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CONCEITOS DE GEOPOLÍTICA E DE GEOESTRATÉGIA

No documento Doutoramento (páginas 57-60)

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL

1. INTRODUÇÃO DE CONCEITOS

1.1. CONCEITOS OPERACIONAIS

1.1.4. CONCEITOS DE GEOPOLÍTICA E DE GEOESTRATÉGIA

O Estudo das influências do meio ambiente geográfico sobre as caraterísticas somáticas e psicológicas dos seres humanos, já data pelo menos desde a Antiguidade Clássica, onde grandes personalidades da História do pensamento (Platão, Aristóteles, Jean Bodin, Montesquieu, etc.) referiram a importância destes estudos, fazendo com que no século XIX aparecessem em quase todas as disciplinas no âmbito das Ciências Humanas, como a Geografia, a Ciência Política, e a Estratégia. Intervenção que conduziu à sua autonomia no século XX, criando uma especialização mais específica da Geografia (Martins, 1996, p. 31). Neste quadro a Geopolítica surge associada à Geografia Política e a Geoestratégia associada à Estratégia, o que tem levantado objeções de alguns autores que contestam a necessidade dessas duas disciplinas44.

A distinção entre essas disciplinas torna mais fácil a perceção do campo de abrangência de cada uma delas. Assim no que concerne à Estratégia e à Geoestratégia têm muito maior importância as questões militares do que para a Geopolítica e para a Geografia política, em que os conhecimentos da Geografia serão mais importantes do que o são para a Estratégia. Neste contexto importa lembrar a posição defendida por Sousa Lara, citado por Martins, que faz a distinção da Geografia Política e da Geopolítica com base em três critérios: enquanto a primeira é uma ciência descritiva, a segunda tem uma vocação programática; a primeira é mais uma divisão da Geografia e a segunda é muito mais disciplinar; e por último a primeira é uma disciplina essencialmente sincrónica, limitando a sua análise a um determinado período e tendendo a manter-se no espaço e no tempo, a segunda é predominantemente diacrónica, analisando acontecimentos segundo o vetor tempo, ou seja do passado para o futuro (1996, pp. 33-34).

Assim no âmbito da Geopolítica, «a Geografia que interessa não é apenas a Geografia física, mas também a Geografia humana e climatérica (dedicando-se também aos fatores políticos, económicos, sociais e militares)», distanciando-se assim do conceito de Geografia Política. Por isso antes da criação do termo «Geopolítica»45 e da sua consolidação

44 Todavia existem autores como Yves Lacoste ou Célèrier que afirmam a necessidade de ambas as disciplinas,

tentando caraterizá-las e distingui-las entre si, bem como com as outras com quem têm maior afinidade, isto é, Geografia política quanto à Geopolítica, e esta e a Estratégia quanto à Geoestratégia (Martins, 1996, p. 32). Assim, entre as décadas de 1840 e 1914 nascem quatro Escolas Geográficas, na consolidação da «Geografia Moderna» do século XVIII, nos Estados Unidos da América, com William Davis, na Grã-Bretanha, com Harold Mackinder (1861-1947), na França com Vidal de la Blanche (1845-1918) e na Alemanha, com Friederick Ratzel (1844-1904) (Dias, 2005, p. 55).

45 O termo «Geopolítica» foi fundando por Rudolf Kjellen (1846-1922), na década de 1900, derivado do

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como ciência independente, este campo de conhecimento era abordado por diferentes disciplinas. Em termos universais pode-se afirmar que as duas «grandes linhas de pensamento geopolítico» derivam dos racionais de duas vertentes originárias «da oposição mar – terra», de Alfred Thayer Mahan (Poder Marítimo) e de Halford John Mackinder (Poder Terrestre) (Fernandes & Borges, 2005, p. 66). Todavia durante algum tempo o estudo sobre as matérias de geopolítica não mereceu um maior fortalecimento teórico-científico, fazendo com que só na década de 1960 reaparecessem obras sobre estas matérias, essencialmente por intermédio da Escola Francesa (Dias, 2005, p. 58).

Em Portugal Adriano Moreira, aquando de uma conferência na Sociedade de Geografia em 1963 sob o tema «os Grandes Espaços», aborda pela 1ª vez de forma clara as questões relacionadas com Geopolítica, na medida em que dois anos mais tarde a obra de Políbio Almeida46 (Geopolítica chinesa e sua incidência em África) vem reforçar o estudo dessas matérias a nível nacional (Dias, 2005, p. 58). Seguem-se vários teorizadores nestas matérias em Portugal. Fernandes e Borges veem a Geopolítica47 como “a disciplina política que trata da criação, organização, gestão e uso do poder em função do espaço como factor desse mesmo poder” (2005, p. 67). Por sua vez de acordo com a conceção do Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM) de 1993 a Geopolítica consiste no “estudo das constantes e das variáveis do espaço acessível ao homem que, ao objetivarem-se na construção dos modelos de dinâmica de Poder, projeta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na atividade da Ciência Política”, porquanto parece claro que o terreno da Geopolítica está orientado para as relações internacionais, não omitindo questões relevantes da política interna.

