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Para uma definição de representação social

2. Noção de Representação Social

2.3. Para uma definição de representação social

É, pois, no âmbito da Psicologia Social que Moscovici (1976) define a representação social não como o colectivo, nem o inconsciente, mas a acção, a interacção entre os indivíduos.

As representações sociais são uma forma de conhecimento individual que só ocorre na interacção com "o outro", no mesmo momento em que esta interacção se dá.

As representações sociais dizem respeito ao universo de opiniões construídas, reelaboradas e redimensionadas pelos indivíduos, em relação a um determinado objecto social, de acordo com a história de vida de cada um.

É uma relação dialéctica entre individual e social.

Na sua obra “La Psychanalyse, son Image et son Public” surge o delineamento formal do conceito e a teoria das representações sociais.“ Representação social compreende um sistema de valores, de noções e de práticas relativas a objectos sociais, permitindo a estabilização do quadro de vida dos indivíduos e dos grupos, constituindo um instrumento de orientação da percepção e de elaboração das respostas, e contribuindo para a comunicação dos membros de um grupo ou de uma comunidade” (Moscovici 1969, citado por Vala 1996:5).

Não é fácil definir representação social, mas Moscovici define-a como “um sistema de valores, ideias e práticas que desempenham uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que irá permitir aos indivíduos orientarem-se eles próprios no seu mundo material e social e governá-lo; e em segundo proporcionar que a comunicação exista entre os membros de uma comunidade fornecendo-lhes um código para permuta social e um código para nomear e classificar claramente os vários aspectos do seu mundo e a sua história individual e do grupo” (2000:12).

As representações sociais são complexas e são o resultado da interacção e da comunicação no interior do grupo social. Inserem-se num quadro de pensamento pré-existente, dependendo de um sistema de crenças baseado em valores, tradições e imagens do mundo (Moscovici, 2000).

O carácter polissémico (designa um vasto número de fenómenos e processos) das representações sociais faz com que tenham surgido de acordo com os domínios, objectos ou problemas, diferentes ênfases para este conceito originando uma multiplicidade de definições de representação social, tornando-se difícil uma só definição.

Vala (1993:359) ao apontar uma lista de estudos, em diferentes domínios, objectos e problemas, nos quais foi utilizado o conceito de representação social, agrupa as principais

questões analisadas em quatro categorias: a) a natureza social das representações sociais, entendidas como fenómenos de cultura, de linguagem de comunicação; b) os conteúdos e a organização interna das representações sociais enquanto modalidade de conhecimento que envolve um sujeito e um objecto, e actividades de construção, expressão, interpretação e simbolização; c) a função social das representações sociais, enquanto modalidades de conhecimento prático e instrumental; d) o estatuto epistemológico das representações sociais, enquanto conhecimento do senso comum, na sua dupla referência à ciência e a outras modalidades de conhecimento.

“Se é fácil darmo-nos conta da realidade das representações sociais, não é fácil defini-las conceptualmente. Há muitas razões para que assim seja. Há razões históricas, de que se deverão ocupar os historiadores. E há razões não históricas que finalmente se reduzem a uma só: a sua posição “mista”, na confluência de conceitos sociológicos e psicológicos. É nesta confluência que termos de nos situar “(Moscovici 1976:39, citado por Vala 1993:359).

Também Jodelet salienta a “multiplicidade de perspectivas e territórios mais ou menos autónomos do estudo dos fenómenos representativos” (1989a:59) e cria um quadro para traduzir esta multidimensionalidade:

L’espace d’étude des représentations sociales (Jodelet, 1989a:60)

Este quadro procura, segundo Jodelet responder a três questões: “qui sait et d’où sait- on? Que et comment sait-on? Sur quoi sait-on et avec quel effet?” (1989a:61). Para responder a estas questões a autora identifica três tópicos problemáticos, presentes no quadro, “condições de produção e circulação; processos e estados; estatuto epistemológico das representações sociais”.

Tal como a autora afirma, no centro do quadro está representado o esquema base da representação como “une forme de savoir pratique reliant un suject à un objet” (Jodelet, 1989a:59).

Segundo a autora, tudo gira à volta deste esquema base mesmo que se confira a estes termos diferentes alcances e implicações.

A representação social é sempre a representação de qualquer coisa (objecto) e de alguém (o sujeito).

A representação social tem com o seu objecto uma relação de simbolização e de

interpretação, ela confere-lhe significados.

