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Capítulo I – Introdução

Capítulo 2 Enquadramento Teórico

2.1 Abordagem e apresentação do conceito de Competência

2.1.1 Competências profissionais docentes

Entender o Sistema Educativo como “o conjunto de meios pelo qual se

formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade” (Lei de Bases do Sistema Educativo, 2005), implica contribuir para o desenvolvimento pleno dos vários eixos que o

constituem: alunos, professores e comunidade.

As transformações ocorridas nas últimas décadas na docência e no sistema educativo – por exemplo, saberes ensinados, organização de sala de aula, organização orgânica da escola, criação de mega-agrupamentos – podem ser apontadas como causas, mas também como consequências, das interações e das ações dos seus diversos atores naquele sistema (Nóvoa, 2003). Estas alterações têm tornado inadiável a necessidade permanente de refletir sobre o exercício da profissão docente, quer por parte da sociedade, quer por parte dos próprios docentes.

Procurando promover novos paradigmas que respondam às várias alterações ocorridas na área da educação, “a identificação de dimensões decisivas de prática profissional pode ajudar a clarificar o que se espera do professor de cada nível de ensino e área disciplinar” (Ponte et al., 2000, p.8), destacando-se, deste modo, o conceito de competência profissional.

Como salientado anteriormente, assume-se nesta investigação que as

competências não podem ser consideradas e avaliadas independentemente do contexto, do sujeito e da interação entre ambos (Alonso et al., 2002). As competências

profissionais não são, assim, saberes em si mesmos, mas elementos que se constroem dinamicamente através do desenvolvimento pessoal e profissional e da vivência diária do docente.

É para isso fundamental percecionar o conceito de competência profissional abordando as competências genéricas, as características científicas, técnicas e pedagógicas, mas também focando os vários atributos pessoais.

Para Estrela (2001), a definição e a caracterização da profissão docente remete primeiramente para a explicitação da diferença entre os conceitos de profissionalismo, profissionalidade e profissionalização. Se por profissionalismo docente se entende o correto exercício de papéis e de competências profissionais inerentes à docência, articulando os seus aspetos éticos e deontológicos, de forma a simultaneamente orientar a profissionalidade inerente e a distinguir os comportamentos profissionais adequados daqueles que não o são, a profissionalização está dependente da conceção de profissão que cada professor assume.

Meirinhos (2011) refere que se considerarmos a docência como uma classificação ocupacional, categorizada em standards técnicos e éticos e com consequências nos papéis desempenhados e nas competências profissionais, os dois conceitos (profissionalismo e profissionalidade) englobam conceções e práticas baseadas em valores profissionais manifestados aquando do exercício docente e de saberes teóricos, práticos e experienciais.

Percecionar a docência como profissão permite entender as suas várias componentes, sejam estas externas ou internas ao desenvolvimento profissional e

pessoal do professor, reconhecendo assim a complexidade desta profissão. Esta ideia vai de encontro ao salientado por Esteves (2009) que, citando Boterf (2003), refere que a complexidade de algumas profissões, onde se insere a docência, se caracteriza pela necessidade de enfrentar o desconhecido e a mudança permanente, sendo as profissões complexas sempre pautadas pelo “aumento da complexidade dos problemas a tratar, o carácter incerto do contexto de trabalho, as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias e pelas novas formas de organização do trabalho, a evolução dos sistemas de valor e das aspirações dos indivíduos” (Esteves, 2009, p. 43). Consequentemente, o profissional será sempre aquele que numa determinada situação complexa, é capaz de

administrar e mobilizar uma série de saberes (Boterf, 2005) essenciais para que possa assim existir desenvolvimento profissional: (i) Saber agir com pertinência; (ii) Saber mobilizar num dado contexto; (iii) Saber combinar; (iv) Saber transpor; (v) Saber aprender e Saber aprender a aprender e (vi) Saber empenhar-se.

