• Nenhum resultado encontrado

O Que se Espera, Idealmente, do Cooperante?

A selecção de cooperantes para a prática pedagógica na formação inicial rege-se, em muitos casos, pela reconhecida competência pedagógica em sala de aula, logo um profissional competente para formar outros profissionais.

No entanto, muitos professores cooperantes sentem que a instituição de formação os considera como um recurso secundário e alguém conhecedor da prática que pode fornecer soluções e ceder um conjunto de conhecimentos base, competindo-lhe assim ensinar a profissão aos futuros professores.

Por outro lado, sentem que fazem parte de um sistema de formação em que o que os formandos esperam é a transmissão de conhecimentos práticos conseguidos ao longo dos anos, que acaba por se traduzir num processo de imitação de um modelo de professor.

Colocando-se muitas vezes numa posição defensiva, quer em relação aos alunos, quer ao supervisor, os cooperantes, fazem sentir aos formandos que a parte formal e curricular do curso é a de menor importância na futura profissão.

Esta posição defensiva, talvez se deva, por um lado, à pouca importância que vêem ser dada à prática e ao seu papel fundamental pela instituição de formação e por outro, sentirem que muitas vezes o seu trabalho é posto em causa pelos próprios alunos formandos e supervisores, quando nas reflexões se opina sobre as suas propostas de trabalho.

A retórica das competências profissionais tem contribuído para que os cooperantes sintam que o saber lidar e as estratégias que desenvolvem na privacidade da sua sala de aula, não sejam consideradas de produção legítima.

“Não possuindo a legitimidade para poderem ser expressos através dos dispositivos que asseguram uma expressão pública credível às vivências profissionais, os saberes discretos produzidos na gestão privada dos quotidianos profissionais só podem existir silenciosamente na clandestinidade, já que por não serem deontologicamente credíveis são sistematicamente desvalorizados e ocultados” (Correia e Matos, 2001:105).

Assim, o cooperante “é desqualificado enquanto investigador das suas práticas, já que não possui os títulos e as credenciais para fazer um estudo “rigoroso” do que acontece, e é-lhe negada a possibilidade de intervir na fabricação de dispositivos tendentes a melhorar a prática” (Barbosa, 2002:563) assim como a possibilidade de intervir na formação “teórica” das instituições de formação.

É pois confinado por estas ao mero estatuto de facilitador do desenvolvimento da prática pedagógica na sua sala de aula.

Os cooperantes sentem-se, muitas vezes, desvalorizados pela instituição de formação, mas também eles desvalorizam a formação por ela dada.

Tardif, Lessard, e Gauthier, (s.d:43) relatam que Lessard e Tardif (1996) concluíram que os professores com experiência defendiam determinados valores que os conduziam a determinados juízos de valor, que ainda hoje são ouvidos:

- “A prática é superior às teorias e as únicas teorias válidas são as que falam da prática e praticantes;

- Aprende-se a ensinar ensinando e a verdadeira formação é experimental, a formação universitária é muito abstracta, inútil;

- A escola é uma realidade completamente diferente da universidade e é ela que fornece à profissão o seu valor, a sua autenticidade, a sua concretização;

- Os funcionários da educação ignoram as tarefas reais dos docentes, comportam-se como reis e mestres num território do qual ignoram tudo e que a maior parte das vezes desfiguram com iniciativas burocráticas, abstractas, inúteis e estéreis;

- A opinião pública ignora as verdadeiras condições e as dificuldades da profissão;

- É na turma que se passam as coisas realmente importantes, vitais, tangíveis; o sistema escolar sai de uma outra ordem de realidades, dominado pelos burocráticos”.

(Tardiff, Lessard, Gauthier, s/d:175) referem que a resposta ao que se espera do cooperante depende, em última instância, dos interessados.

Mas com base nos estudos de Clerc e Depuis (1994) e Perrenoud (1994) referem alguns aspectos comuns.

Espera-se que os cooperantes deixem de se contentar em abrir as portas da sua turma e servir de modelo, para se inscreverem numa lógica de formação, sentindo-se como formadores, num projecto conjunto com a instituição de formação.

Espera-se também que, se não o forem à partida, que progressivamente adiram “a uma abordagem de formação construtivista, interactiva, clínica e diferenciada” traduzida num convite aos formandos para observar, tentar compreender, questionar o que se passa na sala de aula; numa atitude de diálogo, questionamento e exigência; num favorecimento de experiências precedidas, acompanhas e seguidas de reflexão conjunta; e no ajuste de formação às necessidades pessoais e profissionais do formando.

É fundamental que o cooperante não represente a comédia de mestria Perrenoud (1996) (Tardiff, Lessard, Gauthier s/d:176), e mostrar que a acção pedagógica se constrói progressivamente, através de hesitações, incertezas, erros, paciência, perseverança, alegrias e tristezas, e que muitas vezes é preciso vencer angústias e depressão.

É dando-se a conhecer, o que sente, o que faz, retratando uma parte do seu percurso profissional que, cooperante e formando, criam um clima de confiança.

Por outro lado, criado este clima espera-se que o cooperante confronte o formando com a individualidade na tomada de decisão “podes aprender comigo (…) mas também por diferença, comparando, reflectindo, adaptando selectivamente. Não te dou uma receita, mas uma referência, para te ajudar a situares-te e a construíres-te, em função do que és” (Tardiff, Lessard, Gauthier, s/d:178).

É ainda necessário, neste clima, que o formando e cooperante considerem os erros de uns e outros como oportunidade para ambos se desenvolverem.

Cabe ao cooperante não assumir a norma, mas sim explicitar as suas escolhas, a mostrar como reflecte, auxiliando o formando a fazer o mesmo.

Cabe-lhe, ainda, tentar sensibilizar o formando para, o que nas palavras de Landsheere (1979), na realidade são as diferentes situações pedagógicas uma vez que “para qualquer professor as situações pedagógicas são situações intermédias entre a certeza e o risco” (Altet, 2000: 169) ou para citar outro autor Tochon (1990) a pedagogia é uma aventura.

Um professor capaz de tomar decisões interactivas adaptadas aos seus alunos e ao contexto organizacional da escola.

Para isso terá de saber partir da análise das variadas situações pedagógicas e de saber usar a sua reflexão sobre a acção.

Deste modo, pretende-se que o formando, futuro professor, se torne progressivamente capaz de reflectir na acção, tendo em consideração as lógicas complexas desta.

O papel do cooperante é imprescindível na sensibilização e iniciação à prática pedagógica quotidiana em sala de aula e à prática enquanto elemento de uma comunidade escolar dos formandos.

É necessário que se sinta como um gestor das aprendizagens (Altet, 2000:173) dos futuros professores. No entanto, não é suficiente que se sinta como tal. É necessário que lhe seja reconhecido esse papel.