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3.4 COMUNICAÇÃO PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: ALGUMAS

3.4.1 Olhar sobre a cobertura no Brasil: avanços e deficiências

No cenário nacional, merece destaque o estudo "Mudanças climáticas na imprensa brasileira" (2009), produzido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), com apoio do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica no Brasil e do Conselho Britânico (British Council) no Brasil.

Conforme exposto no resumo executivo do trabalho, ele apresenta os principais resultados alcançados a partir do monitoramento de 50 jornais de 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, entre julho de 2005 e dezembro de 2008, com os objetivos de "avaliar em que medida questões relacionadas ao fenômeno das Mudanças Climáticas repercutem na imprensa nacional e investigar a qualidade deste conteúdo" (ANDI, 2009, p.4).

A pesquisa revelou, entre outros aspectos, que ainda predominava no período analisado um enquadramento ambiental na abordagem noticiosa, com percentuais superiores a 40%, seguido dos enfoques econômico e político, ambos com menos de 20% de ocorrência. O debate sobre desenvolvimento registrou um leve aumento entre os dois períodos sob avaliação da Andi: de 15% dos textos analisados (2005/2007) para 19% (2007/2008).

O estudo entende como fundamental "a valorização das pautas que relacionam as alterações de temperatura a aspectos específicos do contexto brasileiro" (ANDI, 2009, p.7), tendência observada a partir da referência crescente a ações levadas a

termo pelo Governo Federal e menções à adoção de metas internas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Outro aspecto relevante exposto pelo trabalho diz respeito à concentração da cobertura sobre mudanças climáticas nos jornais de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Correio Braziliense, Valor Econômico e Gazeta Mercantil, os dois últimos com uma linha editorial de ênfase econômica.

Reafirma-se, dessa forma, a necessidade de maior capilaridade na divulgação jornalística do tema, processo que implica em um mínimo de rompimento com a lógica predominantemente mercantil da indústria midiática, conforme concluiu Pinto (2009), depois de analisar o conteúdo de 562 notícias sobre mudanças climáticas.

A amostra foi colhida no período entre dezembro de 2008 e agosto de 2009, em cinco jornais/portais de internet de grande penetração nacional – Folha de S. Paulo (www.folha.com.br), O Estado de S. Paulo (www.estadao.com.br), Jornal do Brasil (www.jbonline.com.br), G1 (www.g1.com.br, da Rede Globo) e Yahoo!

(www.yahoo.com.br) – este o único não vinculado a um veículo da mídia impressa.

Com base nos dados obtidos, a autora constatou carência na internalização da pauta, dado o aproveitamento de material fornecido por agências noticiosas de atuação globalizada que, à exceção de um mês no período sob análise, suplanta em percentuais significativos a produção local, ou seja, concretizada no âmbito das respectivas redações (Figura 7).

FIGURA 7 - NOTÍCIAS DE AUTORIA DOS VEÍCULOS FONTE: Pinto (2009, p.37)

Na visão da autora, a maior deficiência nessa escolha editorial é que

Ao preocuparem-se em atender a clientes (veículos) contratantes de vários países, as agências tendem, naturalmente, a abordar os aspectos relativos às Mudanças do Clima sob um viés globalizado, cujo alicerce é a homogeneidade, em detrimento de um olhar mais preciso e específico sobre os desafios e impactos locais – no caso, os focados no Brasil (PINTO, 2009, p.37).

Esse quadro leva a autora a evocar o papel do terceiro setor que, a seu ver, termina por ocupar lacunas deixadas pela mídia de massa sob o prisma de sua dimensão pedagógica e, a partir daí, potencialmente mobilizadora. Como exemplo, Pinto (2009, p.52) cita um relatório lançado pela ONG Greenpeace – "Mudança do Clima, Mudança de Vidas: como o aquecimento global já afeta o Brasil –, com o objetivo de "mobilizar a sociedade brasileira para reverter o principal problema ambiental do século 21 com ações imediatas e eficientes dentro e fora do território brasileiro" (GREENPEACE, 2006, p.6).

