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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Internacionalização: perspectiva histórica, conceito e estratégias

2.1.2 Conceito e estratégias

Com as transformações da sociedade, advindas principalmente do processo de globalização, observamos também as transformações no ensino superior e o crescimento do debate acerca da internacionalização. A multiplicação das universidades, que resultou na democratização do acesso e na universalização do ensino superior, num mundo cada vez mais intercultural e interdependente, a internacionalização do ensino e da produção do conhecimento se amplia. Ademais, as iniciativas de integração regional e, consequentemente, de busca de uniformização dos quadros legais dos países-membros conduzem a intensificação desse processo.

Hoje, a internacionalização vem sendo colocada como o quarto pilar de atuação da universidade, junto com o ensino, as atividades de pesquisa (científicas) e de extensão18 (que resultam em maior aproximação com a sociedade) (NETTO, 2011; SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012). É com o fortalecimento dessa sua quarta missão que a universidade está respondendo aos desafios do mundo contemporâneo.

Segundo Knight (2004), internacionalização é “o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global aos objetivos, funções e oferta da educação superior.” (2004, p. 11). Ainda segundo a autora, há diferentes maneiras de interpretar o termo de acordo com a abordagem dada, pois a internacionalização é interpretada e usada de maneira ampla e abrangente, “não se limita a um determinado conjunto de atividades ou programas internacionais, tais como a mobilidade, a cooperação para o desenvolvimento, a pesquisa, o desenvolvimento curricular, ou o comércio.” (KNIGHT, 2005, p. 5). Para Maringe e Foskett, a internacionalização da educação superior constitui-se em um grupo de respostas estratégicas à globalização (2012, p. 2). Altbach, Reisbert e Rumbley também concordam que a internacionalização é uma “variedade de políticas e programas que universidades e governos implementam para responder à globalização” (2009, p. 5).

Teichler (2004) conceitua internacionalização como um fenômeno em que se observam crescentes atividades além-fronteira entre os sistemas nacionais de educação superior, sendo frequentemente discutida em relação à mobilidade física, à cooperação acadêmica e à transferência de conhecimento científico. Bartell (2003) adverte que há uma variedade de entendimentos, interpretações e aplicações para a internacionalização, desde

18 O caput do art. 207 da Constituição Federal dispõe da seguinte forma acerca dos pilares da universidade: “Art.

207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

uma visão minimalista e instrumental, como obtenção de financiamento externo para programas no exterior, por meio de intercâmbio internacional de estudantes para a realização de pesquisa científica em nível internacional, até uma visão mais complexa, que abrange o processo político integrante que permeia a vida, a cultura, o currículo e o ensino, e também as atividades de pesquisa da universidade e seus membros.

Entendemos que a internacionalização é o processo de integração de uma dimensão internacional à educação superior e apresenta uma dimensão nacional e uma institucional, podendo se manifestar sob diversas formas. Contudo, acreditamos que esse processo não nasceu com a globalização, como defendem alguns autores, mas apenas se intensificou a partir do século XX, ganhando novos contornos.

Alguns dos principais argumentos levantados para a proposição da internacionalização são: busca por enriquecimento intelectual e por novos saberes, competitividade, melhoria da qualidade do ensino, necessidade de formação holística voltada para o mercado de trabalho global (em contraposição ao paroquialismo local), parcerias estratégicas para redução de custos e obtenção de avanços, complementaridade da pesquisa, inovação e redução da endogenia.

O processo de internacionalização é feito em âmbito nacional, com políticas top-down e bottom up no âmbito institucional. Em regra, para a internacionalização, é preciso uma combinação da atuação desses dois níveis de atores. No nível nacional, podem atuar o governo federal, organismos internacionais, organizações não governamentais e empresas. Em termos de políticas públicas, a competência para atuação é do governo federal. Há uma grande atuação de órgãos estatais, por meio de agências de fomento, principalmente em países que estejam buscando fortalecer esse processo. Todas as iniciativas voltadas para o ensino, o financiamento de ciência, tecnologia e inovação, a avaliação, a regulação, a acreditação e o aperfeiçoamento são abrangidas por essas políticas. Institucionalmente, a atuação é mais individualizada e as universidades e institutos de pesquisa (principais representantes desse grupo) desenvolvem suas políticas de maneira singular. Há instituições que dispõem de metas, diretrizes, planos de ação, políticas de fomento à mobilidade, orçamento alocado para a internacionalização e assessorias internacionais ativas e participantes que operam nesse segmento. Outras, contudo, não contam com esses mecanismos, e as ações passam a ter caráter mais pessoal, dependendo do interesse dos estudantes e professores.

