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Nomenclatura “Messiânica” e suas Especificidades 34 

CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA IGREJA MESSIÂNICA NO

1.2 INSTITUIÇÃO DE UMA NOVA RELIGIÃO JAPONESA: DE DAI NIPON KANNON KA

1.2.3 Nomenclatura “Messiânica” e suas Especificidades 34 

Como visto anteriormente, ao longo de sua constituição, a religião messiânica teve seu nome alterado algumas vezes devido a vários motivos, sobretudo àqueles ligados ao contexto japonês de repressão às NRJ.

Segundo a obra biográfica do Fundador intitulada Luz do Oriente, “com base na convicção de que o Fundador era o Messias, nossa Igreja, durante certo tempo foi denominada Igreja Messias Mundial” (ID. vol.3, 1983, p. 225-226).

Atualmente, no Japão chama-se Sekai Kyusei Kyo (世界救世教)ょ cuja tradução literal é mundo (世界); salvação do mundo (救世); e ensinamento (教). Em japonês, o sufixo

kyo (教) é usado para designar kyodan (教団) ou shukyo (宗教)29

. No Brasil, a denominação adotada é Igreja Messiânica Mundial, que, por várias vezes, é confundida como uma religião de origem cristã por aqueles que a desconhecem. Isto se deve ao uso do termo “igreja” ou “messiânica”? Ou decorre da combinação entre ambos?

A concepção de “messianismo” da religião messiânica é particular; contém em si aspectos de um “milenarismo” de caráter reformista mas também tem uma concepção toda própria de Juízo Final e Paraíso Terrestre (CLARKE, 2000, p.107-111) que, por vezes, chega a se aproximar de idéias cristãs, conforme será visto abaixo. Contudo, há diferenças cruciais, a exemplo, da figura do messias Meishu-Sama.

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Na IMM, crê-se que o fundador Meishu-Sama é o “messias” da era atual e que cada messiânico – ao ministrar johrei e salvar as pessoas – exerce o papel de um “pequeno messias”. Nas palavras do atual presidente mundial da IMM, Tetsuo Watanabe, proferidas em agosto de 2007, no Culto Mensal em Guarapiranga, sobre o motivo do nome “messiânica”:

Todos nós recebemos o Ohikari para sermos ligados ao Messias. Por isso a nossa Igreja se chama Igreja Messiânica, e “messiânico” é aquele que está ligado ao Messias. Assim, vamos ter orgulho desse fato e dedicar, tendo em mente o novo slogan do trabalho de expansão, que estou lançando hoje no Brasil: “Vamos cultivar a fé que liga ao Messias Meishu-Sama!” (JORNAL MESSIÂNICO, agosto 2007, p.6).

Vejamos a origem do termo “messiânica” que compõe o nome da instituição no Brasil.

Abaixo, transcrevo trechos da “Saudação de Instituição da Sekai Meshiya Kyo” (tradução literal – mundo + messias + religião / ensinamento) proferida pelo Fundador em 4 de fevereiro de 1950 e publicada no Jornal Kyusei nº 48, em que ele explica o nascimento da

Sekai Meshiya Kyo:

A Igreja Kannon do Japão, fundada como entidade religiosa em 30 de agosto de 1947, e a Igreja Miroku do Japão, fundada em 30 de outubro de 1948, estão dissolvidas a partir de agora. Com base em um novo projeto, essas duas entidades surgem unidas sob o nome de Sekai Meshiya Kyo (Igreja Messiânica Mundial), neste dia 4 de fevereiro de 1950, dia do início da primavera. O fato se reveste de um grande significado e, obviamente, obedece à profunda Vontade de Deus; é, pois, desnecessário dizer que ele não foi determinado pela vontade humana. É uma decorrência de termos entrado, finalmente, na época da Transição da Noite para o dia no Mundo Espiritual, como temos sempre afirmado. Conforme costumamos dizer, a obra de salvação empreendida pelo budismo era do período da noite e, por isso, juntamente com a destruição da Noite, acelera-se a salvação efetuada por Kanzeon Bossatsu, o que, em outras palavras, significa a extinção do budismo. Conseqüentemente, é óbvio que a atuação de Kanzeon Bossatsu seja a própria

atuação do Salvador do Mundo, ou seja, Kanzeon Bossatsu, que havia tomado a forma de Buda, tirando a máscara, reassume a sua forma original de Deus. (KYUSEI, nº48, 1950)

