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Embora a expressão "desenvolvimento sustentável" tenha sido cunhada no início dos anos 1980, a gestação de seus pressupostos pode ser verificada pelo menos uma década antes. Tayra (2002) é um dos autores a apontar que a conexão entre o modelo de produção e consumo ainda hoje vigente e o esgotamento dos recursos naturais ganhou amplitude e visibilidade em 1972, com o lançamento do relatório "Limites do Crescimento". O estudo foi encomendado pelo Clube de Roma10 a uma equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, conforme resume Tayra (2002), antecipou um possível colapso do ecossistema global a partir de cinco parâmetros: industrialização acelerada, forte crescimento populacional, insuficiência crescente da produção de alimentos, esgotamento dos recursos naturais não renováveis e degradação irreversível do meio ambiente.

O próprio Clube de Roma avalia que "Limites do Crescimento" colocou o tema "no topo da agenda global" e, em seu portal, dimensiona a repercussão por ele alcançada à época: "Com o foco na visão de longo prazo e cenário provocativo, o relatório vendeu mais de 12 milhões de exemplares em cerca de 30 línguas em todo o mundo".

As reações ao estudo não foram unanimemente favoráveis. Tayra (2002) aponta perplexidade do grande público e de cientistas que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, habituaram-se a "a escutar hinos de louvor ao crescimento econômico e à sociedade de massas". Giddens (2010, p.86), por sua vez, ressalva que, "apesar de ter sido submetido a numerosas críticas", a "ênfase geral" do relatório é "hoje largamente aceita".

Ainda em 1972, aconteceu a Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, já citada no capítulo anterior, no curso da qual se elaborou a Declaração sobre o Ambiente Humano voltada a "estabelecer uma visão global e princípios comuns, que

10 O Clube de Roma nasceu em abril de 1968 como um pequeno grupo internacional de profissionais das áreas da diplomacia, da indústria, academia e sociedade civil que se reuniu em Roma para

"discutir o dilema de o pensamento dominante de curto prazo nas relações internacionais e, em particular, as questões relacionadas com o consumo de recursos ilimitados em um mundo cada vez mais interdependente". Hoje, tem mais de 30 Associações Nacionais em todo o mundo, das quais participam "mais de 1500 pessoas comprometidas", dos cinco continentes. (Disponível em:

<www.clubofrome.org>. Acesso em: 17 maio 2011).

sirvam de inspiração e orientação para guiar os povos do mundo na preservação e na melhoria do meio ambiente".

Conforme Leis (1999), foi o secretário geral da Conferência de Estocolmo, Maurice Strong, quem usou pela primeira vez a palavra "ecodesenvolvimento" no sentido de um modelo ecologicamente norteado e capaz de balizar os trabalhos do então recém-criado Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Porém, ainda segundo o autor, os princípios básicos do conceito foram elaborados por Ignacy Sachs com abrangência de aspectos não estritamente ambientais, a exemplo da satisfação das necessidades humanas básicas, a solidariedade com as gerações futuras, a participação da população envolvida e o respeito às culturas nativas.

Era a formulação embrionária da expressão "desenvolvimento sustentável"

que, sob parâmetros globais, surgiu em 1987 no relatório "Nosso futuro comum", da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU e presidida pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, razão pela qual o trabalho tornou-se conhecido também como "Relatório Brundtland".

Giddens (2010, p.86) detecta significativa semelhança entre seu alerta e o propagado pelo Clube de Roma ao colocar que, em ambos, "o texto concentrou-se na possibilidade de a indústria moderna estar esgotando seus insumos numa velocidade alarmante", quadro de manutenção impraticável sem grandes mudanças.

O autor resume a definição de desenvolvimento sustentável disseminada pela Comissão, como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações atenderem a suas necessidades e lembra que, na Cúpula da Terra, conferência da ONU realizada no Rio de Janeiro em 1992 – também comentada no capítulo anterior –, os participantes endossaram uma declaração enumerando 27 princípios do desenvolvimento sustentável, com a recomendação de que todos os países investissem em estratégias voltadas a cumpri-los.

Para Castells (1999, p.141), a "possibilidade real de desenvolvimento sustentado para cada país, cidade ou região" se transformou num debate em vários níveis, lançando um novo olhar sobre a "velha oposição simplista entre os conceitos de desenvolvimento para os pobres e preservação para os ricos".

Mas Giddens (2010, p.87) registra que a expressão "desenvolvimento sustentável", embora conquistando popularidade de magnitude capaz de levá-la a

"milhares de livros, artigos e discursos", desde o início teve "detratores, cujas vozes se tornaram cada vez mais estridentes".