Em The costs and benefits of World-Class Universities, Philip Altbach (2003) defende que, em nível institucional, é preciso buscar a formação do que ele chama de World-Class

Universities – universidades que têm um padrão de excelência internacional. Segundo ele, as principais características de uma instituição de standard internacional seriam as seguintes:

pesquisa de excelência – reconhecida pelos pares (medida e publicada). Para isso, professores de qualidade precisam ser atraídos não só por meio de remunerações recompensadoras, mas também por meio de condições favoráveis de trabalho;  liberdade científica, autonomia acadêmica e atmosfera desafiante. Nesse espaço,

professores e alunos têm liberdade para atuar de maneira imparcial e meritocrática, sem receio de censura ou repressão;

 governança – com estruturas sólidas e consolidadas. Há autogovernança, por meio de regulamentos e estatutos consistentes, que permitem administração permanente e estabilidade;

 infraestrutura e instalações adequadas – com laboratórios, bibliotecas e recursos tecnológicos que permitam a pesquisa;

 financiamento – essencial para o fomento da pesquisa e do ensino e a manutenção da instituição de maneira geral.

Altbach (2003) argumenta ainda que o debate acerca da excelência universitária é bastante pertinente e fundamental para que melhorias possam ser alcançadas. Ele adverte, contudo, que não é fácil alcançar esse nível e tampouco é fácil mensurá-lo. Ademais, as diferentes instituições podem apresentar grupos de excelência e alguns aspectos fortes, mas não necessariamente todas as características de uma World-Class University. Ele alerta ainda que a busca por esse status e a construção de uma elite científica podem prejudicar outros financiamentos com a mesma relevância ou restringir o acesso democrático ao ensino superior. O importante é que seja dada atenção à melhoria dos padrões acadêmicos para que recursos sejam alocados de maneira a buscar um sistema internacional de ensino superior.

Diversas são as formas pelas quais esse processo de internacionalização pode ser concretizado: mobilidade estudantil (com a ida de estudantes nacionais para outros países e o recebimento de estrangeiros nos campi nacionais); atração de professores estrangeiros para integração do corpo docente ou mesmo para atuação como visitantes, ministrando disciplinas, cursos monográficos, seminários, palestras e ateliês; fomento a parcerias universitárias; financiamento de projetos conjuntos de pesquisa entre universidades nacionais e estrangeiras; formação multinacional de corpo editorial e conselho científico de revistas; presença de professores estrangeiros em bancas de defesa de dissertações e teses; abordagem curricular

internacional; apoio à participação em congressos internacionais para apresentação de comunicações e resultados de pesquisa, dentre outras.

Em relação às estratégias, uma das mais disseminadas é a mobilidade, a qual não é criação do mundo contemporâneo, mas nasce com o próprio estabelecimento das instituições de ensino. Essa é a primeira manifestação de internacionalização. Almejava-se, por um lado, a complementação e o aperfeiçoamento na formação; por outro, buscava-se também o compartilhamento do conhecimento e da informação. Se no passado essas iniciativas eram individuais e pontuais, hoje, universidades e governos atuam para estruturá-las de maneira sistematizada.

O Programa Erasmus é um exemplo de massificação desse processo de apoio à mobilidade. Criado em 1987, ele visava inicialmente ao intercâmbio de estudantes e docentes no âmbito da União Europeia. Quase trinta anos após seu estabelecimento, o programa já ultrapassou as fronteiras do velho mundo, tomando dimensões mundiais em parcerias com os mais diversos países em todos os continentes. Na América Latina, é importante mencionar o Programa da Fundación Gran Mariscal de Ayacucho, da Venezuela, estabelecido na década de 1970 para possibilitar a ida de nacionais para estudar no exterior, e o Programa Becas Chile, iniciado a partir de 2008 (AVEIRO, 2014).

