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Condição humana das minorias e dignidade

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1.4 Evolução dos direitos fundamentais, internacionalização e soberania

1.4.2 Condição humana das minorias e dignidade

Não nos parece, entretanto, ser esse o foco principal da questão da desigualdade no País. Reconhecendo os avanços no campo da inclusão, com igualação de direitos, a pretensão que se põe situa-se em outro plano, ao qual se pretende abordar no próximo capítulo.

Esse aprofundamento pressupõe que as recentes e valorosas conquistas das minorias sociais como mulher24, raça, cor, deficiente e segmentos etários, também socialmente fragilizados e desfavorecidos como o idoso, a criança, o adolescente e outros, devem ser

24 De forma contraditória, em relação às desigualdades de gênero, o coletivo social historicamente inferiorizado

vistas como espécies ou categorizações relativas. Nesse sentido, tais direitos simbolizam uma parte expressiva, porém incompleta da desigualdade figurada na pobreza. Esta sim, totalidade expressa pela falta das mínimas condições de vida, sintonizadas com carências básicas condizentes com a dignidade humana.

Dignidade como norteadora da condição humana. E sobre a compreensão dessa condição, Arendt (1996) dedicou toda uma obra, que reflete as contradições de seu tempo e dos atuais, uma vez que elas perpassam a existência da humanidade na Terra. A começar, como declara ela, pelos cristãos que concebem o seu habitat como “um vale de lágrimas” e pelos filósofos que veem o próprio corpo humano como prisão da alma e da mente.

Na esteira dessas palavras, merece ressalto as possibilidades de conquistas do espaço, descobertas a partir da década de 1960, quando pela primeira vez o homem vislumbra a Terra como uma pequena bola azul, que em sua fragilidade pode se fazer oculta por um dedo polegar do astronauta. Naquele momento o observador, em uma espontânea e imediata reação, expressa alívio ante ao gigantesco passo para libertar o homem de sua prisão. Nas palavras de Arendt (1996, p. 10):

[...] ninguém na história da humanidade jamais havia concebido a terra como uma prisão para o corpo dos homens nem demonstrado tanto desejo de ir, literalmente, a Lua. [Ela lança a questão] Devem a emancipação e a secularização da era moderna, que tiveram início com um afastamento, não necessariamente de Deus, mas de um deus que era o Pai dos homens no céu, terminar com um repúdio ainda mais funesto de uma terra que era a Mãe de todos os seres vivos do firmamento? [e sinaliza a resposta] A Terra é a própria quintessência da condição humana [...].

Ao que parece, diante do fato abordado, o planeta azul que ofereceu ao longo de milhões de anos a singular e fina condição para emergir a vida, a partir de então se encontra em baixa diante dos olhos do ápice de sua espécie viva. Ao contrário do que sinaliza a resposta para a questão dada, o homem dá sinais de caminhar para uma dissociação entre o conhecimento e o pensamento, em um ritmo acelerado no campo das ciências naturais, com os notáveis avanços no campo das telecomunicações, armazenamento e processamento de dados.

Sobre essas bases tecnológicas, vale ressaltar outro aspecto fundamental da condição humana que já está em curso, e foi sinalizado por Arendt (1996, p. 12) como “outro evento não menos ameaçador: o advento da automação, que dentro de algumas décadas provavelmente esvaziará as fábricas e libertará a humanidade do seu fardo mais antigo e mais natural, o fardo do trabalho e da sujeição à necessidade”. As máquinas são essa causa

definitiva do divórcio entre o conhecimento, modernamente conceituado de know-how, e o pensamento, uma vez que aquelas são destituídas de raciocínio.

Quanto ao desejo de libertação das fadigas e das penas do trabalho, há que se registrar não se tratar de novidade, haja vista tratarem-se de lutas históricas dos trabalhadores desde a antiguidade. Arendt (1996) pontua não ser novidade tal isenção, ao contrário, privilégio que as classes dominantes sempre mantiveram arraigados.

Uma vez que a era moderna tem a capacidade de transformar o conjunto da sociedade em sociedade operária, pela bandeira de glorificação do trabalho, o propósito que se pretende nesse momento é falar da sociedade do trabalho. Nela, dos trabalhadores. Neles, da conflitante desigualdade social que os oprime.

E será pelos caminhos da desigualdade como construção socioeconômica, imputadas historicamente aos homens e mulheres, a partir do modo da distribuição da riqueza do trabalho produzida pela humanidade, expresso pela desigualdade econômica, que no próximo capítulo compromete-se com a discussão e reflexões.

Uma vez que o balizamento da igualdade pelo que é desigual, expresso pela recente e significativa conquista dos movimentos sociais no que tange a gênero, raça, cor, deficiência e outros, parece alcançar apenas uma amostra do contingente de excluídos, faz-se oportuno aprofundar nessa outra porção que ainda continua submersa, semelhante a um gigantesco iceberg. Nessa difícil tarefa de desvelar quem são os herdeiros da perversa construção social, que dilacera os direitos fundamentais conquistados, necessário se faz melhor compreender os mecanismos de distribuição da riqueza do trabalho.