Estas significações resultam de uma actividade que faz da representação uma construção e uma expressão do sujeito. Esta actividade pode remeter para processos cognitivos (sujeito considerado sob o ponto de vista epistémico), ou seja, para mecanismos intrapsíquicos, como impulsos, motivações, etc. (sujeito considerado sob o ponto de vista psicológico).

Mas quer uma, quer outra perspectiva integram a análise dos processos de pertença e as participações sociais e culturais dos sujeitos. É este aspecto, segundo Jodelet (1989a:61) que distingue o estudo das representações sociais de uma perspectiva puramente cognitiva sobre a forma do conhecimento.

Por outro lado, a representação como forma de saber apresenta-se como modelação do objecto directamente legível nos, ou inferida de, diversos suportes linguísticos, comportamentais ou materiais.

Qualificar esta forma de saber de prático refere-se à experiência a partir da qual ele é produzido, aos quadros e às condições, nos quais o saber é produzido “et surtout au fait que la représentation sert à agir sur le monde et autrui. Ce qui débouche sur ses fonctions et son efficacité sociales » (Jodelet, 1989a:61).

A tentativa de definir representação social torna-se mais acessível se atendermos às diferentes ênfases dadas pelos diferentes autores, numa abordagem estrutural das representações, aqui entendida como uma abordagem que estabelece uma representação social como uma organização, uma estrutura atravessada por diferentes dimensões.

Jodelet, uma das principais colaboradoras e difusoras das ideias de Moscovici, para quem as representações sociais são modalidades de pensamento prático, uma forma de conhecimento específico, o saber do senso comum e, numa designação mais alargada, uma forma de pensamento social “c’ést une forme de connaissance, socialement élaborée et partagée, ayant une visée pratique et concourant à la construction d’une réalité commune à un ensemble social” (Jodelet, 1989a:53).

Considera assim que a representação social diz respeito ao modo como o indivíduo, enquanto sujeito social, apreende os acontecimentos do quotidiano, as informações, os outros. A representação social refere-se ao modo do indivíduo pensar e interpretar o quotidiano. Uma forma de conhecimento específico, o saber do senso comum, ou seja, respeitante aos conhecimentos que o indivíduo acumula a partir da sua experiência, das informações, dos saberes recebidos e transmitidos pela tradição e educação.

As representações, enquanto modalidades do pensamento prático são orientadas através da comunicação, da compreensão e do contexto social.

Doise, que as refere como organizadores das relações simbólicas entre actores sociais, atribui-lhes um sentido ideológico.

As representações são princípios geradores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas no conjunto das relações sociais. “Les représentations sociales sont toujours des prises de position symboliques, organisées de manières différentes, par exemple, comme des opinions, des attitudes ou des stéréotypes, selon leur imbrication dans les rapports sociaux différents.(…) Les représentations sociales sont les principes organisateurs de ces rapports symboliques entre acteurs sociaux” (Doise, 1989:248).

Trata-se dos princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos ou grupos, constituindo, ao mesmo tempo um campo de mudança simbólica e uma representação deste mesmo campo.

Abric, que lhes atribui um carácter experimental ao conferir-lhes um duplo papel de produto e processo de uma actividade mental pela qual um sujeito ou um grupo reconstitui a realidade com que é confrontado: “toute réalité est representée, c’est-à-dire appropriée par l’individu ou le groupe, reconstruite dans son système cognitif, intégrée dans son système de valeurs dépendant de son histoire et du contexte social et idéologique qui l’environne” (Abric, 1994a:12).

Para Abric é esta realidade apropriada e reestruturada que constitui para o indivíduo ou grupo a realidade.

Isto permite definir a representação como “une vision fonctionnelle du monde, qui permet à l’individu ou au groupe de donner un sens à ses conduites, et de comprendre la réalité, à travers son propre système de références, donc de s’y adapter, de s’y definir une place” (Abric, 1994a:13).

Moliner (1994), para quem o objecto da representação deve estar inserido numa dinâmica social, afirma que os indivíduos formam as suas representações em função do tipo de experiência que mantêm com o objecto, das comunicações às quais estão expostos e das crenças individuais.

Para conhecê-las, é necessário identificar os elementos cognitivos de base, sobre os quais as representações são construídas.

Segundo este autor nem todos os objectos são geradores de representações, apenas os objectos “polimorfos”, ou seja, objectos que podem aparecer sob diferentes formas na sociedade, criam a necessidade de ser “representados”.

Por outro lado, essa representação é sempre produzida colectivamente, ou seja, por um grupo, mas não qualquer grupo.

