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Tratados internacionais e a proteção ao princípio do juiz natural

1. EXERCÍCIO DA CIDADANIA POR MEIO DO ACESSO À JUSTIÇA

1.6 A consolidação do princípio no âmbito dos tratados internacionais

1.6.3 Tratados internacionais e a proteção ao princípio do juiz natural

Como se percebe, o contexto da política mundial no cenário posterior à

segunda guerra mundial foi de clara aproximação entre as principais nações do

62 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 14. Ed. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 304-305. No mesmo sentido, ressaltando a problemática existente antes da

constituição do Tribunal internacionais, no que se refere aos tribunais de exceção criados, Sylvia

Helena Steiner assevera: “A normativa internacional anteriormente existente cuidava do

estabelecimento de Tribunais ad hoc, que se cumpriram e estão cumprindo papel relevante na evolução

dos sistemas internacionais de proteção aos direitos fundamentais, poderiam ser vistos com restrições,

na medida em que assemelhados a tribunais de exceção, criados para processo e julgamento de fatos

ocorridos antes ou durante sua instalação.” (STEINER, Sylvia Helena F. O perfil do juiz do Tribunal

Penal Internacional in Tribunal Penal Internacional. Organizadores Fauzi Hassan Choukr e Kai Ambos

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 293).

63 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 14. Ed. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 305.

64 A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 incluiu o § 4º no artigo 5º da Constituição Federal o qual

estabelece que: O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha

manifestado adesão. O Brasil ratificou o Estatuto de Roma, o qual previa o Tribunal Penal Internacional

em 20 de junho de 2002.

mundo, que, depois de vivenciarem tanta violência, resolveram por unir esforços para

criar um mecanismo de manutenção da paz.

Dessa conformidade de interesses surgiu, conforme já mencionado, em 24 de

outubro de 1945, a ONU (Organização das Nações Unidas), que se colocou como

ponto de partida para a elaboração de diversos diplomas internacionais de proteção

aos direitos humanos e da paz.

Nesse sentido, o primeiro documento que merece destaque é a Declaração

Universal dos Direitos Humanos de 194865, documento aprovado sem qualquer

questionamento ou reserva feita pelos Estados aos seus princípios, o que o torna de

absoluta legitimidade.

Ao que interessa ao presente trabalho, deve-se destacar que em seu artigo

10, a declaração de direitos, dispõe:

Art. 10: Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência

justa e pública por parte de um Tribunal independente e imparcial, para

decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer

acusação criminal contra ela.

Na mesma linha, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966

assevera:

Artigo 14 – 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e

Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida

publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente,

independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de

qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na

determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil [...].

65 Para Flávia Piovesan, ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não assuma forma

de tratado internacional “apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui

a interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’ constantes dos arts. 1º e 55 da Carta das

Nações Unidas. Ressalte-se que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o

respeito universal e efetivo aos direitos humanos. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito

constitucional internacional. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 219).

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José

da Costa Rica) também assegura o princípio do juiz natural, ao afirmar em seu artigo

8º o seguinte:

Artigo 8º - Garantias Judiciais, 1. Toda pessoa terá o direito de ser

ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por

um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,

estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação

penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e

obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra

natureza.

No que se refere ao supracitado artigo, tem-se que a Corte Interamericana de

Direitos Humanos já se utilizou do referido dispositivo para fundamentar suas

decisões, preservando o princípio do juiz natural, como destaca Gustavo Henrique

Badaró, por exemplo, no caso Cesti Hurtado vs Peru:

Resumidamente, o caso pode ser assim historiado: Gustavo Adolfo

Cesti Hurtado, cidadão peruano, foi capitão do Exército do Peru, tendo

se retirado da ativa em 1984. Posteriormente, no ano de 1996, foi

gerente geral de uma empresa de segurança que celebrou contratos

com o exército peruano. Em novembro de 1996 teve início, perante a

Justiça Militar, um processo contra Cesti Hurtado, que foi acusado de

crime de fraude, desobediência e atos atentatórios ao dever e

dignidade da função militar. Sendo ordenada a sua prisão cautelar.

Posteriormente, mesmo ignorando uma decisão da corte Superior de

Lima, que havia reconhecido a incompetência da Justiça Militar, o

processo teve continuidade peral tal foro, e Celso Hurtado foi

condenado a sete anos de prisão. A Corte Interamericana de Direitos

Humanos decidiu pela violação da garantia do juiz competente uma

vez que, “o Sr. Hurtado, por ser um militar da reserva, não poderia ser

julgado por um tribunal militar”. No caso, como visto, não se tratava de

julgamento por fatos cometidos na qualidade de militar, no período em

que integrou o exército.66

Diante do acima exposto, nota-se a preocupação da comunidade internacional

em afirmar e zelar pelo cumprimento do princípio do juiz natural, ao consigná-lo em

diversos tratados, todos, ressalte-se, ratificados pelo Brasil.

66 BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2014, p. 86-87.

Surge, no entanto, questionamos acerca da hierarquia e efetividade dos

tratados perante a Constituição Federal, os quais serão, ainda que brevemente,

esclarecidos a seguir.

1.6.4 A hierarquia e a efetividade dos tratados internacionais na Constituição