De fato, um dos argumentos sobre os quais se fundamenta ao menos parte da descrença relacionada a esse novo modelo levanta o que Giddens (2010, p.88) chama de "significados meio contraditórios": "'sustentabilidade' implica continuidade e equilíbrio, enquanto 'desenvolvimento' implica dinamismo e mudança".

Essa visão encontra respaldo em Boff (2006, p.6), para quem "'desenvolvimento' e 'sustentabilidade' representam lógicas opostas"; os encara como "termos contraditórios"

e, mais além, defende que "a expressão 'desenvolvimento sustentável' como proposta global para sairmos da crise mundial precisa ser revista".

Porém, conforme mostra Lima (2002, p.34), a comissão que elaborou o Relatório Brundtland já situou o desenvolvimento sustentável como um processo de mudança, em que "a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras". Em última análise, pondera a autora, o desenvolvimento sustentável depende de empenho político.

Lima (2002, p.35) assinala ainda que esse conceito apareceu justamente após a "descoberta" da crise ambiental provocada pelo sistema capitalista de produção, razão pela qual, afirma, o modelo e as políticas de desenvolvimento sustentável se traduzem na "apropriação do discurso ambiental pelo capitalismo e, ao mesmo tempo, uma das únicas formas técnicas de interferir com relativo sucesso nos problemas ambientais".

Para a autora, evidencia-se que o desenvolvimento sustentável é "uma posição ética e política comprometida com os aspectos econômicos da sociedade", se manifestando sob impulso de diferentes concepções e "com implicações políticas e econômicas próprias, que vão respaldar interesses sociais distintos" (LIMA, 2002, p.35).

Barreto (2009) também encara com certa desconfiança a lógica dos

"proponentes do desenvolvimento sustentável":

Os indivíduos trocariam seu sistema de valores associados ao consumo, as empresas trocariam seus sistemas de valores relacionados à produção e lucro, e toda a sociedade adentraria – por meio de ações orientadas por essa ética "abstratamente concebida" – em uma era de sustentabilidade e harmonia ambiental (p.13).

No entendimento do autor, a proposta demanda uma reorientação da produção, que passaria a priorizar ganhos qualitativos em detrimento da "constante expansão em termos quantitativos", voltando-se a "produtos destinados, de fato, a atender as necessidades humanas" (BARRETO, 2009, p.13). Nessa trajetória, aponta, o consumo consciente teria papel importante, além da própria mudança de consciência dos produtores.

A base do que ele chama de "nova ética" estaria, a seu ver, "na crença de que a produção, enquanto submetida à lógica própria do sistema capitalista, se curvaria aos desígnios de uma outra consciência" (BARRETO, 2009, p.14) que, sendo ecologicamente responsável, exorta rumos qualitativamente determinados para o produto social.

Para Barreto (2009, p.14), essa perspectiva atribui a solução da questão ambiental a uma "reorientação de nossos desejos" e questiona: "neste registro, basta refrearmos nosso ímpeto consumista, nossos hábitos esbanjadores, e todo o resto se reorganiza quase que automaticamente".

Tal amplitude em termos de consciência individual requer percepções ainda distantes do senso comum. Giuliani (1999) afirma que o domínio de homens e da natureza pelos meios produtivos é mais visível nos setores em que os recursos naturais são diretamente apropriados por estes, como na mineração e na agricultura.

Por outro lado, coloca o autor, a atividade industrial opera em um processo de transformação da natureza cuja complexidade, ainda que exponha as relações sociais e as "formas de exploração dos homens", "mantém invisíveis os elementos da natureza que existem em seus processos produtivos e em seus produtos" (p.14).

Nesse panorama,

É difícil para nós estar sempre conscientes de que o farto papel de que dispomos e que é indispensável para nossa vida quotidiana vem das árvores; perceber que nosso carro vem das entranhas da terra, do látex das florestas, da areia e do petróleo; pensar, a cada vez que acendemos uma luz ou utilizamos um eletrodoméstico, que a energia que os alimenta vem dos rios; ter sempre claro que nossa comida compete com as áreas de floresta, a pureza da água e a fertilidade do solo; ou que nosso transporte e nosso conforto nas cidades competem com a estabilidade climática, etc.

(GIULIANI, 1999, p.14)

Na ótica de Giuliani (1999, p.14), é recente a preocupação "pelo menos com o que vemos, de maneira que a poluição causada pelos dejetos no ar, na terra e na água já está ferindo os sentimentos no nível do senso comum".

Nesse contexto, se revela primordial a contribuição do movimento ambientalista para o disseminar de causas e efeitos dos ainda predominantes modelo de produção e padrão de consumo, ao usar de sua capilaridade e alcance – em níveis dependentes da acolhida midiática – para promover alertas nesse sentido.