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Na visão de Ribas (2008), as mudanças climáticas sintetizam a faceta mais grave do paradoxo entre a necessidade de se atingir níveis sempre maiores de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, de assegurar as condições fundamentais à vida no planeta. Expõe o autor que:

A elevação dessas emissões de gases-estufa revela a interrelação entre atividade produtiva, contribuição para o problema ambiental global e desenvolvimento econômico, tema este objeto de estudos variados e discussões de ordem política que têm permeado as negociações climáticas envolvendo grande maioria dos países e diversos atores (p.1).

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada no ano de 1972 em Estocolmo, Suécia, é apontada como um marco de referência da inserção das questões ambientais na pauta internacional. O evento, de que participaram representantes de 113 nações, levantou com ineditismo debates quanto aos impactos que mesmo decisões locais poderiam acarretar sobre o meio ambiente em escala global. E, com semelhante relevância, identificou uma lacuna na disponibilidade de informações precisas e atualizadas, com base nas quais "formuladores de políticas pudessem mapear um caminho mais claro em direção a um meio ambiente mais bem administrado" (IBAMA/PNUMA, 2004).

Essa demanda, exposta com ênfase na Conferência, engendrou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), um mecanismo institucional para articular as ações da ONU nesse âmbito, formalizada em dezembro do mesmo ano, 1972.

Ribas (2008, p.41) registra que o encontro de Estocolmo produziu uma "tripla dinâmica: nacional, diplomática e jurídica". No plano nacional, aponta, a proteção do meio ambiente se institucionalizou com rapidez, sobretudo nos países do hemisfério norte. Na esfera diplomática, intensificou-se a criação de ministérios e agências especializadas. Os princípios da Conferência alimentaram, ainda, o surgimento de ONGs e a respectiva mobilização pelo cumprimento dos objetivos nele extraídos.

O autor classifica também, como resultado significativo da Conferência, a recomendação a que fossem "empreendidas as atividades necessárias para melhorar

a compreensão das causas naturais e artificiais de uma possível mudança climática"

(RIBAS, 2008, p.42).

O caráter de divisor de águas do evento e seu protagonismo na implantação de um novo modelo de relações concernentes ao cuidado ambiental receberam do PNUMA, 30 anos depois, a seguinte avaliação:

As decisões tomadas desde a Conferência de Estocolmo hoje influenciam as formas de governo e atividades econômicas e comerciais em diferentes níveis, definem as leis ambientais internacionais e a sua aplicação em países distintos, determinam relações bilaterais e internacionais entre diferentes países e regiões e influenciam escolhas de modo de vida feitas por indivíduos e sociedades (IBAMA/PNUMA, 2002, p.37).

No que se refere especificamente às mudanças climáticas globais, a criação do IPCC em 1988 conferiu impulso ao critério científico esperado para balizar causas e efeitos do problema. Em 1990, primeiro Relatório de Avaliação sobre o Meio Ambiente (Assessment Report, ou simplesmente AR) trouxe à luz conclusões que atuaram como força-motriz para o estabelecimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), cuja preparação transcorreu em cinco encontros, envolvendo representantes de 150 países entre fevereiro de 1991 e maio de 1992.

A proposta se formalizou no bojo da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (chamada usualmente de Rio 92, Eco 92 e Cúpula da Terra), realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, e teve o Brasil como primeiro signatário. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (2010, p.6),

"a Convenção-Quadro é considerada um dos instrumentos multilaterais mais equilibrados, universais e relevantes da atualidade". Sem dúvida, um momento ímpar na política global relacionada ao tema, tendo em vista que o primeiro ponto do tratado é o reconhecimento, pelas partes signatárias, de que "a mudança do clima da Terra e seus efeitos negativos são uma preocupação comum da humanidade"

(ONU, 1992a).

Em linhas gerais, o tratado, ratificado no cômputo geral por 189 países, estabelece como objetivo central alcançar:

A estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita

aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável (ONU, 1992a).

Para tanto, como relata Machado Filho (2008), todos os países signatários assumiram o compromisso de efetuar inventários de suas emissões antrópicas de gases de efeito estufa; programas de mitigação e adaptação; desenvolver tecnologias para redução e prevenção de emissões; proteger seus sumidouros de carbono;

considerar a mudança do clima em políticas sociais, econômicas e ambientais;

promover pesquisa científica sobre o tema e ações no campo da educação, treinamento e conscientização.

Exclusivamente em relação aos países industrializados, reunidos no grupo denominado Anexo I, a Convenção-Quadro estabeleceu que empreendessem políticas e medidas para reduções de suas emissões de gases de efeito estufa, com o parâmetro de retorno ao nível de 1990 no ano 2000. Tal compromisso, em tese, se constituiria no exercício prático do princípio de "responsabilidades comuns, mas diferenciadas"8 acatado no encontro, partindo-se da premissa de que os países industrializados teriam a obrigação de contribuir mais efetivamente para o enfrentamento às mudanças do clima.