Fomentar essa percepção no conjunto da sociedade requer um novo ponto de vista sobre a governança ambiental, conforme observa Viegas (2004, p.2), depois de analisar notícias sobre mudanças climáticas publicadas durante todo o ano de 2003 em dois jornais de grande circulação – Correio do Povo (RS) e Folha de S. Paulo (SP). Segundo a autora, além do assunto ter sido tratado de forma

"predominantemente elitista e com um certo ceticismo",

raras vezes os jornais analisados dão margem para a expressão do fenômeno mudança climática como algo de responsabilidade de cada pessoa ou que possa ser relacionado a uma conduta pessoal, cotidiana, ou que tenha um efeito sobre a história, a trajetória individual. Em geral, ela é vista como algo que cabe aos governos e às grandes empresas poluidoras resolverem: é um problema de cúpulas governamentais, ou de meganegociações aparentemente abstratas entre empresas que compram direitos de poluir na Europa plantando árvores na Amazônia, por exemplo (VIEGAS, 2004, p.2).

Esse entendimento, pondera, se distancia da realidade diária dos cidadãos, o que pode contribuir para a perda de seu interesse pelo tema.

Ao registrarem a influência dos meios de comunicação de massa sobre o estilo de vida das pessoas e a formação de suas opiniões, Heinz et al. (2008, p.60) classificam a mídia como um "mediador fundamental entre a Ciência contemporânea e a população", de modo a cumprir um duplo papel: informar e educar.

Os autores catalogaram reportagens abordando os temas "aquecimento global" e "efeito estufa" do ano de 2006, publicadas em cada uma das três maiores revistas semanais de informação geral com circulação nacional – Veja, IstoÉ e Época.

Deste universo, selecionaram, entre as edições, a reportagem de cada publicação com maior centimetragem, chegando a três objetos de análise qualitativa.

Os resultados levaram Heinz et al. (2008, p.76) a concluir que, a despeito de

"equívocos cometidos pelas revistas" no trato com o tema, elas são importantes para ajudar a conscientizar os cidadãos brasileiros sobre os atuais problemas ambientais, razão pela qual os autores sugerem que essas e outras publicações do gênero

"incrementassem sua oferta de Jornalismo Científico, em favor de uma sociedade mais ciente dos zelos necessários para com a Natureza".

No entanto, a consecução desse propósito, como já visto, implica não só em administrar eventuais embates com o establishment, mas também em investimentos na capacitação dos jornalistas, sem a qual, dificilmente, eles serão capazes de traduzir dados científicos, via de regra complexos, num patamar acessível ao público leigo – desafio no qual se insere plenamente a fundamentação científica das mudanças climáticas.

Para essa mediação ser operada com o máximo de eficácia, Sabbatini (2004, p.237) diz que se reclama cada vez mais a figura da "terceira pessoa": o divulgador científico, definido por ele como "um profissional especializado que conheça tanto as características intrínsecas da ciência e da tecnologia quanto às práticas profissionais do jornalismo e da comunicação" – em outros termos, "uma ponte entre mundos tão distintos".

Nessa crítica à cobertura jornalística de foco científico, Sabbatini (2004, p.240) cita a falta de contexto, que se reflete, a seu ver, em abordagens deficientes na apresentação de contrastes entre diversos pontos de vista e teorias, o que favoreceria uma visão global do assunto em questão. Passando ao caso específico das mudanças climáticas, a apresentação de suas origens e impactos sob uma análise sistêmica, não exclusivamente ambiental, em tese contribuiria para aproximar o público receptor da percepção de que o problema pode atingir – ou já atinge – diretamente sua qualidade de vida.

Para Sabbatini (2004), quando a informação científica é tratada sob o prisma da curiosidade ou do exotismo, perde-se o critério por meio do qual se viabiliza a distinção entre a importância real e a repercussão dos avanços noticiados. No bojo

dessa problemática, o autor alerta: "Esquece-se o dever de informar, sentido pedagógico do jornalismo, de auxiliar o leitor na compreensão dos fatos, como resultado de que o leitor já não possui critérios do que é realmente válido e do que deve ser assimilado" (SABBATINI, 2004, p.240).

O exercício da divulgação científica sofre interferência ainda das fontes de informação, no que Sabbatini (2004, p.240) observa uma certa "comodidade" do jornalista atuante neste nicho, quando se baseia somente nos comunicados de imprensa, estratégia segundo ele adotada por muitas revistas científicas internacionais

"para buscar seu espaço dentro do cenário da comunicação científica e competir pela atenção dos meios massivos".

Na análise do autor, ao atuarem como agências de notícias, essas publicações não só fornecem aos meios a interpretação dos resultados científicos, sob os respectivos juízos de valor, como também proporcionam os "ganchos" para tornar a informação atrativa. Para Sabbatini (2004, p.240), a tendência a absorver esse material "empacotado" reduz "as possibilidades de investigação cética", ao favorecer a adoção da linguagem e do conteúdo próprios do emissor.