Para contextualização da explicação acima, é preciso lembrar que, no Japão, há uma forte relação de complementariedade entre o Xintoísmo e o Budismo. A expressão shinbutsu

shugo significa a fusão ou junção de deuses e budas e está muito presente em toda a

religiosidade japonesa. Acima, Meishu-Sama afirma que Kanzeon Bossatsu tira sua “máscara e reassume a sua forma original de Deus”. A este respeito, cabe apontar duas teorias importantes que envolvem budas e kamis no Japão. Trata-se da honji suijyaku setsu 30 e da

han honji suijyaku setsu 31

. Pela afirmação acima, o Fundador se identifica com a chamada teoria “han honji suijyaku setsu”, que defende que os budas são manifestações de divindades que originariamente eram kami.

Ainda na mesma saudação, o Fundador continua sua fala de teor escatológico e refere-se a sua posição dentro da estrutura organizacional, além de situar a missão da IMM em termos mundiais:

Em outras palavras, vai se processar uma destruição e uma construção de dimensão mundial. Na iminência de tão importante momento, precisamos saber como se manifesta o grande Amor de Deus. Em termos concretos, definir-se-á o que deve ser destruído e o que deve sobreviver. Embora isto seja inevitável, Deus, pela Sua benevolência, deseja salvar o maior número de pessoas destinadas à destruição e, escolhendo o Seu representante, realizará a grande Obra de Salvação do mundo. A

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Bath aponta a ambigüidade que confunde o Budismo e Xintoísmo ao longo dos séculos, destacando que “o contraste, a oposição e por fim a convivência e o sincretismo entre as duas tradições religiosas levaram, as classes letradas, à concepção de ryobu , o shinto de duplo aspecto: honchi, a entidade original, numênica; suijyaku, sua expressão (“modelo original e manifestação local”). Ou seja, o panteão budista representaria o aspecto essencial e permanente dos deuses; os kami xintoístas seriam meros aspectos ou manifestações locais desses deuses (1998, p. 39).

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This term covers a range of theories that were created during the medieval period which argue for the superiority of indigenous kami over Buddhist deities. These theories were voiced in opposition to the Buddhist honji suijaku theory which posited that the kami were merely local manifestations of the original Buddhist deities. In: http://eos.kokugakuin.ac.jp/modules/xwords/entry.php?entryID=1355 Acesso em: 30/08/07.

instituição encarregada dessa tarefa é a nossa Igreja32, cuja missão, portanto, é muito grande. Nesse sentido, as atividades que antecedem a época final que se aproxima, merecem grande atenção. Conseqüentemente, o Paraíso Terrestre pregado por nós deve ser o último objetivo a ser atingido. Até agora, sob o nome de Conselheiro, vim concretizando, ocultamente, a Providência Divina, mas, como os alicerces finalmente ficaram prontos, vamos passar para as atividades de superfície. Falando claramente, chegou a hora da representação no palco. Por conseguinte, em todos os setores, gradativamente, irão surgir novas formas de atividades, a começar pelo aspecto organizacional. (...) Para finalizar, devo dizer que, até agora, quem atuava era Kanzeon Bossatsu; assim era uma atuação de caráter oriental. Todavia, com a aproximação do tempo, precisamos fazer um grande avanço, salvando toda a humanidade. É necessário que nos ampliemos mundialmente. Eis o motivo da denominação “Igreja Messiânica Mundial” (ID, 1950).