Para o estudo das representações sociais, o grupo não se limita a um conjunto de indivíduos unidos pela interdependência ou por objectivos comuns, mas refere-se a um conjunto de indivíduos que mantêm determinada relação com o objecto de representação, seja porque ele é parte de sua existência, seja porque não têm como ignorá-lo.

Daí a necessidade de “certos” grupos construírem a sua própria “representação”, quando colocados diante de “certos” objectos, “ancorando-os” em sistemas de normas e valores culturais próprios de sua cultura, de sua tradição.

Para Moliner, a emergência de uma representação social está directamente condicionada à existência de um objecto polimorfo e que tenha um valor de desafio para um determinado grupo que, por sua vez, está em constante interacção com outros grupos.

Para Seca (2005:11), a representação social pode ser entendida como “un système de savoirs pratiques (opinions, images, attitudes, préjugés, stéréotypes, croyances), générés en partie dans des contextes d’interactions interindividuelles ou/et intergroupaux” .

Para este autor a posição social ou ideológica dos que a utilizam pode marcar uma representação na sua forma e no seu conteúdo, ou seja ela é socialmente determinada.

No entanto, nas informações, imagens, atitudes e crenças partilhadas por grupos de pessoas, que por vezes não se conhecem pessoalmente mas que herdaram um saber colectivo, os elementos que compõem a representação são mais ou menos estruturados, articulados e hierarquizados entre si, o que permite à representação ser a causa ou o factor de variáveis de pertença social ou de estatuto.

A representação surge também como um conjunto de referências semânticas e cognitivas (produto ou resultado de um processo) activadas segundo as finalidades e interesses dos actores sociais para comunicar, compreender as suas relações com o outro (Seca, 2005:11).

Constitui uma forma de “pensée évolutive, en mouvement, constructive, créatrice” (ibid.:11).

Pensamento em evolução, em movimento porque é produzido a partir das reservas de saber, de conhecimento científico, de tradições, de ideologias e de religiões inscritas nos diferentes períodos da História e nas mudanças da vida social (ibid.:15).

Pensamento construtivo e criativo uma vez que é um pensamento social construído num grupo e pelo grupo numa enorme variedades de situações.

As representações enquanto pensamento social são criativas pois não se limitam a reproduzir configurações já existentes, permitem aos actores sociais, em diferentes contextos e de acordo com os seus interesses e finalidades, relacionarem-se uns com os outros e compreenderem o contexto em que se encontram.

As representações, enquanto forma de conhecimento prático apoiado num sujeito e num objecto, são sempre representação de alguma coisa (objecto) e de alguém (sujeito) (Jodelet, 1989a:59). Daí existir uma forte ligação entre sujeito e objecto.

Autores como Seca (2005:32) afirmam “le sujet et l’objet qu’il se represente sont interconnectés. L’un et l’autre n’ont de signification que reliés entre eux par la représentation”. Para este autor (2005:32), a representação não é em si própria activa e significativa senão quando provém de um actor social (sujeito individual ou grupo) e porque se refere a qualquer coisa (objecto).

Para Abric (2001) a representação funciona como um sistema de pré-descodificação que permite a transformação e reorganização da realidade de modo a que esta se transforme em algo de comum para os indivíduos do grupo. Seca (2005:40) refere o modo como Abric (1987) considera a representação.

Esta serve de filtro interpretativo e de instrumento de descodificação favorecendo uma “prodution originale et un remodelage complet de la réalité, une réorganization de type cognitif où les connotations idéologiques personnelles (attitudes, opinions) et collectives (valeurs, normes) prennent une place essentielle aussi bien dans le produit que dans le mécanisme de sa constitution”.

Para Deaux e Philogene (2001:5) o papel das representações sociais na apropriação de cada um dos indivíduos do mundo que o rodeia, enquanto membro de um grupo, é o de tornar o mundo inteligível.

Afirmam ainda que as representações são construídas baseadas num saber partilhado e numa visão comum da realidade, actuando como pontes entre o mundo individual e o mundo social, pois o indivíduo não forma os seus pensamentos de um modo isolado, mas sim influenciado por outros.

Há, assim, uma partilha na compreensão e construção do mundo pois, segundo estes autores, “any interaction, whether between two individuals or two groups of individuals presupposes shared representations which enable us to name and classify the various aspects

of our social reality” (ibid.:4). “These shared representations shape our beliefs, ideas, attitudes, and opinions so as to give meaning to things and help us understand each other” (Deaux e Philogene, 2001:5).

Não existe um consenso no que se refere à natureza exacta dos elementos que constituem uma representação.

No entanto, parece haver um consenso em considerar a representação como um universo de crenças, de opiniões, de atitudes organizadas em torno de uma significação.