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"ARMAS"

Os movimentos sociais de atuação ambientalista encerram em si o potencial de levar aos cidadãos informações mais aprofundadas e reflexivas sobre as causas e impactos do modelo desenvolvimentista vigente, posto que, conforme já colocado aqui, não operam necessariamente submetidos às perspectivas de lucro, como a indústria midiática. Segundo assinalam Morais e Rezende (2008, p.268), a causa da sustentabilidade e preservação do meio ambiente "sempre cultivou formas simbólicas que fogem à trivialidade informativa comum à produção noticiosa oferecida pela grande mídia sobre assuntos cotidianos".

Entretanto, em sua visão, quando admitiram operar sob as lógicas características do mundo globalizado, os grupos ativistas estabeleceram um bom relacionamento com a mídia, a partir do qual foi se configurando um plano estratégico de visibilidade para ações contra-hegemônicas.

A sinergia entre comunicação e mobilização pode, teoricamente, determinar o fracasso ou o êxito das metas estabelecidas pelos movimentos sociais – entre eles, o de foco ambientalista –, como registram Toro e Werneck (1996b, p.5), para quem "mobilizar é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados".

Nesse convocar de vontades e compartilhar de sentidos, as estratégias de comunicação nas mobilizações propostas pelos movimentos sociais ganham, portanto, uma centralidade exposta pelos autores, ao afirmarem que:

Toda mobilização é mobilização para alguma coisa, para alcançar um objetivo pré-definido, um propósito comum, por isso é um ato de razão. Pressupõe uma convicção coletiva da relevância, um sentido de público, daquilo que convém a todos. Para que ela seja útil a uma sociedade ela tem que estar orientada para a construção de um projeto de futuro. Se o seu propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz resul-tados quotidianamente (TORO; WERNECK, 1996b, p.5).

Em outros termos, advogam os autores que "toda mobilização social requer um projeto de comunicação em sua estruturação" (1996, p.36). Conforme expõem Toro e Werneck (1996b), o cerne desse projeto é o compartilhamento, o mais abrangente possível, de todas as informações relacionadas ao movimento, desde seus objetivos e justificativas às ações em curso em outros lugares e ao que pensam os diversos segmentos da sociedade a respeito das ideias propostas.

Os autores apresentam três grupos nos quais podem ser classificados os modelos de comunicação. A comunicação de massa, segundo eles, se dirige às pessoas como indivíduos anônimos, sendo construída sobre códigos mais padronizados, decodificáveis por setores amplos da população. A comunicação macro – também chamada de comunicação segmentada – se volta às pessoas com base em seus papéis, trabalhos ou ocupações na sociedade, ou seja, se alicerça em códigos próprios, a circularem, por exemplo, nos sistemas de comunicação de redes ou comunidades profissionais. Por fim, a comunicação micro – ou comunicação dirigida – se encaminha a grupos ou pessoas por sua especificidade ou diferença. Assim, sempre conforme Toro e Werneck (1996b), não se constroi sobre códigos padrão, mas sobre as características próprias e diferenciais do receptor, a exemplo da comunicação entre um grupo de amigos ou em um projeto de bairro, entre outros.

Os autores assinalam que, em um projeto de comunicação participada, própria dos processos de mobilização social, geralmente os três tipos são necessários, embora realcem a comunicação macro como a fundamental, por combinar a possibilidade de criar modificações estáveis (efetividade) e a cobertura (comunicação massiva) de uma forma específica.

A comunicação também contempla o que Toro e Werneck (1996b, p.31) classificam como as quatro dimensões básicas de um processo de mobilização social – o imaginário, o campo de atuação, a coletivização e o acompanhamento –, cujas funções, operadas simultaneamente, serão detalhadas na metodologia da presente dissertação.

Especificamente no que se refere ao imaginário, os autores colocam que

"deve expressar o sentido e a finalidade da mobilização", transcender o apelo racional, de modo a "tocar a emoção das pessoas", sendo "capaz de despertar a paixão" (TORO; WERNECK, 1996b, p.20).