Em outra ocasião, o Fundador explicou as diferenças de atuação do Budismo, Xintoísmo e messianismo, além do motivo da escolha da denominação meshiya (messias, em português) ao invés de “salvação do mundo” (kyusei33, em japonês):

O Budismo é a Lua. Como esta é a luz da Era da Noite e Kanzeon Bossatsu é Buda, sua atuação é a da Era da Noite. O fato de Kanzeon Bossatsu não ter conseguido manifestar seu Poder Absoluto era devido à época. Por conseguinte, uma vez que, gradativamente, vai se formando o Mundo do Dia, a atuação de Buda vai se extinguindo e começa a se manifestar a atuação de Deus. Como eu já disse anteriormente, isso deu origem à Igreja Messiânica Mundial. Embora seja a atuação de Deus, essa atuação é diferente do Xintoísmo, que remonta à Antigüidade, no Japão. Sendo uma religião do povo japonês, o Xintoísmo é limitado, e hoje, quando tudo se tornou mundial, ele perdeu o sentido. Foi por esse motivo que se enfraqueceu após o término da Segunda Guerra Mundial. Assim, o Supremo Deus não faz discriminação de povos nem de países. Ele procederá à salvação de toda a

32 Em japonês, a frase “A instituição encarregada dessa tarefa é a nossa Igreja, cuja missão, portanto, é muito grande”, corresponde a たそ 機関使命 成 機関 運用 れる 本教 ある ら 本教 使命たるや実 大 り いうべ ある . Quanto ao uso do termo Igreja neste caso, remeto à discussão sobre os termos kyodan / shukyo que levantei anteriormente no item 1.2.3. sobre a nomenclatura “messiânica” e suas especificidades.

33 Na época, o Fundador utilizou-se de um recurso literário ao acrescentar a leitura meshiya aos ideogramas 救世. Contudo, cabe salientar que atualmente o nome da IMM, em japonês, é Sekai Kyusei Kyo.

humanidade. Chegamos a uma época muito gratificante; portanto, precisamos ter um nome adequado. O nome “Kyussei” (Salvação do Mundo) é o mais apropriado, mas, por ser uma denominação japonesa, é muito oriental; logo, não faz sentido. Por isso, escolhi a expressão “Messias”. Assim, juntando-se o Oriente e o Ocidente, (N.T.: a nossa Igreja) torna-se mundial. A palavra Messias relaciona-se especialmente a Cristo, portanto, é uma ótima denominação, por ser do apreço dos povos civilizados. Messias e Juízo Final, segundo ouvi dizer, têm uma relação íntima e inseparável. Como Juízo Final tem o mesmo sentido que Fim da Era da Noite e o Início da Era do Dia, que constantemente pregamos, o fato reveste-se de profundo significado (TIJO TENGOKU, nº 14, mar., 1950).

Levanto a hipótese de que a expressão “Sekai Meshiya Kyo” tenha sido traduzida pela primeira vez para o inglês como Church of Messianity, uma vez que fora do Japão, a IMM se expande primeiramente no Havaí e EUA. Como veremos adiante, Kiyoko Higuchi, enviada ao Havaí por Meishu-Sama com fins missionários, foi também pioneira no processo de tradução da literatura messiânica original em língua japonesa para a língua inglesa.

Segundo Neide Nagae34, que fora funcionária do setor de Tradução da IMMB e participou da fase inicial de tradução dos primeiros livros disponibilizados em língua portuguesa, os dois primeiros volumes do Alicerce do Paraíso foram traduzidos a partir do inglês. Em português, a tradução atual de Sekai Kyusei Kyo é “Igreja Messiânica Mundial”, havendo um depoimento oral (não verificado em registros escritos) de que teria sido chamada de “Igreja Messianita” por um tempo; possivelmente por uma corruptela de “Messianity” que compõe o termo Church of World Messianity usado nos EUA até a década de 19(90), alterado para Johrei

Fellowship e posteriormente desdobrado em Izunome Association USA.

