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U NIÃO A FRICANA

No documento Doutoramento (páginas 135-140)

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL

3. A REALIDADE ANGOLANA: UMA ANÁLISE GEOPOLÍTICA E GEOESTRATÉGICA

3.7. ANGOLA NO SISTEMA POLÍTICO INTERNACIONAL

3.7.2. AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

3.7.2.2. U NIÃO A FRICANA

Na Reunião Extraordinária da OUA em Sirte, em 1999, foi tomada a decisão de estabelecer a UA, tendo o seu Ato Constitutivo sido assinado em julho de 2000 em Lomé (Togo), durante a 36ª Sessão Ordinária da Assembleia da OUA. Em julho de 2001, durante a 37ª e última Sessão Ordinária da OUA, foi oficialmente lançada a UA (UA, 2001). A criação da UA foi assim motivada por uma série de fatores relacionados com a estrutura socio-política dos Estados africanos, nomeadamente no âmbito da integração socio-económica no continente e da geopolítica dos conflitos a nível continental.

Neste pressuposto e considerando que “a transnacionalidade dos problemas securitários na região subsariana deriva em grande parte da permeabilidade das fronteiras do Estado e da sua exiguidade como garante da segurança regional” (Bernardino, 2013, p. 170), surgiu a necessidade de começarem a ser tomadas algumas medidas relativas à prevenção e gestão de conflitos no continente. Surge assim a chamada "Arquitetura de Paz e Segurança Africana", que nasce de um conjunto de ações desenvolvidas pelos Estados africanos, com vista a contribuir para a garantia da paz, segurança e da estabilidade continental, firmando-se num mecanismo gerador de paz para o desenvolvimento, em que os Estados e as ORA assumem um papel fundamental na sua dinamização e operacionalização190 (Coning, 2010, p.

8; Vines, 2013, p. 90).

Com efeito, a União Africana (UA), conjuntamente com os seus Estados-membros, criou um conjunto de estruturas e mecanismos, de forma a permitir o sucesso da APSA. Assim sendo, durante a 1ª Sessão Ordinária da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africano (UA), nos dias 9 e 10 de Julho de 2002 em Durban (África do Sul), adotou-se o «Protocolo Relativo à Criação do Conselho de Paz e Segurança (CPS)191», que veio a ser lançado oficialmente em 25 de maio de 2004, durante a cerimonia solene de

190 Pela primeira vez, África tem uma posição política-estratégica comum e um plano de ação para o

desenvolvimento da sua paz e estabilidade, uma vez que esta estrutura visa a implementação de instrumentos que permitam um fortalecimento das capacidades de Segurança e Defesa dos Estados Africanos.

191 O CPS surge de um processo de reforma do Mecanismo de Prevenção e Resolução de Conflitos (Mechanism

for Conflict Prevention, Management and Resolution), criado pela Assembleia de Chefes de Estado e de

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lançamento em Addis Ababa (Ethiopia) (UA, 2004, p. 2). Esse protocolo estabeleceu entre outros mecanismos a criação da «Africa Standby Force (ASF)192» também conhecida por «Força Africana em Alerta (FAeA)», a fim de permitir a materialização das metas que o CPS se predispôs a cumprir, tendo em vista a consolidação e o fortalecimento da APSA (UA, 2010, p. 1; Kasumba & Debrah, 2010).

Posteriormente, entre maio de 2003 e julho de 2004 os Chefes Africanos de Defesa e Segurança (CADS)193 aprovaram o estatuto político da Africa Standby Force194 e da Comissão de Estado-Maior, entrando em vigor alguns meses mais tarde o Conselho de Paz e Segurança (CPS) e a ASF, tendo ficado estabelecido a implementação de cinco brigadas a nível regional (Kasumba & Debrah, 2010, p. 14): North Africa Regional Standby Brigade (NASBRIG); East Africa Standby Brigade (EASBRIG); Force Multinationale de l‟Afrique Centrale (FOMAC); Southern Africa Standby Brigade (SADCBRIG); e ECOWAS Standby Brigade (ECOBRIG). Seguindo a mesma intenção, foi aprovado em março de 2005 um roteiro de operacionalização para a ASF (ASF ROADMAP I), a nível regional e continental, onde constavam medidas concretas a serem implementadas durante um período de 5 anos, em duas fases (ASF ROADMAP I e ROADMAP II), para que até ao ano de 2010 a ASF se encontrasse em fase operacional (UA, 2010, p. 2). Por seu turno, tendo em conta o quadro geopolítico da conflitualidade no continente, o CPS estabeleceu um sistema de alerta continental, o «Continental Early Warning System (CEWS)», também conhecido como

