• Nenhum resultado encontrado

Das representações colectivas às representações sociais

2. Noção de Representação Social

2.1. Das representações colectivas às representações sociais

As representações sociais não se constroem no vazio social. Formam-se desde que são estabelecidos os primeiros contactos sociais e são influenciadas pelas vivências, pelas interacções que se estabelecem e pelo meio cultural onde os indivíduos estão inseridos.

É um processo contínuo, subjectivo, que obedece às trajectórias individuais e sociais, que tem como possibilidade a construção/desconstrução/reconstrução, atribuindo sentido ao trabalho e centrado na imagem e auto-imagem social que se tem da profissão.

Mas, qual é o conceito de representação social? Como definir representação social? Quando é que surgiu a noção de representação social?

A noção de representação irrompe na Sociologia e na Psicologia Social, enquanto modo específico de conhecimento e organizador e teve origem na teoria sociológica de Durkheim. A teoria de Durkheim era baseada em dicotomias entre o indivíduo e o social, entre o pensamento colectivo e o individual e identifica “representação colectiva” e “representação individual”. O tema central do pensamento durkheimiano é o da relação entre os indivíduos e a colectividade. Durkheim conservou durante toda a sua vida a ideia que pretende que o indivíduo nasce da sociedade e não a sociedade dos indivíduos (Aron, 1991:318).

Como é que uma colecção de indivíduos pode constituir uma sociedade? Como é que os indivíduos podem realizar essa condição da existência social que é o consenso?

Estas questões são colocadas na sua tese de doutoramento que é o seu primeiro livro “ Da divisão social do trabalho” em 1893.

Em 1898, num artigo que escreveu sobre representações individuais e colectivas, Durkheim refere que as representações colectivas são mais importantes que as individuais.

Enquanto as representações individuais se baseiam na consciência individual, as representações colectivas baseiam-se na sociedade como um todo, isto é, são ideias gerais e crenças existentes na sociedade que traduzem a forma como o grupo pensa, e têm um carácter

estático, como se a sociedade fosse uma unidade estanque, fechada sobre si própria, exactamente definida.

Para o grande sociólogo francês existiria uma consciência colectiva, a qual, em lugar de resultar das consciências individuais, é que produziria estas últimas:"tudo o que existe na consciência individual deve ser atribuído à pressão social" e a "única liberdade do indivíduo é a de individualizar em si a consciência colectiva". E isto porque "a sociedade não se reduz a uma simples soma de indivíduos, mas o sistema em que se traduz a respectiva associação e que representa uma realidade específica, dotada de características próprias". “Le système qu'ils forment en s'unissant et qui varie suivant leur disposition sur la surface du territoire, la nature et le nombre des voies de communication, constitue la base sur laquelle s'élève la vie sociale. Les représentations qui en sont la trame se dégagent des relations qui s'établissent entre les individus ainsi combinés ou entre les groupes secondaires qui s'intercalent entre l'individu et la société totale” (Durkheim, 1898:19). Considera assim que a consciência colectiva não deriva directamente das consciências individuais.

A consciência colectiva, definida na “Da Divisão do Trabalho Social” é o conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade que forma um sistema determinado e que tem a sua vida própria (Aron, 1991:316).

O indivíduo é membro da sociedade pela interiorização de normas impostas intimamente ligadas às posições sociais. “En effet, si l'on peut contester peut-être que tous les phénomènes sociaux, sans exception, s'imposent à l'individu du dehors, le doute ne paraît pas possible pour ce qui concerne les croyances et les pratiques religieuses, les règles de la morale, les innombrables préceptes du droit, c'est-à-dire pour les manifestations les plus caractéristiques de la vie collective. Toutes sont expressément obligatoires; or l'obligation est la preuve que ces manières d'agir et de penser ne sont pas l'œuvre de l'individu, mais émanent d'une puissance morale qui le dépasse, qu'on l'imagine mystiquement sous la forme d'un bien ou qu'on s'en fasse une conception plus temporelle et plus scientifique” (Durkheim, 1898:19). São o poder moral, religioso, as crenças e o direito impostos ao indivíduo a partir de fora, que

constituem a consciência colectiva permitindo que valores e regras de pensar e agir sejam comuns a um grupo de indivíduos.

