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Conceitos de formação inicial de professores

3. O Professor e a sua Profissão

3.3. Conceitos de formação inicial de professores

Em relação à formação inicial, e referindo-nos agora a uma formação mais especifica, esta constitui juntamente com a formação contínua (ou “formação em serviço”), dois momentos de um mesmo processo de desenvolvimento de competências profissionais.

A preocupação pela eficácia da formação inicial “(…) aparece normalmente ligada às questões dos modelos e estratégias utilizados, da sua adaptação à evolução do papel do professor e educador e à diversidade dos contextos em que a acção educativa se vai desenvolver, da preparação para a investigação e inovação” (Moita, 1992:114).

Considerando que a formação não é apenas uma actividade de aprendizagem num determinado tempo e espaço, mas como que uma construção de si próprio. Esta construção de si próprio é um processo de formação.

É Pineau (1983) que escreve que “ a unidade do ser é atravessada e questionada por dois tipos de pluralidades: uma pluralidade sincrónica de trocas incessantes e de múltiplas componentes internas e externas e uma pluralidade diacrónica de diferentes momentos de transformação do ser.

Compreender como cada pessoa se formou é encontrar as pluralidades que atravessam a vida” (Moita, 1992:114).

São muitos os autores, para além dos aqui mencionados, que definem formação inicial, nomeadamente: González (1995); Zabalza (1990); Marcelo (1999); Honoré (1980); Fabre (1995); Pacheco & Flores (1999).

De um modo geral, todos se referem à formação inicial como uma etapa importante no processo de formação, na medida em que possibilita a aquisição e construção do conhecimento profissional.

Falando-se da formação inicial de professores, é um período de formação em que o formando adquire um conjunto de competências, conhecimentos, destrezas e atitudes que lhe permitirão desempenhar as funções de professor.

É o início da sua socialização a caminho de uma identidade profissional.

A formação inicial ou formação prévia ao exercício das funções, como refere Ribeiro (1993) contribui, assim, para compreender e analisar os objectivos sociais do contexto sócio- cultural e organizacional em que a profissão se insere, sendo um momento de adquirir um suporte necessário e um complemento desejável para o exercício da profissão na sociedade em que o sujeito se integra (ibid.: 1993).

Nos actuais normativos sobre a formação de professores, encontramos referência ao professor profissional da educação que tem como função específica ensinar e promover as aprendizagens curriculares (Decreto Lei nº 240/2001 de 30 de Agosto). Deseja-se o exercício de uma profissão, não como mero artesão, mas como profissionais.

Da redefinição do papel do professor emerge a predominância da dimensão profissional da actividade docente em detrimento das dimensões de funcionário do Estado e de técnico.

Importa começar por referir que o termo profissão não tem em português (o que é igualmente válido para o francês) o mesmo significado em inglês, onde nem todos os ofícios são sinónimos de profissão.

Segundo Perrenoud (1992), no sentido anglo-saxónico, o exercício de uma profissão, para além de um acto técnico e científico, exige intuição, improvisação, capacidade de decisão em situação de urgência e incerteza, uma longa formação de base universitária.

O exercício de uma profissão pressupõe uma larga autonomia, mesmo que seja um assalariado, e os gestos profissionais são orientados por finalidades e ética profissional. Uma profissão é organizada, não só para defender os seus interesses, mas também para definir os seus modos de acção, as suas regras deontológicas, os seus modelos de formação. Exemplos destes profissionais são os médicos, advogados, arquitectos.

Neste sentido anglo-saxónico de profissão, Perrenoud (1992) interroga se ser professor pode ser considerado uma profissão ou se não se poderá considerar um ofício em via de

profissionalização, uma vez que o professor não é juridicamente responsável pela qualidade

do seu ensino.

No entanto, realça a importância de se caminhar no sentido da profissionalização da docência, como alternativa para tornar o professor, de uma forma autónoma, qualificada colegial e responsável, capaz de resolver os problemas cada vez mais complexos do ensino.

É a passagem do ofício artesanal, em que se aplicam técnicas ou regras, para a profissão em que se constroem estratégias com o apoio de saberes racionais e se desenvolve a autonomia (Altet, 2000:26).

Assim, a formação para o exercício de uma profissão, neste caso do professor, não poderá ser a mesma da formação para um ofício que consiste na transmissão do saber fazer pela imitação e experiência, mas sim um modelo de formação que vê o professor como um profissional em desenvolvimento, que constrói a sua prática e os saberes que a sustentam (Ferry, 1983; Zeichner, 1987; Schon, 1991).

A preocupação com a formação de professores não é de modo nenhum recente.

A partir do início do século XX surgem reflexões sobre esta problemática, quer em encontros de professores, em congressos ou artigos de jornais e revistas ligados ao ensino.

É a partir dos anos setenta e oitenta que surgem estudos mais sistematizados. Desde o mestre que sabia, não havendo necessidade de formação porque o seu perfil pessoal era suficiente, passando pelas escolas normais, onde a formação era feita por imitação do professor mais experiente, o modelo que transmitia o seu saber-fazer, até aos dias de hoje, embora com os contributos científicos racionalize a prática e aplique a teoria, ainda nos encontramos longe do professor profissional capaz de realizar crítica, reflexiva e eficazmente um estilo de ensino inovador, em trabalho de equipa com os colegas, capaz de promover uma aprendizagem significativa com os alunos.

A tomada de consciência do papel primordial dos professores na mudança e no melhoramento do sistema de ensino suscita uma revisão realista da sua preparação profissional, sem esquecer, no entanto que “la formation des maîtres ne peut être un “deus ex machina” un levier miraculeux qui permettrait de dépasser les limites et les contradictions du système: elle en fait partie!” (Perrenoud, 1994:74).