Verifica-se, assim, um longo caminho até a prática do entendimento de Loose e Girardi (2009, p.13), quando estabelecem cidadania e ética como palavras-chave no jornalismo e na educação, ambas atividades sociais estreitamente relacionadas, na visão das autoras, e cujos pressupostos, no recorte ambiental, "garantem a possibilidade da construção do pensamento complexo, holístico, concordante com a Ecologia Profunda".

A esfera midiática abrange valores culturais, políticos, econômicos e sociais, de modo a ampliar o debate das temáticas ambientais para além do meio escolar formal, o que, segundo Loose e Girardi (2009, p.13), confere ainda mais responsabilidade à imprensa como agente de transformação, ao "realizar coberturas sistêmicas e continuadas, que levem aos cidadãos pontos de reflexão sobre as relações entre seus modos de viver e a crise atual".

Desta forma, apesar do longo caminho a percorrer em busca de uma cobertura sobre temas ambientais de caráter pedagógico – e portanto transformador –, a produção noticiosa mediada sob parâmetros de competência ética, na esfera do ensino formal ou não, se revela um potencial instrumento de valorização, estímulo e preparo ao exercício pleno da cidadania.

4 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE

A dimensão pedagógica do jornalismo, efetivamente apropriada de forma prática em ações educacionais, vem sendo objeto de estudo de correntes de investigação que, no Brasil, adotaram predominantemente as nomenclaturas de

"educomunicação", "mídia-educação" ou "comunicação/educação", aludindo à inter-face entre os campos. A primeira terminologia vigora sobretudo no âmbito da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), que já instituiu o curso de licenciatura em Educomunicação, assim como a Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba, foi pioneira nessa oferta, no caso com o curso de bacharelado.

Sartori e Soares (2005, p.8) apresentam quatro áreas de intervenção sistematizadas no que concerne à abrangência da educomunicação. A primeira se volta à educação para a comunicação, de modo a refletir sobre os impactos e influências dos media, "na relação entre os pólos do processo de comunicação (estudos de recepção)" e, na esfera pedagógica, sobre os "programas de formação de receptores autônomos e críticos frente aos meios". A segunda observa o que as autoras situam como mediação tecnológica na educação, compreendendo "os procedimentos e as reflexões em torno da presença e dos múltiplos usos das tecnologias da informação na educação" (SARTORI; SOARES, 2005, p.8).

A terceira área de intervenção, apontam, diz respeito à gestão comunicativa, ou seja, se dirige ao planejamento e execução dos processos que se articulam no bojo da Comunicação/Cultura/Educação. Contempla, por exemplo, a estruturação de relações entre professores e alunos e entre a escola e a comunidade onde está inserida.

Por fim, como quarta e última área de intervenção, Sartori e Soares (2005, p.9) colocam a reflexão epistemológica que, encarando a interface entre comunicação e educação como "fenômeno cultural emergente", estimula projetos de pesquisa a legitimarem o novo campo e investigações sobre as vertentes que o compõem.

Já Mostafa (2002, p.16) posiciona o campo como um espaço episternológico de intersecção entre a educação e a comunicação social, que abrange áreas como a educação para a comunicação – estudos de audiência, teorias da recepção etc. – e, mais recentemente, a mediação das tecnologias na educação, dada a ampliação desse universo pelas redes telemáticas.

Porém, registra Machado (2008, p.4) que existem concepções de análise variáveis para cada nomenclatura, "não sendo próximas ou convergentes em todos os casos".

O termo "educomunicação" não é recente, como mostra Citelli (2006a, p.1), ao citar que Mário Kaplún15 já o utilizava nos anos 80. Porém, foi sendo ampliado e reformulado, "seguindo novas direções e ganhando espaços em diferentes instituições de ensino e pesquisa".

Nesse campo cujo nascedouro, para o autor, decorreu dos imperativos de uma nova ordem histórica, social, cultural e econômica, a interface entre comunicação e educação cria

um outro espaço de intervenção social e de um novo agente de formação que pode atuar em lugares consagrados como a sala de aula ou nos descentramentos possibilitados pela elaboração de softwares educativos, na formatação de programas de educação à distância, na discussão da telenovela, na montagem de programas de rádio, na redação do texto jornalístico, etc. (CITELLI, 2006a, p.2).

Nesse panorama, expõe, a figura do educomunicador não se restringe ao professor atuante na escola, podendo representar também o "jornalista, o realizador de um programa de educação à distância, o idealizador de um software interativo que permita acesso a temas de interesse tópico ou transversal" (CITELLI, 2006a, p.2).