Entre exemplos de imaginários recentes validamente propostos, os autores citam o formulado pelo então presidente dos EUA, John Kennedy, para mobilizar o país frente ao atraso científico e tecnológico em relação à URSS, quando esta, em 1957, lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial a ser colocado em órbita da Terra –

"na próxima década vamos levar um homem a pisar na lua". Registram Toro e Werneck (1996b, p.20) que "esse imaginário orientou não apenas a corrida espacial, mas quase todo o ensino, a pesquisa e os investimentos da sociedade norte-americana durante 12 anos". E, em 1969, de fato, concretizava-se o imaginário proposto por Kennedy: "Um americano pisava na Lua".

Num exemplo mais recente e local, os autores lembram o imaginário personificado por Betinho12 na "Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida", que agregou os mais diversos segmentos da sociedade, no Natal de 1993, se mobilizando no sentido de que nenhuma família brasileira passasse fome naquela noite.

Corrobora-se na prática o entendimento de Schubert (2008, p.20), quando pondera que "o alcance do espaço público é, em muito, determinado pelos parâmetros que a mídia impõe". Em outros termos, coloca, "o que ela maximiza torna-se importante, o que é minimizado, consequentemente, é irrelevante".

Entretanto, é importante ressalvar que tais estratégias e processos de mobilização já não dependem visceralmente do espaço midiático industrial, como mostra Caires (2009, p.4), também ao situar a comunicação dos movimentos sociais como "um dos vetores essenciais para o alcance dos seus objetivos":

Dos cartazes em piquetes e nos postes, aos panfletos e jornais semiartesanais, passando pelos fanzines, a revistas e jornais de produção mais "profissional", grupos que desejam subverter algum estado de coisas precisam comunicar-se bem entre si, num movimento de articulação interna, e também com o restante da sociedade, para quem necessitam expor suas motivações, denúncias e idéias para a mudança (CAIRES, 2009, p.4).

12 O sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, integrou a liderança do Movimento Pela Ética na Política, que culminou no impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em setembro de 1992, e serviu de base para a maior mobilização da sociedade brasileira em favor das populações excluídas: a Ação da Cidadania contra a Miséria, a Fome e pela Vida, que teve seu auge entre junho de 93 e junho de 94. Neste período, 25 milhões de pessoas contribuíram de alguma forma – com doação de dinheiro, de alimentos e roupas – e outras 2,8 milhões se engajaram diretamente na campanha em um dos quatro mil comitês da Ação da Cidadania criados em todo o país. A campanha foi um dos maiores e mais organizados movimentos da sociedade civil, sem filiações partidárias ou ideológicas, a chamar a atenção para o problema da fome no Brasil.

(Desafios do Desenvolvimento, Brasília, v.8, n.64, 2011. Disponível em: <http://desafios2.ipea.

gov.br/sites/000/17/edicoes/64/pdfs/rd64sec04.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2012).

Como já exposto, formam-se redes cada vez menos submissas aos interesses da estrutura midiática formal. Conforme apontava Rodrigues já em 1993, a literatura sobre movimentos sociais publicada durante a década de 60 "confere peso decisivo aos contatos pessoais na difusão de novas idéias, em lugar, por exemplo, do papel da mídia" (RODRIGUES, 1993, p.216).

A autora se remete à validade das campanhas organizadas pelos movimentos sociais, questionando até que ponto a institucionalização e formalização de seus mecanismos de contato pode limitar o pluralismo e a diversidade de tais iniciativas.

A seu ver, são inegáveis as tensões entre associações "de base" e organizações ambientalistas de maior projeção e recursos, as quais, com freqüência, lideram campanhas nacionais e internacionais, "favorecidas que são por seu acesso à ordem vigente" (RODRIGUES, 1993, p.230). Esse acesso, aponta, ao mesmo tempo pode implicar em perda de sua representatividade, na hipótese das demandas e táticas se distanciarem das respectivas bases de apoio.

Chega-se aos aspectos defendidos por Andrade et al. (2010, p.171) em prol da eficiência de processos participativos: "Ser legítimo, horizontalizado e de dentro para fora, ou seja, parte de demandas internas de espaços sociais". Sob esse prisma, colocam os autores, a comunicação viabiliza que os agentes das ações socioambientais possam relatar as propostas presentes e futuras do público envolvido, de modo a potencializar a transmissão de informação multissetorial de educação e de integração social.

Num entendimento similar, Hannigan (2009, p.108) se refere ao "mandato duplo" dos empreendedores de uma questão ambiental, afirmando que, ao apresentá-la, "eles precisam atrair a atenção e legitimar seus argumentos".