Merece destaque, nesse mesmo sentido, o Programa Ciência sem Fronteiras (CSF). Criado em 2011, o CSF é a maior e mais ambiciosa iniciativa para o fomento da mobilidade internacional financiada por um governo. No programa, há estímulo à mobilidade de pesquisadores, cientistas, estudantes de graduação e de pós-graduação, alunos de cursos técnicos e tecnólogos, pessoal das empresas, docentes e pesquisadores para períodos de intercâmbio no exterior. Uma iniciativa sem precedentes, o CSF estabeleceu como meta o envio de 101 mil estudantes e pesquisadores para o exterior em um período de quatro anos nas áreas de ciências exatas e da terra, biológicas, agrárias, da saúde e engenharias.19 Além das bolsas para ida de brasileiros para o exterior, o programa também apoia a vinda de pesquisadores estrangeiros para o país como visitantes. O objetivo dessa iniciativa é complementar a formação de estudantes brasileiros, visando, além da oportunidade de vivenciar uma nova experiência educacional que se dá em nível individual, a buscar também o desenvolvimento acelerado da tecnologia e da inovação no país, estratégia em nível nacional (AVEIRO, 2014).

19 As áreas de ciências humanas, ciências sociais aplicadas e linguística, letras e artes não foram contempladas

O CSF é um exemplo típico de atuação dos níveis nacional e institucional para o sucesso da política. Se, por um lado, a concepção, a coordenação e os investimentos são realizados pelo governo federal,20 por outro, há atuação das universidades na divulgação do programa e chancela dos candidatos inscritos para participação no intercâmbio. Ademais, no caso do recebimento dos professores visitantes, há uma grande articulação entre a universidade receptora e o pesquisador estrangeiro.21

A mobilidade em suas várias formas é um dos vetores do mundo global. Essa mobilidade não envolve apenas estudantes, mas também professores, pesquisadores e técnicos com os vários níveis de bolsas: graduação, aperfeiçoamento e capacitação, mestrado, doutorado, pós-doutorado e bolsas seniores. Ademais, ela pode ser apresentada na modalidade de realização plena da formação no exterior ou no formato parcial. Em casos de bolsas para realização parcial da formação no exterior, ela pode se apresentar em diferentes submodalidades. Há a formação sanduíche, em que o estudante/pesquisador realiza um estágio no exterior, podendo ou não cursar disciplinas, a depender do nível e também da universidade receptora. Nos casos de graduação sanduíche, é bastante comum a participação em aulas; já no caso da pós-graduação, o mais comum é a presença apenas no laboratório. Há ainda o duplo diploma ou o diploma conjunto. Nessas duas submodalidades, há bastante coordenação entre as instituições participantes, haja vista que o aluno recebe o diploma das duas instituições – no primeiro caso, o estudante recebe um diploma de cada uma das duas instituições; no segundo, o estudante recebe um único diploma emitido por ambas as instituições. Em ambos os casos, há um acordo de cooperação entre as duas instituições e o aluno, em regra, realiza metade da formação em cada instituição, sendo matriculado em ambas. Essas submodalidades podem ser realizadas tanto em nível de graduação como de pós- graduação. No caso da pós-graduação, além de acordo prévio entre as instituições, há, ainda, a necessidade de formalização de um acordo específico para cada estudante, pois procedimentos como local de realização da defesa, língua a ser utilizada na redação da tese e composição da banca precisam ser previamente acordados.

Em regra, há financiamento externo à universidade para que esses intercâmbios ocorram por meio de bolsas de estudo de agências de fomento federais e estaduais ou de

20 O setor privado também foi convidado a participar do programa por meio do financiamento de parte das

bolsas. Empresas privadas acordaram a concessão de recursos para o financiamento de 26 mil bolsas.