Face a uma determinada situação, todos os profissionais devem ser capazes de fazer o que está definido a priori, mas, da mesma forma, sobrepor-se ao solicitado, já que a competência apenas se revela quando se está perante situações desafiantes, antecipando a resolução da situação e sendo capaz de julgar a ação mais eficaz nesse momento – Saber agir com pertinência – adequando a ação à situação específica, o que remete para a mobilização de recursos. Ao acontecerem sempre numa ação e não preexistindo a esta, as competências são decorrentes dum processo metacognitivo, obrigando a uma combinação de conhecimentos, capacidades relacionais e cognitivas e à compreensão do contexto – o Saber Combinar e o Saber Transpor. Estas competências têm assim um carácter fundamentalmente profissional e pessoal, simultâneo ao social e ao motivacional relacionado com os dois últimos saberes. Há, deste modo, uma

aproximação ao contexto social, ao sistema de valores do indivíduo, e do coletivo, e aos significados sociais partilhados.

Eraut (1997) caracteriza competência profissional em duas dimensões distintas, scope e quality.

The scope dimension concerns what a person is competent in, the range of roles, tasks and situations for which their competence is established or may be reliable inferred. The quality dimension concerns judgments about the quality of that work on a continuum from being a novice, who is not yet competent in that particular task, to being an expert

acknowledge by colleagues as having progressed well beyond the level of competence (p. 167).

Segundo este autor, o termo competência remete para uma visão holística, em que cada sujeito, perante uma determinada situação, analisa o todo e mobiliza

adequadamente os seus saberes, percecionando qualitativamente a relação entre a situação e esses saberes. Esta visão, aplicada à docência, permite compreender em que medida os professores possuem competências características da sua profissão.

Perrenoud (2000) salientou que os docentes não possuem apenas saberes, mas também competências profissionais que não são redutíveis ao domínio dos conteúdos a serem ensinados. É fulcral aceitar igualmente que, atendendo às alterações sociais e ao processo de evolução das sociedades permeado consideravelmente pela tecnologia, é exigido hoje aos professores que possuam competências variadas que não eram recentemente consideradas como fundamentais (tais como por exemplo a gestão de grande quantidade e densidade de informação oriunda de fontes cuja credibilidade é necessário avaliar). São as competências docentes que permitem ao professor enfrentar diferentes situações, realizar operações mentais complexas e realizar ações adaptadas às situações vivenciadas. Esta associação de saberes que o professor tem, e necessita de ter, está ligada às capacidades e habilidades que, perante situações complexas, permitem fazer eclodir esquemas de pensamento capazes de mobilizar conhecimentos e recursos pertinentes. Salienta-se igualmente que a definição de Perrenoud se aproxima do saber docente desenvolvido por outros autores como Tardif, Lessard e Lahaye (1991), onde esse conceito surge como um saber diferenciado que pressupõe uma mobilização de conhecimentos provenientes de diferentes fontes e experiências dos professores.

A competência profissional é definida por Perrenoud (2000) em quatro aspetos essenciais: (i) as competências não são saberes, capacidades, atitudes ou informações,

integrando, contudo, estes recursos; (ii) cada mobilização pertence, de uma única maneira, a uma situação específica; (iii) a competência subentende o exercício de atividades mentais complexas e, por último, (iv) as competências profissionais constroem-se sempre em formação e em contexto de trabalho.

Procurando operacionalizar esta ideia, Perrenoud propôs um referencial de competências organizado em torno de dez competências de referência que se operacionalizam em competências específicas, como indicado na figura seguinte.

Tabela 1: Referencial de Competências Competências

de referência Competências específicas

1-Organizar e dirigir

situações de aprendizagem

 Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e a sua tradução em objetivos de aprendizagem.

 Trabalhar a partir das representações dos alunos.

 Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem.

 Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas.

 Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.

2-Administrar a progressão das

aprendizagens

 Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos.

 Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos de ensino.

 Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.

 Observar e avaliar os alunos em situação de aprendizagem, de acordo com a avaliação formativa.

 Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.

3-Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação

 Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.

 Abrir, ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto.

 Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades.

 Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo.

4-Envolver os alunos na sua aprendizagem e no seu trabalho

 Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber. O sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a atividade de autoavaliação.

 Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos.

Oferecer atividades opcionais de formação, à la carte.

5-Trabalhar em equipa

 Elaborar um projeto de equipa, representações de alunos.

 Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.

 Formar e renovar uma equipa pedagógica.

 Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais.

 Administrar conflitos interpessoais.

6-Participar na administração da escola

 Elaborar, negociar um projeto da instituição.