192 A fim de permitir que o Conselho de Paz e Segurança desempenhe as suas responsabilidades em relação ao

envio Forças nas missões de apoio à paz e de intervenção nos termos do artigo 4º (h) e (j) do Ato Constitutivo, deve ser estabelecida uma Força continental que esteja em permanente alerta. Assim, de acordo com o expresso no artigo 13 do Protocolo de criação do CPS, a ASF é composta por contingentes multidisciplinares constituídas por militares e civis, em seus países de origem, estando pronto para a rápida implantação no terreno, mediante aviso prévio, no sentido em que para o efeito, os países devem tomar medidas para estabelecer contingentes em prontidão para a participação em missões de apoio à paz, decidida pelo Conselho de Paz e Segurança ou intervenção autorizada pela Assembleia (União Africana, 2010). Durante a 5ª reunião dos Chefes dos Estados- Maiores dos países africanos, que decorreu em Addis Abeba de 24 a 26 do mês de março de 2008, o Antigo CEM/FAA, General Francisco Furtado, defendeu que «do ponto de vista de Segurança e Defesa, o continente é forçado a participar em Missões de Operações de Manutenção de Paz, tendo em conta os constantes focos de instabilidade em África», pelo que o continente não pode esperar que sejam apenas as Nações Unidas a decidirem ou a enviarem forças para poderem garantir paz e a estabilidade no continente (Revista Defender, 2008, p. 13).

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Os CADS correspondem aos Ministros ou responsáveis pela Defesa dos Estados-membros. Na realidade, a aprovação do estatuto político da ASF só aconteceu em julho de 2004, em Addis Abeba, durante a 3 ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, sendo que o estatuto estabeleceu que a ASF constituísse brigadas pelas cinco regiões africanas, em duas fases, até ao ano de 2010, em que deveriam estar montadas todas capacidades quer a nível regional como continental (UA, 2010, p. 1).

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No entanto, para a eficaz coordenação e controlo da ASF torna-se necessário a instalação de um comando interoperável e apropriado em todo o continente, integrado num Sistema de Infraestruturas de Comando, Controle e Comunicação (SIC3), que sirva de rede de ligação entre as unidades implantadas no terreno; bem como outros elementos envolvidos no planeamento das missões no âmbito da APSA, como sublinhou Billy Batware da MA Peace and Conflict Studies – European Peace University, no seu artigo sobre a ASF.

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«Sistema de Alerta Rápido da União Africana», ligado às unidades implantadas no terreno que acompanham e monitorizam a situação localmente, em conjunto com outros mecanismos opercaionais a nível sub-regional (centros de decisão supranacionais, entre outros meios), que visam garantir a segurança no continente195.

Neste contexto, o artigo 2.º do Protocolo do CPS define os principais pilares da APSA, que materializam as metas traçadas pelo Conselho de Paz e Segurança da UA, dentre os quais: o próprio Conselho de Paz e Segurança, o Painel de Sábios, o Continental Early Warning System (CEWS), a Africa Standby Force, o Comité Militar, o Centro Africano de Estudos e Pesquisas sobre o Terrorismo (CAERT) e o Fundo Especial para a Paz (Williams, 2011, p. 6-13; Batware, 2011, p. 6). Para além destes instrumentos comunitários, existem outros órgãos relativos à Segurança e Defesa, no âmbito da União Africana, a saber: o Centro de Gestão de Conflitos (1992) e o Comité dos Chefes de Estado-Maior no CPS (2003) (Bernardino, 2008b, p. 256).

Todavia e apesar dos esforços desenvolvidos, existem ainda alguns obstáculos que têm dificultado o completo sucesso deste projeto, designadamente os relacionados com a uniformização do modelo e da estrutura das diferentes ASF, embora a UA tenha definido em tempo oportuno os parâmetros de atuação de cada força. Consequentemente e embora estivesse previsto de início a efetiva operacionalização das brigadas até o ano de 2010, os documentos atuais apontam a sua concretização para o ano 2015 (IISS, 2013, p. 479). Neste particular e numa tendência «interessada e interesseira» de apoiar sistematicamente a edificação da APSA, e por sua vez melhorar a segurança no continente196, foram criadas iniciativas como o Peace Support Operations Facility for the African Union da UE; o International Military Educational and Training Program (IMETP), o National Security Strategy for África e o USAFRICOM dos EUA; o G8 Africa Action Plan; entre outros programas; que refletem o apoio das grandes potências mundiais em ajudar na consolidação

195 Este mecanismo permite prever e acionar medidas, de forma a prevenir ou minimizar o desencadear de

conflitos regionais, sendo que ajuda a avaliar qual os melhor meios a utilizar tendo em vista a manutenção da paz e estabilidade nas regiões do continente. Esta rede continental de alerta, embora incompleta, pretende ser o indicador mais fiável da APSA, uma vez que surge como o primeiro mecanismo na cadeia de deteção, gestão e resolução de conflitos (Bernardino, 2011b, p. 116).