21 Em 25 de junho de 2014, foi anunciada a segunda fase do Programa Ciência sem Fronteiras, com objetivo de

enviar mais 100 mil bolsistas para o exterior a partir de 2015. Informações disponíveis em: <http://www.capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/7030-governo-anuncia-mais-100-mil-bolsas-de-estudo- na-segunda-fase-do-programa-ciencia-sem-fronteiras>. Acesso em: 8 fev. 2015.

fundações privadas sem fins lucrativos de amparo à pesquisa. Embora haja esse financiamento exterior, a universidade é protagonista nas tratativas e alocação dos bolsistas. Além dos ganhos individuais, que são inegáveis, há ainda ganhos institucionais, uma vez que nas modalidades parciais há envolvimento também do orientador brasileiro para o intercâmbio e, em submodalidades com cotutela, há o envolvimento da área internacional da instituição. Se, por um lado, é necessária sintonia científica entre as duas instituições, por outro, esses mecanismos ajudam a fortalecer o relacionamento científico e a formação de redes de cooperação, em um círculo virtuoso bastante positivo.

Todas as modalidades podem ocorrer nos dois sentidos – envio de nacionais para o exterior e recebimento de estrangeiros no país. Assim, a atração de estudantes e professores para as universidades nacionais também é uma forma bastante usual de proporcionar a internacionalização. Normalmente, os estudantes são responsáveis pela sua própria inscrição, acompanhada da chancela da sua universidade de origem, quando for o caso. Já no caso dos professores, em regra, os procedimentos são realizados pela instituição/departamento que recebe o convidado.

Além das modalidades individuais, há também financiamento de projetos conjuntos de pesquisa que envolvem grupos de pesquisadores em instituições de dois ou mais países. Nesses casos, o financiamento é focado na pesquisa, podendo também haver mobilidade estudantil dentro do desenvolvimento do projeto e de reuniões e missões dos grupos participantes.

Além das estratégias de apoio à mobilidade e financiamento de pesquisa conjunta que são fortemente fomentados pelas agências, é indispensável o desenvolvimento institucional para o estímulo à internacionalização. Nesse caso, os programas são concebidos e executados em nível institucional. A existência de assessorias internacionais ou escritórios administrativos para a gestão das atividades de internacionalização é fundamental. São necessárias também atividades de recrutamento e capacitação da equipe que compõe essa célula. Muitas vezes, há estabelecimento de parcerias informais por professores e laboratórios. Outras vezes, são assinados acordos institucionais com parcos avanços. Nesses casos, a atuação das assessorias auxilia na formalização da parceria para que ela se fortaleça ou para que se criem oportunidades que levem à concretização dos acordos vigentes A assinatura de acordos demonstra a intenção de cooperação e aumenta a visibilidade das instituições, mas para a construção de parcerias sólidas é preciso que haja avanço e iniciativas concretas visando à colaboração.

A infraestrutura da universidade para o recebimento do estrangeiro é outro elemento basilar. Os campi precisam estar preparados para acolher esses estudantes. Além de moradia adequada, é preciso que haja um centro de apoio ao estudante/pesquisador estrangeiro para que sua estadia seja profícua. Laboratórios de línguas são essenciais para a capacitação de estudantes nacionais em outro idioma e de estrangeiros no idioma local. Em muitos países, a barreira linguística se mostra um grande entrave para o avanço na cooperação internacional ou para publicação em revistas de excelência.

Elemento de igual relevância é a internacionalização do currículo universitário. Principalmente no caso da graduação, as universidades precisam estar preparadas para a incorporação ao currículo do estudante da experiência realizada no exterior. Muitas vezes, a rigidez normativa prejudica a mobilidade.

Dentre os elementos levantados, acreditamos que as ferramentas que envolvem a colaboração por meio do financiamento de projetos conjuntos de pesquisa são as que apresentam maior probabilidade de formação de redes e constituição de parcerias sólidas. Nesse sentido, a cooperação educacional, científica e tecnológica tem papel central na consolidação da internacionalização.