 Administrar os recursos da escola.

 Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços escolares, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem).

 Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.

7-Informar e envolver os pais

 Dirigir reuniões de informação e de debate.

 Fazer entrevistas.

 Envolver os pais na construção do saber.

8-Utilizar novas tecnologias

 Utilizar editores de textos.

 Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos de ensino.

 Comunicar à distância por meio da telemática.

 Utilizar as ferramentas multimédia no ensino.

9-Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão

 Prevenir a violência na escola e fora dela.

 Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais.

 Participar na criação de regras de vida referentes à disciplina da escola, às sanções e à apreciação da conduta.

 Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula.

 Desenvolver o senso da responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

10-Administrar a sua própria formação contínua

 Saber explicitar as próprias práticas.

 Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua.

 Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipa, escola, rede).

 Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou sistema educativo.

 Acolher a formação dos colegas e participar dela.

(Perrenoud, 2000)

Importa analisar de forma mais estruturada este referencial atendendo aos elementos relevantes e estruturantes do mesmo e à sua utilização em diferentes investigações na área da educação. Por exemplo, Sardo (2010), com o objetivo de

questionar professores sobre quais as competências que estes consideravam como necessárias ao desenvolvimento da sua profissão, suportou teoricamente a sua investigação naquele referencial. Os resultados do seu estudo mostraram algumas diferenças significativas de perceção com base nas características dos professores (área disciplinar, nível de ensino e género), tendo estes demonstrado uma perceção global positiva em relação às competências dos seus pares e valorizado mais as competências pedagógicas e relacionais do que as científicas. Já Conceição e Sousa (2012), tendo igualmente por base aquele referencial teórico, identificaram, junto de professores de 3º ciclo e Ensino Secundário, as competências que estes consideravam essenciais ao seu papel. Os resultados do estudo evidenciaram que os docentes privilegiaram as

competências relativas ao domínio pedagógico.

O primeiro domínio de competências de referência ligado à gestão e à organização de situações de aprendizagem remete-nos para os conhecimentos científicos, didáticos e pedagógicos. A consciência desses saberes por parte do

professor, e a sua capacidade de adequação e de resposta perante as diferentes situações, é fundamental ao processo ensino-aprendizagem. Assim, procura-se que cada docente seja capaz de transferir os seus conhecimentos, adaptá-los e utilizá-los em situações distintas – sendo aqui pertinente assinalar novamente a aproximação a Piaget (referida no capítulo anterior). A responsabilidade pela construção do conhecimento é então dual, quer do ponto de vista do próprio professor, que procura um processo contínuo de desenvolvimento profissional, quer daquilo que irá proporcionar aos seus alunos.

A dimensão ‘administra a progressão das aprendizagens’ tem uma forte componente construtivista, remetendo o professor para o papel organizador das aprendizagens, sendo o aluno o autor e o produtor do seu próprio conhecimento. Os

docentes devem ser capazes de criar situações de aprendizagem que potenciem o desenvolvimento dos alunos.

A diversidade pessoal, social e pedagógica de cada aluno justifica a necessidade de desenvolvimento da terceira dimensão. A heterogeneidade e a dimensão das turmas obrigam o professor a ser capaz de gerir situações diversificadas e complexas, sendo esta resposta estruturada de acordo com diferentes saberes, interesses, recursos e métodos de aprendizagem.

O quarto domínio está ligado de forma intrínseca à motivação dos alunos, potenciando a sua aprendizagem e o desenvolvimento das suas competências e

conhecimentos. A diversidade de atividades, e a adequação destas às necessidades dos alunos, pretende favorecer uma aprendizagem mais eficaz. Assinala-se igualmente, como fator fundamental, a necessidade de negociação com os alunos, tornando-os assim atores do processo ensino-aprendizagem.

A quinta dimensão remete para as responsabilidades da docência ligadas à organização interna da profissão. Atendendo à diversidade e à complexidade das situações escolares, é fundamental a criação de condições e de respostas adequadas a esta realidade, recorrendo para isso ao suporte dos pares, o que consequentemente privilegiará o desenvolvimento profissional docente e criará condições para um ambiente pedagogicamente fortalecido.