Para Durkheim a consciência colectiva produz o consenso. São estes dois factores que permitem a existência da sociedade apesar da diversidade dos indivíduos que a constituem.

Sendo o indivíduo membro de uma sociedade pela interiorização de normas que lhe são impostas, para uma sociedade funcionar bem deve combater tudo o que perturbe o consenso.

Assim, todas as divergências à consciência colectiva, quer sejam as normas, quer as representações colectivas são sinónimos de mau funcionamento, logo devem ser estancadas. Questiona ainda como é que indivíduos realizam, dentro da sua diversidade, a condição da existência social que é o consenso.

Para encontrar resposta, Durkheim identifica duas formas de solidariedade, a mecânica e a orgânica que correspondem a duas formas extremas de organização social (Aron, 1991: 314). A solidariedade mecânica surge quando os indivíduos diferem pouco uns dos outros, sendo assim esta a que predomina. Isto sucede quando os membros de uma colectividade se assemelham porque “experimentam os mesmos sentimentos, porque aderem aos mesmos valores, porque reconhecem o mesmo sagrado. A sociedade é coerente porque os indivíduos ainda não se diferenciaram” (Aron, 1991: 314). Corresponde às sociedades arcaicas caracterizadas maioritariamente pela homogeneidade dos seus membros.

A solidariedade orgânica característica das sociedades modernas, oposta à mecânica, surge quando os indivíduos diferem bastante uns dos outros e em que é a consciência colectiva que assegura o consenso. “É aquela em que o consenso, quer dizer, a unidade coerente da colectividade, resulta da, ou é expressa pela diferenciação” (Aron, 1991: 314). Sendo os indivíduos diferentes é que tem de existir o consenso.

Contrariamente à solidariedade mecânica, na qual existe uma equivalência das funções entre os indivíduos, na solidariedade orgânica há uma diferenciação de funções que se complementam e exigem cooperação.

É baseado na noção de representação colectiva de Durkheim que Moscovici, em 1961, na sua tese de doutoramento sobre as representações que diferentes públicos faziam da psicanálise, introduz o conceito de representação social.

Ao contrário de Durkheim, Moscovici considera que as representações sociais são dinâmicas e o indivíduo não é um receptor passivo da ideologia dominante, ou seja, não se limita a esperar pela informação e a processá-la. Moscovici afirma que “os indivíduos, na sua vida quotidiana, não são meras máquinas passivas de obediência a aparelhos, de registo de mensagens e de reacção a estímulos, em que os torna uma psicologia social sumária, reduzida a recolher imagens e opiniões. Possuem, pelo contrário, a frescura da imaginação e um desejo de dar um sentido à sociedade e ao universo em que vivem” (1961, 1976:54).

Este autor afirma ainda, ao contrário de Durkheim, que não há oposição entre individual e colectivo. Considera que o indivíduo pensa e exprime os seus sentimentos ao estar sujeito às representações dominantes no seu grupo social (Moscovici, 1989:82), verificando que as representações sociais fazem a ponte entre o mundo individual e o mundo social.

Enquanto Durkheim associa as representações colectivas às representações homogéneas e compartilhadas pela sociedade, para Moscovici (2000) as representações sociais são dinâmicas e heterogéneas, existindo uma relação estrita entre o social e o individual.

Ao comunicarem entre si, indivíduos e grupos vão produzir e modificar as suas próprias representações, que orientam as relações que estabelecem, ou seja, para Moscovici (2000) as representações sociais são sempre o resultado da interacção e da comunicação.