Dado o exposto, a Geopolítica surge na atualidade como uma disciplina autónoma, aplicada e associada ao ramo da atividade e âmbito da política e não simplesmente como um ramo da Política ou da Geografia48. Por isso e por transposição e analogia à definição de Julian Corbett de Estratégia Marítima, a Geopolítica Marítima surge como toda a atividade

definido tendo em conta a estrutura do Estado unificado, como «uma ramificação da ciência política que deve ser diferenciada da geografia política, considerando o planeta no seu conjunto e enquanto habitat da humanidade» (Dias, 2005, p. 55).

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Importa sempre lembrar a opinião de Políbio, citado por Dias (2005, p. 59), o qual apontava que “a geopolítica tem por finalidade explicar as relações recíprocas que se estabelecem entre a estrutura social e o facto político quando condicionadas ou pelo espaço geográfico em que se desenvolveram, ou por um outro, ou pelos dois simultaneamente. Assim, é no seu contexto que se fala em zonas de influência, Estado-tampão, esferas de influência, condomínio, etc.”

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A palavra Geopolítica desde logo traduz o âmbito de aplicação do seu estudo (GEO – terra ou território; Política – Política do Estado ou afirmação do Estado nas relações internacionais).

48 A Geopolítica enquanto disciplina e ciência surge do recorte que une a geografia e a política, sendo que a

abordagem às suas matérias se enquadram no mais alto patamar de análise e decisão política (Fernandes & Borges, 2005, p. 65).

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geopolítica “na qual o mar é o factor primordial num contexto nacional em que se procura maximizar o benefício das condições geográficas e políticas aproveitando as oportunidades que o mar proporciona para o desenvolvimento económico, prosperidade e para a superioridade política e de defesa” (Rocha, 2009, p. 43).

Perante esta necessidade decorrente da visão macroscópica desta ciência, ela surge associada a outras áreas de conhecimento, já que a mesma tem caráter multidisciplinar, dinâmico e interdependente, em que dentro destas áreas de conhecimentos se destacam a Geografia Militar, a Geografia Política, a Geoeconomia, a História Militar, as Relações Internacionais e a Geoestratégia, sendo que esta última surge como a “...gestão estratégica dos interesses geopolíticos...”49

(Dias 2005, p. 65). Deste modo, o critério mais comum é o de considerar que a Geoestratégia tem a ver com a Estratégia e os problemas estratégicos no âmbito da Geopolítica (Martins, 1996, p. 34).

Na distinção entre a Geoestratégia e a Estratégia os critérios mais utilizados são: por um lado a escala geográfica com que os estudos são efetuados, em geral maior quanto à Estratégia, que estuda o teatro operacional com maior detalhe, focando por isso a sua atenção em espaços mais restritos do que aqueles que, em regra, interessam à Geoestratégia; e por outro, a forma predominante de encarar os acidentes geográficos, que a Estratégia encara fundamentalmente como condicionantes, enquanto a Geoestratégia os coloca no centro das análises, valorizando-os sobretudo em função do seu papel como objetivos ou como fatores de projeção de poder (idem, p. 35). Como consenso geral, verifica-se então que a Geoestratégia relaciona os problemas estratégicos com os fins políticos (Tomé, 2011, p. 181).

Destarte, Fernandes e Borges sustentam que a Geoestratégia50 surge como “a área da Estratégia que trata do condicionamento geográfico do espaço sobre a acção estratégica” (2005, p. 67), constituindo o seu foco o estudo espacial que pode condicionar a manobra estratégica em todos os seus patamares. Por sua vez, de acordo com a conceção do IAEM, defendida em 1993, citada por Mendes Dias (2005, p. 64), a Geoestratégia é “o estudo das constantes e variáveis do espaço acessível ao homem, que ao objetivar-se na construção de modelos de avaliação e emprego de formas de coação, projeta o conhecimento geográfico na atividade estratégica”. Na visão de Raúl François Martins, essa“...consiste no estudo das relações entre os problemas estratégicos e os fatores geográficos, à escala regional ou

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O conhecimento geopolítico ao longo dos anos tem sido plasmado por duas grandes linhas de interpretações: as deterministas (Ratzel, Kjellen, etc.) e as possibilistas (Vives, La Blanche, etc.).

50 A palavra Geoestratégia desde logo traduz o âmbito de aplicação do seu estudo ou seja: GEO – terra ou

território; e Estratégia – planeamento de como e de que forma o Estado irá projetar no exterior os objetivos que definiu, através da projeção da Força (política, económica, militar, cultural, religiosa, psicossocial, etc.).

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mundial, procurando deduzir a influência dos fatores geopolíticos […] nas situações estratégicas e na consecução dos respetivos objetivos...” (1996, p. 36). Com isso e tal como Saul Cohen defendeu no âmbito da Geoestratégia, qualquer região “deve ser suficientemente ampla para possuir características e funções com influência mundial” (citado por Dias, 2005, p. 203); para além da sua importância para os outros Estados, por representar uma vantagem que é crucial para a unidade de regiões estratégicas.

No documento Doutoramento (páginas 57-60)