Contudo, o imperativo de desenvolvimento econômico se revelou, mais uma vez, obstáculo para que tal propósito fosse bem-sucedido. Conforme Giddens (2010, p.230), "os Estados Unidos e alguns outros países opuseram-se com vigor a aceitar metas obrigatórias no tocante às emissões, daí resultando que não se incluiu meta alguma no texto".

Com o início da vigência da CQNUMC, em 1994, os representantes dos países signatários passaram a se reunir anualmente nas chamadas Conferências das Partes (COP), entre as quais se destaca a terceira edição, em 1997, no Japão.

Nesta COP 3, 39 países desenvolvidos, membros da Convenção-Quadro, assinaram

8 O artigo 3 da Convenção-Quadro coloca, como primeiro princípio, que "As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos negativos" (ONU, 1992a).

o Protocolo de Kyoto, assim denominado em alusão à cidade sede do evento.

Avançando em relação aos objetivos da CQNUMC, o documento estabeleceu metas legalmente vinculantes, pelas quais os países industrializados – do Anexo I – assumiram o compromisso de reduzir suas emissões de GEE em média de 5,2%, tomando por referência os níveis destas, respectivamente, no ano de 1990.

Com a entrada em vigor do Protocolo apenas em fevereiro de 2005, por força da necessidade de acolher, como signatárias, 55 das nações mais desenvolvidas, responsáveis por pelo menos 55% das emissões de GEE advindas de países industrializados, na prática, pouco se conseguiu, segundo avalia Giddens (2010). Ao destacar os esforços da União Européia, o autor afirma que "alguns países-membros caminham para o cumprimento das metas, porém a maioria continua lutando" (p.233).

Claramente, verifica-se o conflito entre o desenvolvimento econômico e o princípio da precaução, presente na Convenção-Quadro ao estabelecer que:

As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível (ONU, 1992a).

De fato, enquanto as partes do Anexo I com economias em transição tiveram suas emissões de GEE reduzidas em 48,5%, no período de 1990 a 2008, as nações já desenvolvidas contabilizaram um aumento geral superior a 8% (UNFCCC, 2010).

Percebe-se, ainda, que significativa parcela dos países a obter maior nível de redução constituía o bloco comunista do Leste Europeu, com indústrias pesadas de alta carga poluente, fechadas após o colapso do regime soviético (Figura 4).

FIGURA 4 - DADOS DE INVENTÁRIOS NACIONAIS DE GASES DE EFEITO ESTUFA PARA O PERÍODO 1990-2008

FONTE: UNFCCC (2010)

Nesse momento, quando os países signatários do Protocolo de Kyoto promovem debates em torno do compromisso que o irá suceder, alguns desafios persistem.

A Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS, 2008) atribui a

"deficiência básica de Kyoto" à recusa dos Estados Unidos em assumir compromissos obrigatórios de diminuição de suas emissões. E salienta as resistências em meio às

quais vêm se operando as negociações do acordo pós-Kyoto, citando países como China, Índia e o próprio Brasil, cujo crescimento acelerado está na raiz de seu significativo aumento no ritmo de emissões de GEE, ainda que figurem fora do Anexo I, ou seja, sem metas obrigatórias de reduzi-las.

No entender da FBDS (2008, p.5), "essas nações consideram o desenvolvimento econômico de suas populações uma política mais importante do que o combate ao aquecimento global".

Assim, os resultados pífios observados, de modo geral, pelas unilaterais adesões de governos a tratados internacionais, atestam a importância de se construir, em paralelo, uma nova lógica comportamental, em que efetivamente haja o engajamento da sociedade. Owen (2009) ilustra as razões do insucesso do Canadá em cumprir suas metas de redução nas emissões de gases de efeito estufa afirmando que:

A explicação para as dificuldades do Canadá não é complicada: a principal fonte dos gases que provocam o efeito estufa de origem humana no mundo sempre foi a prosperidade. A recessão torna essa relação fácil de ver: fábricas com a produção parada não vomitam dióxido de carbono; os desempregados dirigem por menos milhas e regulam para temperatura mais baixas suas calefações, ar condicionados e aquecedores de piscina; corporações lutando pela sobrevivência e famílias reduzem as viagens aéreas; mesmo as pessoas de mais posses compram menos lixo descartável (OWEN, 2009).

Pinto (2010, p.2) cita o Plano de Transição para fazer do Reino Unido um país de "baixo carbono" (2009), mostrando que, entre os cinco pontos sobre os quais se alicerça, consta o apoio a indivíduos, comunidades e empresas para desempenhar o seu papel no combate às alterações climáticas, a partir da redução das próprias emissões de gases de efeito estufa e do planejamento para a adaptação aos impactos do problema, no que a autora chama de "exortação emblemática da importância de que toda a sociedade se agregue a essa missão". É uma tarefa que, como se verá a seguir, vem sendo facilitada pela maior visibilidade conferida pela mídia aos desafios das mudanças climáticas.