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Professor Cooperante, que Identidade(s)?

Encarados como recipientes de mudanças os professores, muitas vezes, não conseguem corresponder às próprias expectativas nem às dos outros.

À medida que aumentam os padrões de desempenho externamente impostos, à medida que se desenvolvem os modelos centrados nas competências, à medida em que se introduzem novos modelos de avaliação de desempenho docente, tudo para aumentar os padrões profissionais, o que para uns significa um ataque à autonomia e ao profissionalismo, para outros significa uma mudança natural.

Muitos professores iniciam o seu trabalho de cooperante com a ideia de que o seu trabalho é socialmente significativo e gratificante, no entanto esta perspectiva parece desvanecer-se à medida que interagem com outros valores e princípios, chegando a fazer uma reavaliação do seu investimento na formação inicial.

Em qualquer estádio da sua carreira os professores encontram-se numa determinada fase de desenvolvimento pessoal e profissional.

Ao serem contactados pelas instituições superiores, os cooperantes, esperam ser capazes de corresponder às expectativas das mesmas. No entanto, rapidamente se apercebem que o que se espera de si são as destrezas técnicas relacionadas com a profissão e essencialmente com o acto didáctico.

Sentem que são usados como marcos de referência para os aspectos que podem ser observáveis da prática docente.

Socializados numa racionalidade técnica, num sistema que olha a prática como uma concretização da teoria, os cooperantes, muitas vezes, reclamam contra esta formação. No entanto, são eles mesmos que muito têm contribuído para a reprodução de uma formação inicial predominantemente teoricista.

É evidente que em qualquer profissão há diferenças na competência, na capacidade e desempenho dos seus elementos. Estas diferenças devem-se a vários factores, desde o contexto político, institucional e cultural e os que chamamos naturais. Estes factores incluem as capacidades, os interesses, as motivações e a personalidade de cada um.

“Numa época crescentemente marcada pela imposição e difusão de conteúdos de homogeneização, frequentemente camuflados com rótulos de diversidade cultural, a afirmação e discussão das identidades atravessa todas as sociedades e no interior destas (…) diversos sectores e grupos (…) de natureza profissional e elementos de ligação” (Pardal, Mendes, Martins, Gonçalves e Pedro, 2009:33). Segundo os mesmos autores “as identidades sociais não constituem uma inerência ao indivíduo, mas antes um constructo, associadas a um contexto social e a uma história” (ibid.:35).

Há muitos factores que influenciam o modo de sentir, pensar, actuar dos professores, o que são enquanto pessoas, as suas histórias de vida e os contextos sociais em que cresceram, aprenderam e agora ensinam. Os cooperantes para além destes factores, enquanto formadores são confrontados com a enorme complexidade do processo de formação inicial onde se entrecruzem diferentes actores e tentar compreendê-lo e ao modo como os diferentes elementos se “encaixam” é muitas vezes uma actividade paradoxal, uma vez que é uma realidade que lhes “escapa”.

Poder-se-á falar numa identidade de professores cooperantes? Se a origem das identidades “surge da necessidade de ocupação de uma posição social” e na qual “o indivíduo não é apenas um receptáculo” (ibid.:36), luta pelo seu reconhecimento e organiza significados específicos de um grupo, poderemos então falar de uma identidade dos cooperantes, num grupo com uma identidade socialmente reconhecida, a classe profissional docente.

Embora os professores sejam todos oficiais do mesmo ofício cujos objectivos, maioritariamente, são o de executar bem o seu trabalho e o de se aperfeiçoar continuamente na sua execução, os cooperantes consideram que ser colaborador da instituição na formação inicial é uma forma de ser reconhecido profissionalmente pelos seus pares, uma vez que é a função social de distinção que é valorizada.

Muitos tornam-se cooperantes numa fase da vida profissional de “estabilização”, apesar de actualmente, muitos entrarem nesta aventura na fase de “exploração”. Segundo Huberman (1992:53) “apesar do estatuto flexível de todas as fases perceptíveis na progressão de uma vida profissional”, a fase de exploração consiste “em fazer uma opção provisória, em proceder a uma investigação dos contornos da profissão, experimentando um ou mais papéis” (ibid.:1992:37), o que acontece ao ser simultaneamente professor do 1º ciclo e cooperante.

O mesmo sucede na fase de estabilização, apesar de o fazerem por diferentes razões, pois “as pessoas centram a sua atenção (…) na tentativa de desempenhar papéis e responsabilidades de maior importância ou prestígio” (Huberman, 1992:37). Assim “após uma

primeira vivência das actividades de sala de aula, e da profissão em geral, o professor parte em busca de novos desafios” (ibid.:42).

Os cooperantes elaboram um determinado discurso que confere significações aos diferentes aspectos da formação inicial, que pode traduzir o que sabem, o que pensam, e sentem num dado momento sobre o papel que desempenham no quadro profissional e social.

O conceito de identidade tem suscitado, simultaneamente, problemas de terminologia e de definição, tendo os termos identidade, self e personalidade sido usados para definir a especificidade que diferencia um indivíduo de todos os outros. Por sua vez, a explicação dos comportamentos individuais, em função da identidade, tem evidenciado a necessidade de se compreender o próprio processo de formação e desenvolvimento da mesma, num determinado contexto social. O indivíduo é levado a comparar-se com os outros, procurando perceber as semelhanças e as diferenças de forma a poder situar-se em relação ao consenso social que o rodeia.

A identidade liga-se com as representações de diferentes aspectos da função docente, desde a capacidade para exercer a sua profissão, aos valores e objectivos subjacentes a essa prática até aos diferentes factores contextuais que a envolvem.