Verifica-se, na prática, o terreno da interdiscursividade, colocada por Soares (1999, p.54) como o "mais importante e decisivo eixo construtor" do campo epistemológico, nascido dos "círculos complexos de intersecção" entre comunicação e educação, no "espaço multimodal da cultura de massa" (p.51).

Schmidt (2006, p.1) assinala que a mídia ocupa cada vez mais um espaço educativo anteriormente preenchido, em grande parte, pela família, a Igreja e a escola. Acentua, porém, que, no cenário de reflexões pós-modernas, em que vem à

15 "Argentino de nascimento, uruguaio por opção, venezuelano por acolhimento durante o exílio político", segundo colocam Meditsch e Betti (2008, p.2), Mário Kaplún (1923/1998) foi "professor, pesquisador, dramaturgo, jornalista, publicitário, autor de obras de referência em comunicação e, como o definem alguns dos estudos bio-bibliográficos, 'radioapaixonado'; artífice da educomídia, intelectual orgânico" – para os autores, "um homem além de seu tempo". (MEDITSCH, Eduardo; BETTI, Juliana Gobbi.

Mario Kaplún: teoria e técnica radiofônica a serviço da emancipação latinoamericana. XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Natal (RN): Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdis-ciplinares da Comunicação, 2008. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/

papers/nacionais/2008/resumos/R3-1473-1.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2011).

tona "o questionamento dos limites e da gênese das certezas universais e imutáveis", se estabelece a necessidade de entender a mídia como um espaço de educação. Para a autora, a mídia cria e reproduz um discurso pedagógico não só quando fala em escola, em corpos discentes e docentes, mas também ao assumir enunciados educativos que regulam ações e pensamentos da sociedade além das paredes dos estabelecimentos de ensino.

Ao captar a audiência para "a construção do nosso modo de ser", a cultura da mídia gera "efeitos na produção de subjetividades e identidades sociais", razão pela qual, coloca Schmidt (2006, p.2), "não temos mais como dar as costas àquilo que crianças e jovens estão aprendendo também fora da sala de aula".

É um movimento compartilhado no domínio do ensino formal, como aponta Citelli (2006b, p.161), quando vê na sala de aula um "espaço cruzado por mensagens, signos e códigos que não se ajustam ou se limitam à tradição conteudística e enciclopédica que rege a educação formal", na medida em que:

Os deslocamentos e crescentes processos de integração entre os media, com a televisão, a internet, os jogos eletrônicos, o rádio, acentuam e intensificam as migrações do conhecimento e da informação, facultando ao sensorium dos jovens vivenciar experiências de linguagem que não se bastam e tampouco se confinam à tradição verbal (CITELLI, 2006b, p.161).

Reportando-se exclusivamente ao conceito de mediação escolar, Orofino (2005, p.65) demonstra que, nos estabelecimentos de ensino, se entrelaçam mediações para além da institucional. As "múltiplas possibilidades de negociação de sentido", afirma, advém da superposição entre a escolar e outras duas mediações: situacional e individual.

Segundo a autora, a produção de novos sentidos sobre os produtos midiáticos consumidos por jovens e crianças todos os dias se dá nos pátios das escolas, durante jogos, brincadeiras e conversas informais, daí transcorrendo-se a mediação individual, efetivada nas trocas pessoais e intersubjetivas.

Motivados por assuntos que vão desde um atentado ou uma tragédia até o último capítulo da novela, "todos comentam, interferem, dialogam e trocam saberes e opiniões", de modo a ressemantizar aquilo que a mídia coloca na agenda do debate social. Mas, na visão da autora, a escola subestima esse papel, relegando-o ao "espontaneísmo do dia-a-dia, sem potencializar sua condição de mediadora e

sem assumir a responsabilidade sobre isso" (OROFINO, 2005, p.65). Desta forma, explica, a escola transforma-se muito mais num espaço de mediação situacional do que institucional, haja vista esse processo acontecer com mais freqüência em seus pátios e corredores do que propriamente dentro das salas de aula.

Registra Orofino (2005, p.66) que várias escolas já adotam iniciativas de usos dos meios no contexto pedagógico, uma prática para a qual, defende, não existem fórmulas ou receitas prontas. O fundamental, a seu ver, é a abertura para experimentar, com a consciência dos eventuais riscos a serem trabalhados e transpostos no decorrer da "criação de novos caminhos".