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NOVAS RELIGIÕES JAPONESAS: RELIGIÕES MÁGICAS OU ÉTICAS? 120 

CAPÍTULO 2 – EXPLICITAÇÃO DO INSTRUMENTAL TEÓRICO DA PESQUISA 83 

2.5 NOVAS RELIGIÕES JAPONESAS: RELIGIÕES MÁGICAS OU ÉTICAS? 120 

Grosso modo, magia é uma prática ou sistema de crenças correlatas que provoca diversos tipos de fenômenos com o auxílio de poderes ou seres supranaturais como deuses ou espíritos a fim de alcançar objetivos específicos. Magia englobaria, portanto, feitiçaria, adivinhações, práticas xamânicas e, em sentido amplo, não se distinguiria do animismo ou das chamadas “crenças primitivas”.

Como se sabe, o culto aos ancestrais é central na religiosidade popular japonesa. Acredita-se em forças supra-humanas advindas de mortos que são os ancestrais e, portanto, fundadores das linhagens familiares. A chave de sentido para a compreensão da crença no poder dos ancestrais é a interdependência entre os dois mundos: o mundo dos vivos e o mundo dos espíritos dos mortos.

A idéia da democratização da magia pelas NRJ já foi tratada por Winston Davis em seu estudo sobre a religião Mahikari. Assim como as igrejas cristãs pentecostais que tendem a permitir um “empoderamento” de seus membros através de instrução e dons espirituais, as NRJ permitem que adeptos comuns tenham acesso mais rápido e fácil a práticas espirituais que tradicionalmente se restringiam ao fundador ou ao clero (MULLINS, 1998, p.180).

Shimazono afirma que religiões japonesas como a Soka Gakkai, Seicho-no-Ie, Sekai Kyusei Kyo (conhecida no Brasil como Igreja Messiânica), Perfect Liberty (PL) e Sukyo Mahikari são religiões essencialmente fundamentadas em práticas mágicas. Enquanto na Soka Gakkai pratica-se o Gongyo e recita-se o Daimoku diante do Gohozon, na Seicho-no-Ie pratica-se uma meditação simples conhecida por Shinsokan e entoam-se sutras sagradas pelos espíritos dos ancestrais. Na Igreja Messiânica e na Sukyo Mahikari, irradia-se a luz divina através da palma das mãos, práticas respectivamente conhecidas por johrei e okiyome e crê-se no poder espiritual das palavras, o kotodama. Na PL, pratica-se o oyashikiri, palavra sagrada

sem significado próprio que constitui a força do poder de salvação da referida religião. Nela, existe o ritual do ofurikae, em que os males dos fiéis são transferidos simbolicamente para o Patriarca da religião (SHIMAZONO, 1991, p.119).

Para o autor, o caráter físico e vivencial das práticas destas NRJ contribui para a quase inexistência de dificuldades de transmissão e a pouca necessidade de articulação lingüística, mesmo quando inseridas em outros contextos culturais. No entanto, em nossas pesquisas de campo sobre NRJ em terras brasileiras, notamos que determinados aspectos desta suposta religiosidade mágica de efeitos misteriosos e milagrosos não precisariam ser explicados não fosse uma barreira maior – a da transposição de elementos culturais para contextos religiosos distintos que, evidentemente, exige maior esforço de compreensão e aceitação por parte dos ocidentais.

Com o intuito de detalhar aquilo que Shimazono chamou de “religiosidade mágica” das NRJ, resumirei alguns pontos da discussão teórica sobre as particularidades das NRJ e a modernização do Japão contidas no sexto capítulo do seu livro Gendai Kyusei Shukyo Ron (Teoria das Religiões Salvíficas Contemporâneas). Em seguida, apresentarei a tipologia das NRJ de Shimazono em oposição à tipologia de Brian Wilson.

Após reconhecer que, em se tratando da relação entre religião e modernização, naturalmente, há que se tomar Weber como referência de partida, Shimazono diz que a aplicação da teoria weberiana ao caso do Japão estaria condicionada a ajustes fundamentais. Uma vez que a sociedade japonesa não viveu a experiência do protestantismo, questões como a “eliminação da magia do mundo” ou a “individualização da sociedade” precisam ser analisadas com especial atenção. Em geral, os estudiosos que seguem a linha weberiana costumam ater-se ao fato de que o Japão teria sido dominado pela modernização ocidental e que o povo japonês viveria em meio a um “campo mágico”. Para Shimazono, eles não levam

em conta o acontecimento de uma revolução de lógica popular que desempenhou um importante papel na constituição da visão do povo japonês moderno91.

Ao se referir ao caráter mágico das NRJ, o autor cita exemplos das religiões Konko-kyo e Tenrikyo.

A história de Miki Nakayama – fundadora da Tenrikyo que foi possuída por uma divindade (kamigakari) em 1838 – é um exemplo típico de religiosidade mágica no caso de NRJ. Após uma série de sofrimentos em família, Miki foi possuída por Kunitokotachi-no Mikoto (kami fundador e governante primordial do Japão) e depois, por outras nove divindades. A partir de 1853, começou a manifestar possessões intermitentes passando a profetizar e a curar doentes. Até então, Miki estava bem próxima das práticas populares da religiosidade japonesa, isto é, poderia ter se tornado uma simples médium ou líder de um culto local. Contudo, após ter sido possuída por um kami e manifestado poderes mágicos como cura e adivinhação, entre outros, passou a ser considerada como ikigami (deus vivo) (PEREIRA, 1992, p.106-107).

Estudando as religiões Tenrikyo e Oomoto, observa-se elementos do xamanismo japonês que podem ser úteis à compreensão do leitor não familiarizado com a magia da terra do sol nascente. Estes traços de xamanismo são encontrados em várias NRJ e podem ser tidos como variantes da “religiosidade mágica” descrita por Shimazono e que, mais adiante, retomaremos.

No Japão, a crença na possessão por divindades ou espíritos é bastante difundida e tem suas raízes na Antigüidade. Até mesmo documentos chineses e japoneses atestam que o Japão antigo era liderado por xamãs carismáticos entre os quais se destaca a rainha-xamã Himiko. Com a introdução maciça da cultura chinesa no Japão, em especial nos séculos IV e VII, houve um declínio gradual das rainhas-xamãs e das jinja-miko, uma categoria de xamãs

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Shimazono salienta que as pesquisas de R. Bellah e Yasumaru Yoshio contribuíram para a mudança de visão a respeito deste assunto.

pertencente à corte imperial e aos santuários mais prestigiados da hierarquia xintoísta. Havia também as xamãs andarilhas, popularmente conhecidas como ichiko ou sato-miko, que vagavam de vila em vila atendendo seus clientes por meio de técnicas de transe, adivinhação, clarividência, cartomancia, rezas etc. Já no século XIX, por orientação do governo Meiji, que colocou na ilegalidade qualquer prática xamânica como a cura por exorcismo, transmissão da mensagem de mortos etc., as xamãs tendiam a desaparecer. Muitas xamãs se casaram com os

yamabushi – ascetas montanheses pertencentes ao Shugendo, uma ordem fortemente

influenciada pelo Budismo Esotérico. Itako é uma outra categoria de xamãs japonesas cegas que vivem no norte japonês e transmitem as mensagens dos mortos, encontrando nesta ocupação uma forma socialmente aceita de ganhar a vida, segundo Pereira (1992, p.102-103).