Neste estudo o conceito de identidade implica, particularmente, a sua contextualização na dinâmica de socialização. “Não se trata apenas de identidade no trabalho mas de formas de identidades profissionais no seio das quais (…) os saberes incorporados são tão estruturantes como as posições de actor” (Dubar, 2003:46).

Daqui decorrem dois aspectos substanciais inerentes à mobilização deste conceito, a noção de identidade enquanto processo dinâmico e enquanto processo biográfico e relacional (Dubar, 2003).

Esta última concepção reconhece que a identidade incorpora as representações do sujeito sobre si próprio e sobre os outros e, nesse sentido, é construída numa dinâmica de interacção permanente na qual intervêm as próprias representações de si e o olhar do outro (Goffman, 1993; Dubar, 2003).

Neste sentido, a identidade é, em grande medida, construída na interacção social e cultural. A identidade não se esgota na expressão da singularidade dos sujeitos e nos seus processos de construção biográfica. As identidades são assim elaboradas em função das situações de interacção, ou seja, dos contextos social, histórico e cultural dessas situações e, ainda em função da história pessoal do indivíduo.

A perspectiva interaccionista e relacional da identidade de Goffman reconhece que as identidades são múltiplas, flutuantes e situacionais. Goffman (1993) concebe o contexto social como um palco no qual o actor social assume o papel de uma determinada personagem na sua apresentação aos outros actores (outras personagens), influenciando uns e outros a definição da situação de apresentação através das suas acções. Deste modo, os indivíduos irão, tacitamente, agir em função da representação que fazem do que se encontra em jogo, numa determinada situação e também, em função do sistema em que se encontram inseridos. Este sistema exerce sobre os indivíduos uma pressão constante para agirem nesta ou naquela direcção, sendo os sujeitros particularmente sensíveis às repercussões da sua acção sobre a sua auto-imagem.

Para Goffman (1993) nas situações de interacção os sujeitos tentam manter uma linha com alguma consistência, procurando manter a realidade social que construíram para si, ou seja, um modelo de acção que lhes permita expressar a visão da situação, dos outros e de si próprios.

Neste processo, ou jogo social, podemos encontrar uma procura permanente de ajustamento entre identidades, aquela que nos é atribuída pelos agentes e instituições com as quais interagimos, e identidade que resulta da imagem que construímos de nós próprios.

Os indivíduos são activos na construção da sua identidade, mas a sociedade intervém igualmente na sua formação. Os processos de aquisição da identidade social, nomeadamente através das relações entre indivíduos do mesmo grupo e das relações entre grupos, tal como os objectivos de domínio ou relações assimétricas no mesmo grupo ou entre grupos, estão ligados

ao conhecimento da sua pertença a determinado grupo social, assim como à significação emocional e avaliativa que resulta desta pertença.

Segundo Dubar (1997:105), “a identidade não é mais do que o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições”. A identidade para si e a identidade para o outro são inseparáveis na construção da identidade social, coexistindo de forma problemática (Dubar, 1997).

Marcada por esta dualidade, a identidade é, ao mesmo tempo, um processo biográfico (de continuidade ou de ruptura com o passado) e um processo relacional (a identidade reconhecida ou não reconhecida pelos outros).

Entendemos, deste modo, que a identidade social é construída pelos indivíduos em interacção nos grupos, e que as expectativas que os membros do grupo têm sobre os papéis a serem desempenhados constituem os pilares da sua sustentação.

A aceitação de determinada identidade social pressupõe que haja interacção entre os sujeitos na sua construção e partilha, assegurando-se assim, um compromisso do e com o grupo, definindo os sentimentos de pertença social que garantem a existência do grupo.

Ou seja, a identidade possui simultaneamente uma dimensão individual, isto é, as ideias, as concepções e as representações que construímos sobre nós próprios e uma dimensão colectiva, isto é, os papéis sociais que desempenhamos em cada grupo ao qual pertencemos (familiar, profissional, escolar, religioso, etc.).

Se a identidade “é uma construção social que define os que, como nós, ficam dentro e os que, como eles, ficam de fora analisar a formação de identidades exige que se compreendam os padrões de inclusão e exclusão que fazem com que sempre que se forme um nós se fechem as portas para um deles” (Moreira e Macedo, 2002:20) exige que identifiquem e compreendam as relações no âmbito das quais se dividem o nós e os outros.

Sendo os cooperantes sujeitos sociais que partilham espaço, tempo, lugar expectativas e percepções, não podemos, por um lado, deixar de considerar que o contexto mais amplo em

que cada um dos sujeitos está inserido interfere, possivelmente, nas representações sociais sobre a formação inicial de professores.

Por outro, estamos convictos de que determinados discursos contribuem para que o diferente, desconsiderado se torne o outro.

O outro, neste estudo, engloba muitas identidades e diferenças que podem constituir uma ameaça à identidade cooperante, capaz de a corromper e até alterar.

Esta identidade do professor cooperante, o grupo que parece considerar-se subalternizado, pretenderá desafiar a identidade dominante, correspondente aos protagonistas da instituição de formação?

A nosso ver, a tensão que parece existir, entre o esforço dos cooperantes por consolidar a sua identidade e a instituição de formação, reside num dos maiores desafios que a instituição de formação precisa de considerar.

Iniciar um novo processo, no qual se acabe com as alianças provisórias que apenas amenizam as dificuldades desta fragmentação, e possa propiciar a emergência de uma perspectiva comum, construída por todos os envolvidos no processo de formação inicial.

Estamos convictos de os conflitos não serão totalmente eliminados, mas também pensamos que não é com alianças de conveniência, temporais e instáveis que os mesmos se resolverão.

Neste contexto, é necessário dar voz ao grupo minoritário que tem sido silenciado neste espaço social, e no qual as assimetrias de poder e de status se desvaneçam no diálogo como elemento delineador de uma renovada formação inicial.