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Representações e Relações Intergrupais

Segundo Moscovici (1961) só é possível compreender a evolução e a organização de uma representação situando-a numa dinâmica social. Esta dinâmica remete para a estrutura da sociedade propiciadora de diferenciações e relações entre os indivíduos que constituem diferentes campos sociais e consequentemente diferentes grupos sociais.

“Numa definição ampla, grupo é um conjunto de pessoas interdependentes na realização em comum de um ou vários objectivos” (Serruys, 1976:36).

“(…) é um conjunto de pessoas associadas com certa permanência, e em interacção e comunicação, vinculadas entre si em obediência a normas, interesses e valores que as solidarizam no prosseguimento de objectivos comuns” (Gonçalves, 1969:60).

“(…) unité collective visant une oeuvre commune, s'exprimant par des attitudes et des comportements communs” (Maisonneuve, 1969:72).

Estas três definições de grupo que consideram grupo como um conjunto de indivíduos que prosseguem objectivos comuns, dando realce ao fenómeno de interdependência.

As caracterizações e tipificações dos grupos são inúmeras de acordo com diferentes pontos de vista. Vala (1993:382) identifica duas posições teóricas sobre grupos sociais, uma que enfatiza o processo de categorização social (um grupo de indivíduos que partilham um atributo comum – grupos pré-estruturados), outra que enfatiza os fenómenos de interdependência e estrutural, como objectivos comuns, forma de organização (grupos estruturados).

Cooley identifica dois grandes grupos, os “grupos primários, restritos ou microgrupos – são aqueles em que cada um dos participantes se encontra normalmente em condições de entrar em contacto directo com os outros” (citado por Serruys, 1976:37).

Os grupos primários mais frequentes são a família, uma comissão de direcção, um grupo de amigos, etc.. Os grupos secundários ou macrogrupos – nestes, existem agentes de comunicação que se interpõem entre os membros para permitirem que actuem. Exemplos deste grupo são uma grande empresa industrial ou comercial, um partido político, etc.. Estes grandes grupos dividem-se geralmente em subgrupos formais e informais.

Os grupos formais têm um estatuto codificado, institucionalizado, uma organização hierárquica, líderes designados. Entre os membros, a relação é exercida através de funções e de redes de comunicação previamente definidas. “Grupos formais são os que são criados pelos dirigentes com a finalidade de desempenharem tarefas específicas visivelmente relacionadas com a missão da organização na sua totalidade” (Schein, 1982:114).

Nos grupos informais a relação entre os seus membros resulta de múltiplas interacções não pré-estabelecidas, em que as dinâmicas se vão gerando consoante as afinidades dos indivíduos (afectivas, ideológicas, religiosas, etc.). “Os grupos informais têm apenas uma existência e uma estrutura de facto, o conteúdo das funções não é predeterminado, mas fruto das interacções que se estabelecem no seio do grupo” (Serruys, 1976: 37).

A consideração dos grupos formais e estruturados suscita uma perspectiva de análise e diferenciação das representações sociais.

Vala (1993:383) ao referir-se ao funcionamento dos grupos estruturados cita Lewin como o autor que lança os fundamentos de análise das representações no interior de um grupo: “parece impossível predizer o comportamento grupal sem ter em conta os objectivos do grupo, as suas normas e valores e a forma como vê a sua própria situação e a de outros grupos” (Lewin, 1947).

Deste modo as representações sociais partilhadas por um grupo social estão também associadas às relações intergrupais. Doise (1992) coloca a análise das representações no quadro das relações intergrupais, estabelecendo uma relação entre estes dois fenómenos.

Também Moscovici (1961) afirma que “é a natureza das relações desenvolvidas entre os grupos que estrutura as suas representações, ao mesmo tempo que estas se tornam justificadoras e antecipadoras dessas mesmas relações” (Vala, 1996:21). Este autor salienta ainda que se é a especificidade de cada grupo social que contribui para a especificidade das suas representações sociais, então esta especificidade das representações contribuem para a diferenciação dos grupos sociais.

Segundo Jodelet, as representações sociais são estruturadas segundo estratégias de grupo e servem e justificam os comportamentos do grupo, isto é, têm uma função de “justification anticipée ou rétrospective des interactions sociales ou relations intergroupes” (1989a:69).

Indivíduos pertencentes a um grupo mantêm relações significativas uns com os outros. Goffman (1993:102) menciona dois aspectos fundamentais dessas relações. O primeiro identifica um vínculo de dependência recíproca que liga os membros de um grupo.

Cada um é forçado a confiar na conduta correcta dos outros, e o grupo, por seu lado é forçado a confiar em cada elemento. No entanto realça o facto de, enquanto o desempenho de um grupo se desenvolve, qualquer indivíduo desse grupo poder abandonar a representação ou perturbá-la com a adopção de um comportamento indevido.

Em segundo lugar, os indivíduos enquanto membros de um grupo formal são “cúmplices na salvaguarda de uma determinada apresentação das coisas. São obrigados a definir-se uns aos outros como pessoas que sabem (…) e tendem a ligar-se uns aos outros através daquilo a que poderemos chamar os direitos de “familiaridade” que o autor identifica como uma modalidade de relação bastante formal, automaticamente conferida e recebida a partir do momento em que o indivíduo se integra na equipa” (Goffman, 1993:103).

O indivíduo representar-se a si próprio, o representar os outros e o mundo só é possível através da interacção. Goffman define interacção como “a influência recíproca dos indivíduos sobre as acções uns dos outros numa situação de presença física” (ibid.:26). Quando, reciprocamente, o indivíduo age como um estímulo e provoca a resposta de um outro, existe interacção. A interacção é assim um processo circular.

