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O Conceito de Kotodama em Religiões Derivadas da Oomoto: Igreja Messiânica Mundial e

CAPÍTULO 3 – RELIGIÃO MESSIÂNICA: INTERAÇÃO DE TENDÊNCIAS DIVERSAS 132 

3.1.3 O Conceito de Kotodama em Religiões Derivadas da Oomoto: Igreja Messiânica Mundial e

O conceito de kotodama presente em religiões derivadas da Oomoto é explorado de forma distinta conforme o enfoque doutrinário original de cada organização religiosa e conforme a articulação teológica feita por seus missionários. No caso da Igreja Messiânica o conceito existe, contudo, o termo kotodama foi traduzido por “espírito das palavras”. Na Arte Mahikari, usa-se o empréstimo kotodama e são vários os corpus coletados sobre o assunto.

3.1.3.1 Igreja Messiânica Mundial

Meishu-Sama – fundador da Igreja Messiânica Mundial – ingressou na religião Oomoto em 1920 e afastou-se em 1934. Durante aproximadamente quinze anos de contato com esta religião, ele absorveu várias idéias, teve muitas experiências e foi uma das pessoas que promoveu a atividade da (Editora) Meikosha, uma atividade artística vinculada à religiosidade popular da Oomoto. A Meikosha foi fundada em 1927 e, dentre suas ações, destaca-se a publicação do periódico Meiko. Segundo Kamata (1993, p.6 vol.1), a experiência como dirigente da Meikosha possibilitou muitos dos feitos realizados já como Fundador da IMM. As perseguições sofridas pela Oomoto levou ao fechamento da Meikosha, mas pode-se dizer que a visão artística da Oomoto foi transmitida a Meishu-Sama e tomou novos formatos.

Em 1930, ele criou a Associação Ten’nin, em que realizava sessões de poesia kanku humorística e, no ano seguinte, fundou a Associação Zuiko em que promovia sessões de poesia tanka e publicava revistas literárias.

Meishu-Sama compôs cinco mil e quinhentos poemas, tendo editado uma coletânea de tanka intitulado Gosanka em 1948 em cujo prefácio explica sua intenção teológica e a relação com o kotodama (KAMATA, 1993, p. 9-10):

Como vocês sabem, desde antigamente, existe na literatura japonesa uma forma poética muito peculiar denominada waka que possui uma força misteriosa, capaz de mover o sentimento das pessoas mais do que se pode imaginar.

Somente com trinta e uma sílabas, consegue expressar significados que mil palavras, às vezes, não traduzem.

Daí a razão de eu ter escolhido alguns salmos para publicar, dentre os muitos que fiz, enquanto meditava sobre questões referentes ao caminho do homem ou relacionadas a Deus.

Eu não sou poeta profissional. Então procurei compor, na maioria das vezes, com a máxima naturalidade, considerando apenas o que sentia.

Unicamente cuidei da clareza para que os poemas fossem de fácil compreensão. Sempre mantive, contudo, alto nível de dignidade poética no tratamento dos assuntos. Procurei também, dentro da maior atenção possível, ressaltar a beleza do kototama (SAMA, 2003, p.13).

A atividade literária de Meishu-Sama é retrato do seu grande interesse pelas palavras. Dentre suas características, percebe-se que a literatura foi um meio para desenvolver sua atividade religiosa e/ou teológica conforme expressa o trecho “Daí a razão de eu ter escolhido alguns salmos para publicar, dentre os muitos que fiz, enquanto meditava sobre questões referentes ao caminho do homem ou relacionadas a Deus” (SAMA, 2003, p.13).

Kamata (1993, vol.1, p.10-11) apresenta quatro salmos de Meishu-Sama que abordam a idéia de kotodama. Através da análise de determinadas expressões, o autor aponta a diferença de enfoque do Fundador conforme a época em que os poemas foram compostos.

Divide em poemas da fase em que professava a Oomoto e conduzia a Meikosha e poemas pós-Oomoto. Os da primeira fase têm o tom omotano marcado pelo kotodama como prática espiritual que, através das palavras, visava ao movimento de yonaoshi (reformulação do mundo) e que posteriormente é ressignificado pelo próprio Meishu-Sama como Paraíso Terrestre – um dos pilares da doutrina messiânica.

Em oposição a esta visão e forma de lidar com o kotodama, características da fase omotana, Meishu-Sama compôs poemas em que há uma consciência da importância da reflexão na escolha e no uso das palavras. Palavras que não estão impregnadas de makoto puro e belo, ao contrário, são capazes de produzir uma variedade de prejuízos e problemas. Isto é, após seu desligamento da Oomoto, nota-se uma mudança no conceito de kotodama de Meishu-Sama. Contudo, um ponto importante a ser observado é que sua teoria do kotodama não é uma abstração lingüística, mas sim fundamentada em atividade prática e concreta assim como são as terapias, poemas waka e predições (KAMATA, 1993, vol.1, p. 10-11).

A premissa básica da teoria do kotodama é que as palavras têm poder vital e espiritual e sua ação é capaz de alterar a realidade. Neste sentido, tanto as orações quanto as maldições influenciam e modificam a realidade.

