• Nenhum resultado encontrado

O desenvolvimento profissional como um processo contínuo

Capítulo I – Introdução

Capítulo 2 Enquadramento Teórico

2.2 Desenvolvimento Profissional docente: Delimitação do constructo

2.2.1 O desenvolvimento profissional como um processo contínuo

O conceito de desenvolvimento profissional docente não é claro, sendo alvo de uma significância dúbia, o que tem incrementado a discussão sobre a temática. Meirinhos (2006) salienta esta ideia ao referir que o termo “desenvolvimento profissional docente carece de significado unívoco” (p. 31) entendendo assim que a referência ao desenvolvimento deve considerar a evolução dos professores ao longo da sua carreira, de forma polissémica (Imbermón, 1999; Brodeur, Deaudelin & Bru, 2005).

A inequívoca clareza do constructo é dificultada deste modo pela complexidade dos termos que o envolvem pois se, por um lado, ao desenvolvimento se associam ideias relativas à mudança, à aprendizagem ou à transformação, por outro, a ideia de profissional remete para os conceitos de profissão, profissionalismo, profissionalidade e identidade profissional (Almeida, 2012).

Oliveira-Formosinho (2009) sugere, por seu lado, uma conceptualização do desenvolvimento profissional docente que assuma características distintas da formação contínua, ao remeter para a ideia de educação permanente ao longo da vida, focando os processos de desenvolvimento, os conteúdos adquiridos, as práticas elaboradas e os contextos de aprendizagem existentes.

Opta-se nesta investigação por encarar o conceito de desenvolvimento profissional docente como os processos de transformação que, decorrendo duma pluralidade de fatores, surgem ao longo da carreira do professor, “entre os quais se contam os que se referem ao desenvolvimento da pessoa do professor, numa perspectiva de life span, às actividades organizadas de formação contínua e às actividades individuais de auto-promoção” (Estrela & Estrela, 2006, p.75), não se estruturando assim apenas no domínio dos conhecimentos teóricos e científicos, mas igualmente nos aspetos emocionais, atitudinais e relacionais dos docentes.

Morais e Medeiros (2007) salientam que todos os processos de desenvolvimento profissional docente são interativos, inacabados e dependentes do próprio sujeito, estando também dependentes do que o meio oferece e das relações que cada pessoa estabelece com o que o rodeia. O conceito não se estrutura somente no domínio dos conhecimentos científicos, mas igualmente nas atitudes, nas relações interpessoais e nas competências ligadas ao

processo pedagógico (Silva, 2002). Compreendem-se desta forma fatores de ordem interna e externa ao professor, tendo no entanto carácter distinto.

Numa outra visão, algumas perspetivas consideram o desenvolvimento profissional docente associado à ideia de transformação, que ocorre em dois níveis distintos (o sistémico – associado aos contextos em que o professor está inserido, e o holístico que se refere a todas as dimensões da atividade do professor). Deste modo, este conceito irá para além da ideia de formação permanente, formação contínua ou desenvolvimento ao longo da vida (Day, 2001; Eraut, 1994; Estrela & Estrela, 2006; Fullan, 1990; Imbernón, 1999; Almeida, 2012), sendo um processo continuum que reúne em si todas as experiências de aquisição de conhecimentos que o docente irá fazer ao longo da sua carreira.

Esta ideia é sustentada por Day (2001) ao afirmar que

o desenvolvimento profissional docente envolve todas experiências espontâneas de aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas, realizadas para beneficio, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem através destes para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individual e coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica (juntamente com as crianças, jovens e colegas) o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases de vida

profissionais (p.20).

Autores como Ponte (1998) salientam que o desenvolvimento profissional tem igualmente associada a ideia de que a capacitação do professor para o exercício da sua atividade profissional é um processo, envolvendo variadas etapas e consequentemente se apresentará como incompleto, isto é, em construção. Os professores participarão, ao longo da sua vida profissional, num processo de crescimento, quer pessoal, quer profissional que não

pode ser visto apenas como a soma da aprendizagem de conhecimentos e de competências em ambientes formais ou não formais (Menezes & Ponte, 2006).

Refletir e analisar o desenvolvimento profissional implica, deste modo, reconhecer o carácter específico da docência e o seu papel na atualidade. O professor terá sempre de incorporar as suas várias experiências (de docência, de formação, de convivência) como elementos constituintes da prática profissional, “construindo-a a partir das necessidades e realizações que consciencializa, mediante a análise problematizada da sua prática pedagógica, a reflexão fundamentada sobre a construção da profissão (…) ” (Decreto-Lei 240/2001, p. 5571). O desenvolvimento profissional resultará assim da articulação entre a formação inicial, a indução e a formação em serviço, num quadro de aprendizagem ao longo da vida (Nóvoa, 2007).

Encarando a prática da profissão docente como inerentemente ligada a um dado contexto, o desenvolvimento profissional não poderá ser encarado como isolado do meio em que o professor está inserido. Os contextos organizacionais desempenham um papel central no desenvolvimento profissional. Mediante o grau de significância que lhes for atribuído, as atividades e tarefas realizadas nos contextos organizacionais têm implicações nas práticas docentes, que produzem mudança na forma de encarar a profissão e que levam a uma alteração de atitudes e de expectativas (Eraut, 2012; Braz, 2013).