Um indivíduo que inicia um novo papel na sociedade, resultante de uma nova posição social, parece não ter necessidade de que lhe digam como se comportar. Bastam-lhe algumas indicações, parte-se do princípio que este já possui informação suficiente sobre o grupo social de que começa a fazer parte.

As representações sociais permitem aos indivíduos definir-se enquanto grupo com a partilha de certos interesses, de um relacionamento entre eles, que tenham objectivos comuns e onde existam normas que orientem e limitem as suas actividades

A conduta do grupo é um processo complexo, influenciado pelas acções e interacções dos seus membros, que estimulam o crescimento grupal. Bales (1979, citado por Jesuíno, 1987:180), psicólogo americano, a partir da observação de grupos de discussão elaborou uma categorização que permite demonstrar que a interacção se situa a dois níveis, o da

ditas, permitindo observar que as interacções não são uniformes nos grupos, diferindo no

número e no tipo consoante a influência e o papel de cada elemento do grupo.

As acções e interacções estão ainda dependentes das representações sociais e das atitudes de cada um dos membros do grupo.

Esta heterogeneidade do grupo, quer em atitudes quer em aptidões, pode traduzir-se numa riqueza potencial, pois permite a confrontação de ideias diferentes, além de favorecer a criatividade, estimulando o funcionamento do grupo.

No entanto para que o grupo funcione, tem de existir um certo grau de homogeneidade, que permita ao grupo adoptar normas e ter objectivos, um acordo dos membros do grupo acerca das funções, tarefas e objectivos, uma complementaridade, mais do que competitividade pelos papéis, a satisfação das mútuas necessidades dos seus membros e o

respeito pela diversidade entre os membros do grupo.

A diversidade dos membros do grupo é uma realidade tendo por base aquilo que se chama, em linguagem comum, uma filosofia de vida, baseada num sistema de valores criados pelo próprio indivíduo, incutidos pela cultura dominante do seu meio.

O indivíduo vai acumulando um reservatório de respostas alternativas e constrói um sistema de valores que é fruto dos seus próprios julgamentos. Por outro lado, o indivíduo é possuidor de qualidades inatas com diferentes aptidões que o levam a actuar de uma dada maneira.

A experiência individual é também determinante na resposta às situações. Todos os indivíduos possuem diferentes experiências que ajudam a formação da personalidade.

Assim, pela “diferente formação cultural, pelas diferentes experiências adquiridas no grupo social” e, também, as de “carácter pessoal”, se explicam tantas diferenças individuais. Temos um sentido de valores que “varia com o grau de aceitação e de importância que damos às coisas” (Beal et al., 1972:45)

Esta importância está directamente ligada às motivações de cada indivíduo, associadas aos seus desejos ou necessidades básicas:

— “Fisiológicas, isto é a necessidade de manutenção do corpo, de se sentir bem, de dormir, de comer, etc..

— De segurança, libertação do medo, protecção contra ameaças físicas e psíquicas. — De pertença, desejo de ser aceite, objecto de amizade, de o seu afecto ser aceite e correspondido.

— De reconhecimento social e de estatuto, desejo de ter prestígio, de ser considerado, de o seu valor e importância serem reconhecidos.

— De auto-realização e saber, autonomia, vida pessoal, equilíbrio emocional, curiosidade intelectual, desejo de explorar novas informações e experiências” (Parreira, 1989:15).

Cada membro do grupo tem uma história pessoal, necessidades e responsabilidades que afectam o seu funcionamento no grupo. A acção de cada indivíduo tem por base a sua filosofia de vida, construída com qualidades inatas, com os seus valores incutidos pela cultura dominante do meio a que pertence, e também com valores fruto dos seus próprios julgamentos.

A sua experiência individual é também determinante nas respostas às situações e às tomadas de decisão para um desempenho “socializado”, moldado e modificado de modo a adaptar-se à interpretação e expectativas do grupo e da sociedade a que pertence.

As tomadas de decisão implicam processos complexos, isto é dependentes do modo como as informações são recolhidas e tratadas pelo sujeito, e são subjectivas porque influenciadas pela forma individual de entender e interagir com o grupo e o mundo.

No entanto o processo da tomada de decisão é também influenciado pelos outros elementos do grupo e pelo ambiente que o rodeia. Assim, a tomada de decisão é influenciada pelas representações sociais do indivíduo, mas por outro lado a tomada de decisão também interfere nas representações sociais, quer confirmando-as, quer introduzindo divergências.

As representações são, assim, processos que permitem ao indivíduo a tomada de decisão influenciada pelos múltiplos processos individuais, interindividuais e intergrupais.

São as representações sociais que, enquanto processo, permitem aos indivíduos e ao grupo a construção da realidade, o que pressupõe processos de adesão e de participação dos actores. Moscovici (1976:48) identifica a representação social como processo, uma vez que é “uma actividade mental (…) um movimento de apropriação da novidade e dos objectos”, e como produto, uma vez que “designa conteúdos, organiza-se por temas e em discursos sobre a realidade”.

Considerando a representação social como processo e como produto que permite visões partilhadas, pelos actores e pelos grupos, da realidade, implica considerar o acto de representar algo, não corresponde a um mero acto de reprodução, mas sim a um acto de reconstrução. Assim a compreensão da organização de uma representação, exige que seja, por um lado, considerada como determinada pela estrutura da sociedade e, por outro, que seja considerada no quadro das relações intergrupais.