196 No rescaldo das decisões políticas tomadas pela UA, na Cimeira de Maputo em 2003, a UE no âmbito da sua

Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e através da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) estabeleceu uma iniciativa a que chamou «Peace Support Operations Facility for the African Union» que implica o uso de recursos financeiros do FED (Fundo Europeu de Desenvolvimento) para apoio às Operações de Paz realizadas pela UA em África e que constituiu a forma de apoiar diretamente a edificação e a operacionalidade da APSA (Bernardino, 2013, p. 216). Os EUA através da AFRICOM no âmbito da Africa

Partnership Station (APS) tem apoiado os países da região do Golfo da Guiné e do Golfo do Éden, envolvendo-

se em exercícios conjuntos com as marinhas locais e financiando as mesmas para a melhor edificação e preparação das forças locais, já tendo gasto mais de 35milhões de USD neste projeto.

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do "Africa Ownership", contribuindo principalmente na edificação e formação das estruturas e forças de segurança no continente (Furley & May, 2001; Williams, 2011, pp. 23-25).

A nível continental, foi também lançado em julho de 2001 o "New Partnership for Africa’s Development (NEPAD)", pelos líderes africanos, constituindo um programa orientador da renovação social e económica de África e uma ferramenta importante para uma parceria construtiva entre África e a comunidade internacional, em nome da prossecução dos interesses africanos de desenvolvimento e segurança. Neste quadro, em 2002 foi implementado o mecanismo "African Peer Review Mechanism (APRM)", surgindo como um fórum de diálogo, persuasão e trocas de experiências sobre as questões políticas, militares e económicas da governação nestes Estados (NEPAD, 2001; Abegunrin, 2009, pp. 173-190). No plano interno, importa realçar a estratégia intitulada "Angola-EU Joint Way Forward (JWF)", “que tem por objetivo reforçar o relacionamento entre as duas partes através de um diálogo politico que terá por base os princípios fundamentais de ownership e pretende apostar numa responsabilidade conjunta” (Bernardino, 2013, p. 221), bem como criar estratégias reforçadas sobre matérias de interesse comum como a paz e segurança.

Nestas circunstâncias, Angola procura afirmar-se a nível continental, especialmente no âmbito das organizações sub-regionais onde se insere (CGG, CEEAC e SADC), contribuindo claramente para a definição e a consolidação da sua Política Externa197. Por isso e tendo em conta a necessidade de manter a interoperabilidade das forças a nível regional, as FAA criaram dois núcleos no âmbito das Operações de Paz, um de nível estratégico- operacional – que funciona na Escola Superior de Guerra (ESG) – o Núcleo Estratégico- Operacional (NEO) e outro de caráter tático – a funcionar no Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOP) – ligado à Brigada de Forças Especiais (BFE), situada na região de Cabo Ledo, unidade geradora de forças para as missões de paz (Bernardino, 2013, pp. 534- 535). Portanto, tudo indica que a estrutura da APSA constitui uma óptima oportunidade para Angola se afirmar no contexto da cooperação para a paz neste continente, nomeadamente na região subsariana, através da operacionalização dos Centros de Situação e pela partilha de

197 No quadro da SADC, Angola tem apostado no empenhamento e participação das suas forças no treino regular

da SADCBRIG, sendo que o exercício «Dolphin», em 2009, reflete esta intenção, em que Angola empenhou cerca de 500 efetivos das FAA, da Polícia Nacional e da sociedade civil, num cenário operacional repartido em três fases (MAPEX- exercício de planeamento operacional; CPX - exercício de Posto de Comando; LIVEX- articulação dos dois anteriores, com as tropas no terreno), em que a região do Cabo Ledo foi o palco para a primeira fase. Do mesmo modo, Angola tem contribuído vigorosamente para o estabelecimento da paz e segurança regional, com intervenções muito recentes na República Democrática do Congo, apoiando à implementação da SADC Regional Peacekeeping Training Centre, em Harare – Zimbabwe, entre outras ações que ajudam no estabelecimento da paz e tranquilidade regional.

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informação estratégica, que só será possível através de uma rede de comunicação regional e continental.