A preparação profissional para a docência é conseguida através de uma formação desenvolvida num contexto organizado e institucional, destinada a atingir determinadas metas visando a profissionalização dos indivíduos educadores das novas gerações.

Segundo Garcia (1999:77) a formação inicial de professores cumpre três funções: a) a formação e treino de futuros professores de acordo com o que se espera deles enquanto profissionais; b) a certificação da formação; c) a instituição de formação tem um duplo papel: ser agente de mudança do sistema educativo e ao mesmo tempo contribuir para a socialização e reprodução da cultura dominante.

Qualquer programa de formação de professores deve estabelecer as metas e finalidades que pretende alcançar, de modo a identificar que tipo de professor se está a formar e para que contexto.

Para Ferry, a formação é “un processus de développement individuel tendant à acquérir ou perfectionner des capacités” (1983:36).

Neste sentido podemos falar de formação contínua e formação inicial de professores, mudando apenas o conteúdo, o foco ou a metodologia conforme se trate de uma ou de outra formação.

Garcia, explicita o conceito de formação de professores como “área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didáctica e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou exercício – se implicam individualmente ou em equipa, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite

intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objectivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem” (1999:26).

De acordo com esta definição, não é possível uma formação inicial que ofereça ao mercado de trabalho um professor profissional acabado, mas sim que este compreenda que a formação inicial é o primeiro passo no longo caminho do desenvolvimento profissional.

A formação inicial é assim uma primeira etapa da formação de professores, desenvolvida numa instituição formal de formação de professores, com currículo próprio que inclui conhecimentos pedagógicos, disciplinas académicas e a realização de práticas de ensino em contexto de trabalho escolar.

Segundo Perrenoud (2001), nenhuma formação profissional inicial pode ignorar a análise do trabalho real para o qual está a formar.

Referindo-se à formação inicial de professores, Perrenoud (2001) afirma que é necessário a confrontação do formando com as situações reais de trabalho inscritas nos seus contextos sociais, organizacionais e culturais.

Também Campos afirma que as mudanças em curso na educação apontam para a necessidade de definir o papel do professor como “o de um profissional do ensino com novos objectivos e modos de organização” (2001:293). Segundo o autor, são duas as perspectivas do que significa actualmente ser professor.

Uma perspectiva do professor como trabalhador social, que surgiu ao mesmo tempo que o processo de ensino se tornava mais complexo e que as exigências sociais atribuíam maiores e mais alargadas responsabilidades ao professor.

E como profissional do ensino que, segundo Campos (ibid.:293), “emerge da necessidade de recentração da especificidade do papel do professor na actividade do ensino”.

Face a esta indefinição do papel do professor torna-se necessário, segundo o autor, algumas intervenções das políticas educativas. No entanto ressalva que esta recentração do papel do professor no ensino não significa o regresso ao passado, pois implica também uma

redifinição do papel do professor no ensino face às mudanças relativas às aprendizagens que a

escola deve assegurar e ao modo de organização do processo de ensino.

Vários autores referem a necessidade de um ensino de sucesso para uma população cada vez mais heterogénea, resultante não só da massificação do acesso à escola mas também da diversidade cultural, o que obriga a uma mudança das práticas e a uma redefinição do papel do professor.

Por outro lado, a realidade das tecnologias da informação e comunicação que se traduzem na complexificação do conhecimento acessível, deixando a escola de ter o monopólio da informação, exigem a necessidade do desenvolvimento de competências de aprender e pesquisa, seleccionar, organizar a informação de modo a que esta se transforme em conhecimento.

Já não basta ao professor ensinar conteúdos, mas sim ajudar a desenvolver capacidades de pensar crítica, reflexiva e criativamente, de comunicar utilizando diferentes suportes e capacidades de acção face à multiplicidade de situações do quotidiano.

“O saber profissional docente não se confina ao mero domínio dos conhecimentos científicos relativos aos conteúdos escolares, à metodologia de ensino ou às ciências da educação, nem ao domínio de técnicas e rotinas de ensino. É a capacidade de mobilizar todos esses saberes face a cada situação educativa concreta, no sentido da construção das aprendizagens” (Campos, 2001:299).

A formação inicial de professores nas instituições de formação, em muitos casos, segundo o mesmo autor, tem sido “a mera adição do modelo académico de formação nas disciplinas, caracterizado pela simples justaposição das mesmas em função do campo disciplinar existente ou dos docentes disponíveis, ou com poder para as impor, ao modelo de aprendizagem técnica da formação prática (…) faz com que os cursos nem sempre sejam concebidos e desenvolvidos de modo a centrarem-se na preparação para o desempenho profissional” (Campos 2001:300).

O desafio será as instituições de formação formarem professores profissionais intelectuais, capazes de responder às exigências do desempenho da nova profissionalidade, tendo em conta a formação prática como o desenvolvimento e intercâmbio de experiências de construção de uma nova cultura de formação.

Para isso, segundo Campos (2001) as instituições de formação necessitam da colaboração das escolas para observação, participação e exercício da prática supervisionada, que garanta o desenvolvimento das competências de mobilização de saberes para intervir em situações concretas.

O mesmo autor realça as condições precárias em que se tem vindo a praticar a formação

no contexto de trabalho, no que se refere às parcerias entre instituições de formação inicial e

as escolas, afirmando que “há todo o interesse em que nestas parcerias haja articulação entre formação inicial e formação contínua, bem como entre estas e o desenvolvimento de projectos de investigação e de mudança nas escolas” (Campos, 2001:301).

Falar em formação de professores remete-nos para os paradigmas de formação que, ao longo do tempo, têm presidido à conceptualização dos seus modelos e programas, assim como à definição do seu perfil.