Com relação às várias modificações relativas ao nome da religião messiânica, cabe salientar que a nomenclatura “Igreja Messiânica” prevalece sobretudo no Brasil, um país de forte presença cristã e com vários exemplos de movimentos messiânicos (QUEIROZ, 1976). Em se tratando da visão messiânica de uma religião japonesa que se insere numa cultura

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distinta, é importante mencionar aspectos da religiosidade receptora, ou seja, da religiosidade brasileira no que diz respeito à sua própria “herança messiânica”, ao seu lastro cultural formado ao longo dos quinhentos e poucos anos de história do país.

Assim como há hipóteses de que o sucesso inicial de penetração do protestantismo no Brasil deveu-se em parte à “junção entre os aspectos messiânicos da mensagem dos missionários e a mentalidade sebastianista dos brancos e a da Terra Sem Mal dos caboclos” (MENDONÇA, 1998, p. 50), parece-me possível que algumas semelhanças de natureza simbólica da religiosidade popular brasileira e japonesa possam ter contribuído para a aproximação dos brasileiros com relação à Igreja Messiânica. Por exemplo, a crença em espíritos e a cura de doenças físicas através da imposição das mãos. Por outro lado, a própria mentalidade messiânica arraigada no imaginário religioso brasileiro também pode ter auxiliado o processo aproximação e posterior integração cultural e religiosa da IMMB.

Como se sabe, a maioria das NRJ introduzidas no Brasil na primeira metade do século XX manteve o nome em japonês (Tenrikyo; Oomoto; Seicho-no-Ie; Reiyu-kai etc). Ao invés de Sekai Kyusei Kyo, a IMM no Brasil optou pela nomenclatura “messiânica” que, geralmente, faz com que o público leigo pense que se trata de uma igreja de origem cristã. Este pode ser um caso daquilo que Peter Clarke, estudioso sobre NRJ, chama de sincretismo reflexivo e que detalharei mais adiante.

Uma vez que o nome de uma pessoa ou organização tem grande influência na formação da sua própria identidade, vejo a necessidade primária de ressaltar a importância da opção pela denominação “Igreja Messiânica” no caso do Brasil. Contudo, após quase cinco décadas, em 2000, institucionalmente, a IMMB passou a ser chamada de “Johrei Center”35. Embora, no geral, os membros se autodenominem “messiânicos”, penso ser fundamental a discussão sobre a intencionalidade de uma mudança tão radical (que inclui dois termos

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É importante salientar que a razão social da IMMB não foi alterada. O uso da expressão Johrei Center corresponderia, portanto, ao que se chama de nome fantasia. Sobre a intencionalidade do uso da expressão Johrei Center, vide item 1.4.5.

estrangeiros, Johrei em língua japonesa e Center em inglesa) e sua real conseqüência, inclusive em termos de identidade, sobretudo na atualidade, quando a IMM vem enfatizando que Meishu-Sama é messias e, portanto o nome Igreja Messiânica serviria de reforço a uma identidade messiânica.

Um exemplo de construção consciente da identidade messiânica pode ser visto no editorial da Revista Izunome de outubro de 2008 intitulada “A identidade da nossa Igreja”. O texto menciona o testemunho de um membro americano, sr. Frank Sasano, de Newark, ao referir-se às explicações dadas pelo Presidente Mundial por ocasião de visita aos EUA em 2007:

Esse encontro com o Revmo. Watanabe foi um dos momentos mais especiais da minha vida, pois aprendi coisas muito importantes. Nos últimos dois, três anos, sempre tenho me perguntado: “Que tipo de grupo nós formamos? Seguimos Meishu-Sama, tudo bem, mas, qual é a nossa identidade? Precisamos disso para nos relacionarmos com as pessoas”. Hoje estou muito feliz pois, neste encontro, a nossa identidade ficou clara. Somos pessoas que seguem Meishu-Sama. E quem é Meishu-Sama? Meishu-Sama é o Messias!36

Haja vista a importância da nomenclatura “messiânica” na constituição da identidade da IMMB, o assunto será retomado posteriormente a partir de outras perspectivas além da histórica.