelos alunos”. (Be, professora, 67 anos).

“Nossa, a gente chegava pra dar aula era o maior respeito, as crianças esperavam a gente de pé até a gente entrar na sala. Cumprimentava todos. A educação, com respeito à professora era muito maior. Muito maior”.(Gen, professora, 67 anos).

“Era considerado um privilégio ser professor pelo respeito que ele possuía junto à comunidade, aos alunos principalmente. (Mom, professor, 70 anos)”.

O mesmo pode ser sentido quando se trata da relação dos professores com os pais.

“Não havia dificuldade no relacionamento. Pelo contrário, os pais das famílias respeitavam muito os professores”.(Lor, professora, 80 anos).

“Os pais nos recebiam de uma maneira que hoje você não vê isso”. (Ro, professora, 72 anos).

Na relação dos professores com a sociedade, observa-se uma grande valorização profissional, na fala dos entrevistados.

“Professor nessa época que eu iniciei era muito bem valorizado. Em todos os âmbitos. Pelos governos da época, na comunidade onde a escola estava inserida”.

(Be, professora, 67 anos).

“Éramos muito bem recebidas. Quando sabiam que era professor, minha nossa senhora, só faltavam colocar tapete vermelho na nossa frente. Todos lugares nos atendiam muito bem. Éramos muito consideradas”. (Jan, professora, 76 anos).

“Era muito bem quisto pela sociedade. Ele era muito bem recebido em qualquer lugar que fosse. Por exemplo, no interior, é costume a gente comentar que no interior depois do prefeito, a autoridade era o professor. Eram os professores”. (Lor, professora, 80 anos).

Às vezes a valorização era tamanha que o professor assumia tarefas que hoje já não lhe cabem no interior da escola.

“Então, esse problema, tudo era o professor. A questão até de separação de marido, o professor era ouvido”.(Glo, professora, 69 anos).

“Então, nós éramos tudo. A gente que preenchia registro. Lá na colônia japonesa a gente tinha que preencher registro dos lavradores, dos trabalhadores de enxada. Nós éramos tudo. Nós éramos assistentes sociais, psicólogas”. (Glo, professora, 69 anos).

Porém, a desvalorização profissional se faz presente nos discursos dos professores e professoras, como uma marca dos dias atuais. (nota 3)

“Então a gente notou que de lá para cá veio um desrespeito total. Inclusive a gente era muito valorizada”. (Leo, professora, 72 anos).

“Tinha mais status do que hoje. Os vencimentos eram melhores, a desvalorização do salário deselitiza a profissão. Entre vários profissionais, o professor era o mais respeitado”. (Mar, professor, 74 anos).

Em relação à questão da desvalorização profissional, apenas um professor faz uma avaliação mais crítica da situação. Talvez se deva ao fato de que esse professor tenha ingressado no magistério no ano de 1971, enquanto que os demais ingressaram até 20 anos antes. Esse professor, pela sua fala, demonstra uma percepção de mais profiss ionalismo.

“Quando eu comecei, na década de 70, nós tínhamos sérios problemas, inclusive com relação à valorização do professor. O salário passa também a sofrer um processo de degradação, de arrocho salarial, porque houve um aumento da rede pública, sem um investimento proporcional a este aumento. Então isso vai significar a desvalorização do professor, principalmente em relação ao seu salário, plano de carreira, como também

piorando as condições de trabalho e a própria infra-estrutura das nossas escolas”. (Car,

professor, 58 anos).

Nóvoa (1995:12) considera que a compreensão do processo histórico de profissionalização do professorado pode servir de base à compreensão dos problemas atuais da profissão docente. Analisando a história da profissão docente em Portugal vai até as origens, quando a profissão era tutelada pela Igreja. E afirma, “A gênese da profissão de professor tem lugar no seio de algumas congregações religiosas, que se transformaram em verdadeiras congregações docentes”. Em um segundo momento, acontece o processo de estatização do ensino. Para esse autor, os novos Estados docentes instituem um controle mais rigoroso dos processos educativos, isto é, dos processos de reprodução (e de produção) da maneira como os homens concebem o mundo. A estratégia adotada prolongou as formas e os modelos escolares elaborados sob a tutela da Igreja, dinamizados agora por um corpo de professores recrutados pelas autoridades estatais.

No Brasil, esse processo de formação da profissão aconteceu de forma semelhante. Até porque, os jesuítas, responsáveis pela institucionalização inicial da educação, aqui estiveram e foram os precursores do ensino na época do Brasil Colonial. Tal atuação nos deixou um grande legado de normas e valores influenciado por crenças e atitudes morais e religiosas. Portanto, como afirma Nóvoa, os professores aderem a uma ética e a um sistema normativo essencialmente religioso; mas, mesmo quando a missão de educar é substituída pela prática de um ofício e a vocação cede o lugar a profissão, as motivações originais não desaparecem. Daí porque os professores internalizaram essa valorização da profissão. Em determinada época, essa valorização tinha bases concretas, pelo menos no que diz respeito a alguns segmentos dos docentes e somente aos poucos vai sendo substituída.

Em relação ao professor assumir várias tarefas no interior da escola, vale lembrar os estudos de Carvalho (1989), que ao analisar a escola no contexto da divisão do trabalho coloca essa questão na sua relação com a totalidade social. Carvalho ressalta a disputa de funções pelos profissionais no interior da escola quando esta é considerada como mercado de trabalho e demonstra que, no âmbito do capitalismo, as mudanças técnicas são determinadas menos por exigências técnicas propriamente ditas e mais por questões de hegemonia e de mercado. Nesse

sentido, o professor, que tomava para si várias atividades, agora se vê destituído dessas funções que são assumidas por especialistas de educação, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fonoaudiólogos e outros profissionais, no cotidiano da escola.

Diante desse quadro, que vai desde a estatização profissional, até o esvaziamento de conteúdos da profissão assiste-se a um processo cada vez maior de desvalorização profissional, aliado à deterioração concreta das condições de trabalho, rebaixamento salarial, entre outros aspectos. Contudo, a pesquisa demonstrou que o professor e a professora ainda mantêm em seu imaginário uma “época de ouro” da profissão, o que torna difícil a adesão sindical.