Uma das estratégias que o autor delineia é fazer com que o problema ambiental em potencial seja visto como uma novidade importante e compreensível – os mesmos valores, lembra ele, que caracterizam a seleção de uma notícia em geral.

Nesse sentido, Traquina (2006) aponta a necessidade de se estudar o jornalismo, sobretudo encarando-o como um espaço de luta política, onde "os diversos atores políticos tentam fazer ouvir a sua voz nos meios de comunicação social".

Reportando-se ao agendamento da mídia, ele registra o protagonismo dos profissionais da área em selecionar os acontecimentos a construírem o noticiário e, em outros termos, que aspectos da sociedade vão estar presentes nos meios de comunicação social. Por essa razão, defende o autor, "a luta, a abrangência e a pluralidade de

opiniões são muito importantes no jornalismo", alçando o papel dos jornalistas à centralidade nas democracias contemporâneas (TRAQUINA, 2006).

Ainda que não detenha mais o poder absoluto de pulverizar os argumentos levantados por entidades do movimento ambientalista, continua claramente desejável a visibilidade conferida a qualquer causa quando ela chega a se transformar em notícia. Para Mazzarino (2007, p.55), nas sociedades contemporâneas, a mídia tornou-se "um alvo da ação estratégica dos diversos agentes sociais", no intuito de

"fazer concordar as suas necessidades de acontecimentos com as dos profissionais do campo jornalístico". Nessa trajetória, segundo ela, verifica-se uma "crescente capacidade dos movimentos sociais conseguirem espaço nas agendas midiáticas apropriando-se da lógica de construção noticiosa". Registra a autora que:

A organização socioambiental participa da tal revolução das fontes, caracterizada pelo protagonismo que assumem alguns atores dos movimentos sociais que se profissionalizam como fontes, o que dinamiza a democracia e dá novos sentidos à cidadania. O conhecimento do código é condição para a interação simbólica (MAZZARINO, 2007, p.62).

No entanto, para sobrepor o teórico interesse público ao caráter mercantil da indústria midiática, Hannigan (2009, p.113) advoga que as questões ambientais emolduradas em termos utilitários costumam auferir melhor visibilidade do que as desprovidas deste recurso. Em outros termos, "os argumentos construídos a partir de interesses financeiros têm mais ressonância do que aqueles que são apresentados somente com base em justificações morais". A apresentação das questões ambientais, de fato, é exposta pelo autor como um dos vértices do triângulo que sustentaria a construção dos problemas nessa esfera (Figura 5):

FIGURA 5 - PASSOS IMPORTANTES NA CONSTRUÇÃO DE PROBLEMAS AMBIENTAIS FONTE: Hannigan (2009, p.106)

Na análise de Hannigan (2009, p.109), a formulação de políticas públicas é a resposta para a ação coletiva de um movimento ou contramovimento – segundo o autor, ponto crítico no qual tais organismos são "forçados a renegociar suas estratégias, táticas e objetivos como resultado de mudanças no ambiente político".

No recorte da informação científica de ordem ambiental, os movimentos sociais a atuarem sobre essa causa entram no que Melo (2007, p.2) chama de "jogo midiático", aludindo à construção da agenda pública, ou seja, "o processo através do qual as demandas dos diversos grupos da população são transformadas em assuntos que disputam a atenção das autoridades públicas".

A intenção final dos agentes dessa disputa, coloca a autora, reside na

"legitimação pública dos assuntos de seus interesses, bem como de seus proponentes, visando a concretização dos seus objetivos" (MELO, 2007, p.2).

É um entendimento similar ao de Santos (2009, p.136), quando afirma que

"os recursos discursivos, como instrumentos de legitimação, exercem papel de destaque no processo de realização da ação", um domínio de "mecanismos retóricos"

cuja falta levaria a "obstáculos às vezes intransponíveis".

O autor também se remete a disputas entre interesses não convergentes, colocados em curso pelos "vários projetos sociais de apreensão do meio ambiente"

e que, adentrando nas agendas da mídia e da política, conquistam uma exposição a proporcionar "novos contornos à gestão pública e aos movimentos sociais"

(SANTOS, 2009, p.148) – um cenário que, em menor escala, se reproduz no tratamento midiático e da comunicação do terceiro setor aos desafios impostos pelas mudanças climáticas.