No caso de Meishu-Sama, observa-se uma espécie de utilização e/ou manipulação das palavras para fins terapêuticos. Há registros de que Meishu-Sama praticava o johrei por intermédio do kotodama e isso demonstra uma particularidade de sua atividade religiosa. O trecho abaixo, extraído de sua obra biográfica, descreve esta peculiaridade:

Um pouco mais adiante, por volta de 1932, estendia-se a palma da mão em direção da pessoa e entoava-se em silêncio, três vezes, a oração da contagem dos números sagrados. Outra forma consistia em escrever-se no ar, com o próprio dedo, a certa distância da pessoa: “Que esse interior seja purificado”, e outras palavras desse gênero. Às vezes, utilizava-se, paralelamente, o poder do Espírito da Palavra. Por exemplo: no caso de uma pessoa com dor de cabeça, falava-se: “Dor de cabeça,

deixe esta criatura”, e dava-se um sopro (FUNDAÇÃO MOKITI OKADA, 1985, p.330).

No ensinamento “A respeito do espírito das palavras”, publicado em 1950, ele explica que o conteúdo da Bíblia “No princípio era o Verbo” refere-se à ação do espírito das palavras, isto é, ao kotodama. O Fundador explica o conceito de kotodama dentro da trilogia

sonen, kotodama e kodo (pensamento-palavra-ação). Cada um destes conceitos habita mundos

distintos e o kotodama situa-se entre o espírito e a matéria, ou seja, exerce a função de mediador entre o sonen e a ação. Por este motivo, o Fundador ressalta a importância do

kotodama acrescentando que sua força pode ser benigna ou maligna. A base do kotodama do

bem, segundo o Fundador, é o sentimento de makoto proveniente de Deus. Conclui então que somente pessoas possuidoras de fé são capazes de demonstrar o verdadeiro sentimento de

makoto e, portanto, manifestar o poder virtuoso do kotodama.

O trecho abaixo apresenta uma análise do kotodama da palavra dori:

A essência da fé, em última análise, é a obediência ao dori (Caminho Perfeito106). O termo dori é constituído de do e ri: do é o mesmo que miti, ou seja, caminho; ri significa lógica. Não existe palavra tão significativa quanto miti. Pela ciência do espírito das palavras, mi é água, matéria, e ti é sangue, espírito; mi também significa negativo, e ti, positivo (...) (FUNDAÇÃO MOKITI OKADA, 1991, p.278).107

Em outro ensinamento, o Fundador se refere ao poder do kotodama ao conclamar os fiéis a lerem a coletânea de poemas de sua autoria intitulada Yama to Mizu (Monte e Água) cujos conteúdos são repletos de Verdade, Bem e Belo o que, segundo ele, faz com que os leitores se elevem mais facilmente por meio da Arte pois a “alma vai sendo polida

106

Embora fuja ao escopo da pesquisa, tenho dúvidas quanto à tradução do termo dori como “caminho perfeito”.

107

imperceptível e prazerozamente”108. Acrescenta ao final que tem como objetivo “desenvolver a fé também por meio do poder do espírito das palavras” (FUNDAÇÃO MOKITI OKADA, 1991, p. 355)109.

3.1.3.2 Arte Mahikari110

Goseigen (御聖言), literalmente palavra sagrada, é o título do livro que contém as

Revelações Divinas transmitidas pelo Deus Su a Kotama Okada, fundador da Sekai Mahikari Bunmei Kyodan em 1959. Segundo Kotama, “o Goseigen está repleto de ensinamentos vastos e profundos que poderiam preencher um livro enorme, se fossem explicadas cada palavra, cada frase. Em princípio, a verdadeira compreensão do Goseigen será obtida somente quando se tiver pelo menos assistido seminários básico, intermediário e superior (...)”

É interessante notar que a literatura da NRJ Arte Mahikari emprega o empréstimo

kotodama repetidas vezes enquanto a literatura messiânica111

, produzida em português pela IMMB, não faz alusão ao termo kotodama.

Considero relevante a compreensão do conceito de kotodama em religiões nipo-brasileiras visto que muitas delas optam por manter ou não a entoação de orações em língua japonesa. Opção profundamente relacionada à questão identitária.

108

Este trecho relaciona-se com o conceito de salvação através do Belo.

109

“A respeito da coletânea de poemas Yama to Mizu (monte e água)” In: Alicerce do Paraíso. São Paulo: FMO.

110

Opto por usar a expressão Arte Mahikari por compreender o conceito de kotodama dentro da doutrina sem remeter a questões de dissidências.

111

Cabe salientar que a literatura messiânica traduzida por Minoru Nakahashi, fundador do Templo Luz do Oriente no Brasil, apresenta o empréstimo do termo kototama (SAMA, 2003, p.142-143) e trechos em que Meishu-Sama tece considerações sobre palavras como hito (ser humano) e tikara (poder).

Verificar e comparar o que resta de “japonês”112 nas religiões nipo-brasileiras ressignificadas é um caminho para compreender o processo de construção identitária da religião em seus diferentes estágios de integração. Seria bem-vinda uma investigação sobre o grau de compreensão do conceito de kotodama pelos adeptos leigos da Igreja Messiânica e Mahikari, além do grau de atenção que se dispensa ao uso da língua japonesa seja na práxis religiosa seja em ocasiões de estudos sobre a religião.

Mike Day (1997), que outrora realizou estudos comparativos113 sobre a literatura messiânica da IMMB e da Mahikari focando no uso de termos e conceitos semelhantes, registra a dificuldade de compreensão do Goseigen comparativamente ao livro Alicerce do

Paraíso, que “é escrito em linguagem mais simples, compreensível a qualquer pessoa. O Goseigen, ao contrário, é escrito em linguagem bastante esotérica o que dificultou a

comparação” (DAY, 1997).