Ainda encarando o desenvolvimento profissional como um processo contínuo, Huberman (1995) salientou que este conceito se operacionaliza em princípios que reconhecem a importância de encorajar a aprendizagem ao longo da vida, mais

especificamente devido à necessidade do desenvolvimento profissional (i) ocorrer de forma contínua, ao longo da vida; (ii) ser autogerido, resultando da articulação do trabalho entre o professor e a escola; (iii) ser apoiado pelos vários polos do sistema (escola, professor, comunidade educativa, etc.); (iv) ter interesse para a escola e para o professor; (v) originar

processos de autorreflexão e autorregulação, e (vi) não poder ser encarado como independente do desenvolvimento pessoal, considerando assim as especificidades das características pessoais.

Aquele autor distingue assim a noção de carreira – a trajetória do sujeito numa dada organização – de desenvolvimento profissional, relativo à trajetória que envolve a atividade profissional e a vida pessoal do professor, sendo que é da interação entre estes três eixos – carreira, exercício profissional, dimensão pessoal - que resulta o Ciclo de Vida do Professor.

De acordo com Huberman (1995), o desenvolvimento profissional docente está associado a cinco fases de carreira: a exploração, entrada na carreira (1-3 anos); a estabilização, onde se dá a consolidação do repertório pedagógico (4-5 anos); a

diversificação/questionamento (7-25 anos); o conservadorismo, que pode ser vivido com serenidade ou com um certo distanciamento afetivo (25-35 anos); e por último, o

desinvestimento (35-40 anos).

Nesta visão, a primeira fase corresponde ao início de carreira, altura em que o professor se confronta a novidade das suas funções e das suas tarefas, confrontando as

situações com as expectativas que trazia da sua formação inicial. Desta fase podem advir dois tipos de resposta dos docentes (podendo ambas existir em simultâneo), uma referente à descoberta – onde as novas experiências podem levar ao sucesso e a uma identificação profissional – e outra à sobrevivência que resulta do desajustamento de expectativas do professor face à sua profissão.

Na fase de estabilização o professor tenderá a assumir um compromisso com a sua profissão, assumindo definitivamente a sua identidade profissional. Espera-se ainda que haja um acréscimo do sentimento de pertença e de competência e segurança na gestão do processo de ensino-aprendizagem que levam por sua vez a uma maior confiança no desempenho profissional.

Na terceira e na quarta fase Huberman salienta o movimento oscilatório existente nos processos motivacionais. Durante estes dois períodos, o professor sente-se capaz de inovar e de exercer funções de maior responsabilidade devido à confiança conquistada. Contudo, em simultâneo existem momentos de questionamento gerados pela rotina e pelas normas vigentes, que poderão originar reflexões sobre a adequação da carreira.

Huberman refere que os maiores níveis de desconforto profissional se encontram nos professores durante os primeiros cinco anos de carreira voltando novamente a aumentar tais sentimentos de desconforto após cerca de 16 anos no ensino. Estes valores justificam-se por no período inicial da carreira os professores experienciarem os seus papéis, avaliando a sua competência profissional, o que pode resultar em mal-estar. Já durante a fase dos 16 aos 26 anos de docência, vários professores tendem a por constantemente em questão a sua

profissão, vivendo com frequência sentimentos de desconforto resultante da monotonia do quotidiano da sala de aula e da soma cumulativa de fracassos pessoais, sociais e profissionais. Contudo, os professores que se encontram entre os 6 e os 15 anos de ensino, na segunda fase identificada são os que consideram mais motivados, arrojados, por já terem dissipado os seus medos iniciais e terem uma estabilidade e segurança profissional mais satisfatórias; sentindo maior competência, segurança e autoconfiança profissional, devido em grande à relativização dos insucessos.

Usando aquele modelo teórico como fundamento, Gonçalves (2009) analisou os percursos profissionais de 42 professoras do 1ºCiclo do Ensino Básico do concelho de Olhão através de entrevistas semiestruturadas com um cariz autobiográfico, procurando assim identificar os traços caraterizadores da carreira identificados por Huberman. A análise aos relatos das participantes na investigação salientou as cinco fases propostas, assinalando as diversas características de cada momento da carreira docente.

Guskey (2002) refere, do mesmo modo, o desenvolvimento profissional como um processo, gradual e complexo, que acontece quando o professor atribui significados às

aprendizagens que faz, conseguindo aplicá-las num contexto. Este percurso pode caracterizar- se por alguma ansiedade, devido a receios que possam ser sentidos na implementação de estratégias de ensino aprendizagem diferentes das anteriores, dificultando assim a alteração das práticas docentes.

Entende-se consequentemente o desenvolvimento profissional docente como um processo contínuo, caracterizado pela transformação e/ou evolução dos professores, não sendo independente da trajetória pessoal e do contexto onde cada indivíduo está inserido. Esse percurso é marcado pela segurança, ansiedade e incerteza características de cada desenvolvimento, podendo ser potenciadas ou anuladas consoante o estádio em que cada professor se encontra nas várias fases da carreira.