O sexto domínio associa-se ao salientado por diferentes autores como Shulman (1987) ou Nóvoa (2000) que referem a docência como multidimensional. Cada

professor deve ser capaz de relacionar as dimensões científicas, pedagógicas, didáticas, relacionais e de gestão, procurando diversificar e coordenar os seus próprios saberes. A potenciação dos recursos existentes trará igualmente vantagens ao processo de ensino- aprendizagem.

O processo de ensino-aprendizagem, embora muitas vezes assente

fundamentalmente na díade professor-aluno, envolve em si mesmo considerar diferentes fatores externos existentes nesta relação. Este facto justifica a necessidade do

desenvolvimento dum sétimo domínio relacionado com o envolvimento dos pais e encarregados de educação. O sucesso do processo educativo apenas se consegue gerindo eficazmente a comunicação com os pais e encarregados de educação, não isolando a sala de aula e a escola nas suas práticas.

A oitava dimensão remete-nos para a existência de novos paradigmas de

convivência social emergentes da crescente presença das tecnologias. A implementação destas no processo ensino-aprendizagem tornou-se fulcral ao seu. Constatamos que os alunos têm acesso (em maior ou menor escala) a múltiplas ferramentas tecnológicas (como, por exemplo, tablets, smartphones, computadores, consolas de jogos) sugerindo necessidades diferentes daquelas que os jovens tinham há 10 anos e igualmente

diferentes das que terão os jovens que estarão na escola daqui a 10 anos. Esta situação terá impacto, quer nas orientações curriculares que constituem a base dos currículos oferecidos pela escola para a formação dos jovens, quer nas competências de utilização da informação por parte dos professores (Matos & Pedro, 2011).

Uma das dimensões referidas no Perfil do Professor do Ensino Básico (Decreto- Lei 240/2001) remete para os fatores éticos da profissão, aproximando-se assim ao nono domínio do referencial de Perrenoud. A preocupação demonstrada por este fator prende- se com a necessidade premente de gerir e analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em sala de aula, ao mesmo tempo que se aborda questões relativas à gestão dos próprios comportamentos profissionais.

Por fim, a última dimensão do referencial remete-nos para questões relacionadas com a formação contínua dos professores. Perrenoud salienta a necessidade do docente

ser um ator do seu próprio desenvolvimento profissional, estabelecendo estratégias de formação a nível individual, e conjuntamente com os pares, de forma a potenciar o enriquecimento e o desenvolvimento de competências e de saberes profissionais.

As investigações realizadas neste tema têm-se focado deste modo na análise do conjunto de saberes, conhecimentos, capacidades e competências profissionais

docentes, fortalecendo a ideia da necessidade de não ser pertinente “caraterizar o conhecimento profissional sem ter em conta o modo como este é aprendido e como é usado” (Éraut, 1996, p. 19, cit. por Esteves, 2009).

Esteves refere também que, ao admitirmos que as competências profissionais apenas se verificam nas ações profissionais contextualizadas, temos igualmente que refletir sobre a adequação de currículos da formação inicial dos professores. A desarticulação entre os diferentes saberes profissionais desenvolvidos na formação inicial docente, e a sua aplicabilidade em contexto de trabalho, retira muitas vezes relevância às competências que são adquiridas primeiramente. Este desfasamento pode potenciar o desenvolvimento de professores menos competentes no desenvolvimento da sua profissão e consequentemente no processo de ensino-aprendizagem.

Este aspeto está em total concordância com o referido por Schleicher (2011), que alerta no relatório Building a High-Quality Teaching Profession [OECD] para a importância de refletir sobre a geração e aplicação do conhecimento, devido às necessidades atuais serem diferentes das do passado. As escolas têm assim a

responsabilidade de preparar os jovens para profissões ainda não criadas, tecnologias não desenvolvidas ou para problemas que ainda não se sabe que existirão.

Estamos perante uma necessidade premente de reflexão sobre as competências profissionais docentes, sendo estas competências entendidas como o exercício duma atividade mental complexa característica a cada professor (ponto discutido no capítulo

anterior na aproximação à teoria construtivista de Piaget) que, no quadro de uma determinada situação, mobiliza saberes, capacidades e atitudes profissionais, construídas durante o seu desenvolvimento profissional.