No entanto, nos últimos anos em virtude da ausência de uma coordenação institucional, de um maior comprometimento entre as instituições africanas com atuação no mar e da inexistência de uma abordagem marítima eficaz dentro do quadro da APSA, têm proliferado as atividades criminosas nos espaços marítimos. Diante disso, observa-se que os Estados ribeirinhos africanos estão a beira de um precipício de insegurança marítima, que só poderá ser travado com o esforço conjunto, pelo que devem aproveitar os interesses das grandes potências mundiais em apoiar o amadurecimento da APSA, de forma a fazer face ao vasto leque de ameaças que enfrentam, onde os EUA e a União Europeia198 têm contribuído ativamente para a segurança marítima nestes países (Onuoha, 2012, p. 10).

Considerando que o Domínio Marítimo Africano (DMA) tem um considerável potencial para criação de riqueza e para a preservação da estabilidade regional, os Estados africanos têm prestado maior atenção aos assuntos relativos ao ambiente marítimo, nomeadamente ao nível da maritime security e da maritime safety. Neste particular, durante a 2ª Conferência dos Ministros dos Transportes da União Africana em outubro de 2009, foi adotada a «Resolution on Maritime Safety, Maritime Security and Protection of the marine environment in Africa», que vem afirmar o compromisso dos Estados-membros com a Convenção de Montego Bay; com o Ato Constitutivo da União Africano para a soberania, integridade territorial, independência política e unidade continental, incluindo os seus direitos em relação aos recursos naturais marítimas; com as suas responsabilidades no âmbito da segurança marítima, bem como a proteção do meio ambiente marinho; e a importância da necessidade de fortalecer as administrações marítimas dos países da UA para estar na vanguarda do desenvolvimento do pelouro dos transportes marítimos em África (UA, 2009).

De igual modo, durante a 1ª Conferência do Ministros Africanos responsáveis pelos Assuntos Marítimos, foi adotada a "Estratégia Marítima Integrada de África 2050 (2050 AIM Strategy)" que consiste em planos de longo prazo abrangentes, concertados e coerentes, com múltiplas ações que permitem alcançar os objetivos da UA para melhorar viabilidade marítima para uma África próspera. A 2050 AIM Strategy surge como uma ferramenta para

198 O «novo diálogo euro-africano» baseado na vertente da cooperação e da sua Política Externa teve o início

institucionalizado no quadro da UE em 2000 na Cimeira do Cairo, sendo que na "Declaração do Cairo" e no consequente Plano de Ação, a UE se mostrou disposta a realizar essa cooperação por via do apoio à edificação e operacionalização da UA, e apontando para a necessidade de cooperar na adoção de mecanismos de prevenção e resolução de conflitos, como fator fundamental do garante do desenvolvimento sustentado e da segurança humana em África.

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enfrentar os desafios marítimos da África para o desenvolvimento sustentado e para competitividade continental, com vista a fomentar a criação de mais riqueza dos oceanos, mares e águas territoriais africanas, através do desenvolvimento de uma Economia marítima florescente e valorizando o potencial de atividades marítimas, de forma sustentável (UA, 2012, p. 11). Neste particular, com apoio de várias organizações, a UA está a trabalhar para o rápido estabelecimento de uma rede integrada de Centros de Coordenação de Resgate Marítimo (Maritime Rescue Coordination Centres – MRCCs) (UA, 2012, p. 19). O Presidente Paulo Biya dos Camarões, durante a Cimeira de Chefes de Estados e de Governo da OUA sobre a Segurança Marítima no Golfo da Guiné, exortou os Países africanos a fortificarem a consolidação da "2050 AIM Strategy" (UA, 2013, p. 2).

No quadro da Africa- EU Joint Strategy foi criada a «African Maritime Safety and Security Agency (AMSSA)», visando o fortalecimento da parceiria estratégica entre o continente Africano e o continente Europeu, com o objetivo de servir de uma plataforma de cooperação no âmbito da segurança marítima, protegendo o transporte marítimo e salvaguardando a vida humana. No seu seguimento, durante a 15ª Sessão Ordinária da Assembleia da UA em 26 de julho de 2010 em Kampala, foi adotada a «African Maritime Transport Charter», como reflexo das metas traçadas pela AMSSA. Paralelamente têm sido desenvolvidas outras ações com vista a consolidar a arquitetura de segurança marítima a nível regional e continental.

Em suma, considera-se que chegou o momento para os africanos repensarem a forma como gerir as suas águas interiores, os seus oceanos e mares, sobretudo porque eles representam um pilar fundamental económico e do desenvolvimento social para todos os Estados-membros da UA, sendo vitais na luta contra a pobreza e o desemprego. Portanto, Angola e as FAA têm ao seu dispor instrumentos proativos de cooperação regional que lhe permitem participar ativamente nesta estrutura, sobretudo ao nível regional no âmbito da SADC, CEEAC e CGG199.

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