A tarefa foi preliminarmente preparada pela condução da discussão que se fez até o momento, quando os eixos temáticos sobre o enfoque da desigualdade vital, crucial e sua naturalização, bem como das minorias e dos valores fundamentais como a liberdade e a igualdade, foram abordados como feixes de relações a perpassar as categorias da temática em apreço.

Nesse momento, para dar um passo a mais na compreensão da desigualdade social do trabalhador, é imprescindível um movimento pelo campo muitas vezes árido da economia. Esse percurso histórico abrange as duas últimas décadas do século XX, em especial por contemplar o período dos anos 1980, conhecidos pela década responsável pela transição efetiva entre o regime autoritário e a redemocratização do país. Os dados mais atualizados alcançam a primeira década deste milênio.

O fato é que está em jogo o trabalhador e os frutos de sua labuta diária, bem como a distribuição dessa riqueza entre seus pares. E a ciência que tem como objeto a produção e a mercadoria, e neles a dimensão valor e riqueza decorrentes do trabalho humano pode apresentar caminhos. Nessa direção o economista Sen (2010, p. 101) nos ensina que:

A inadequação da renda frequentemente é a principal causa de privações que normalmente associamos à pobreza, como a fome individual e a fome coletiva. No estudo da pobreza tem-se um argumento excelente em favor de começar com qualquer informação que esteja disponíveis sobre distribuição de rendas, particularmente baixas rendas reais (grifo meu).

Assim, o caminho a percorrer pressupõe começar com a tratativa de uma ciência empírica apoiada na capacidade humana de produção de bens e serviços decorrentes desta atividade. Para tornar ainda mais íngreme essa escalada, diga-se, diante de um trabalho que se assenta sobre uma metodologia voltada essencialmente para as ciências do homem, a

ramificação da economia que mais aprofunda o tema em apreço toma emprestadas ferramentas do plano epistemológico das matemáticas: a econometria.

Nessa discussão, o epistemólogo que bem apresenta essa interação é Michel Foucault (1999), no que ele concebe como o triedro dos saberes, em que destaca haver sempre uma região em que os planos epistemológicos se encontram. Ou seja: para a economia estudar em profundidade as formas e os mecanismos da distribuição de renda, ela socorre-se do instrumental matemático através de sua econometria.

Para contextualizar o eixo central do capítulo que se segue, convém antes preparar o leitor para a aridez do percurso de quem não tem intimidade com a área. Para isso, busca-se trabalhar com uma linguagem acessível, dentro das possibilidades, para percorrer a base teórica da desigualdade econômica na distribuição de renda do trabalhador. A partir dela, a desigualdade social se sobressai com mais clareza e a compreensão de sua construção social, na totalidade, se torna mais visível.

Diante do exposto, o propósito maior é buscar um entendimento da distribuição da renda decorrente do trabalho, como fonte expressiva e muitas vezes dominante na produção de riqueza da maioria das nações. Essa compreensão e análise têm limites temporais entre o período compreendido imediatamente após a redemocratização do país, com a CF/88, e a década que abre o milênio em curso.

Para tal, os dados a serem apresentados abarcam um histórico relativamente longo, que envolve ainda toda a década compreendida pelos anos 1980, particularmente efervescente de transformações nos campos político e social. O alargamento na análise temporal dos dados é essencial para formular uma compreensão, em termos de totalidade, das contradições diante de avanços e retrocessos enfrentados. Nesse contexto, as Pesquisas Nacionais de Amostras de Domicílio (PNAD) se constituirão na principal base de dados, produzidas anualmente desde 1976 e levadas a campo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As PNAD permitem construir um conjunto de indicadores econômicos e sociais úteis para compreender a evolução dos padrões de vida, bem como da apropriação de riqueza dos indivíduos e das famílias no País. Soares explica, em citação seguinte, o significado das PNAD.

A mais importante fonte anual de informações sobre a realidade social brasileira. Trata-se da única pesquisa com abrangência nacional e periodicidade anual contendo informações sobre o bem-estar da população brasileira. A pesquisa coleta informações de cerca de quatrocentos mil indivíduos em cem mil domicílios, cobrindo as áreas de população, fecundidade, migração, educação, trabalho e rendimento. Pode-se pensar na Pnad como o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) para a realidade socioeconômica do país (SOARES, 2006, p. 7).

Vale, mais uma vez, referência à longa história de consolidação e construção de respeitabilidade que o IBGE goza, em nível nacional e internacional, especialmente pelos seus quase 40 anos de desenvolvimento das pesquisas por amostragem de domicílio. Merece destaque a inovação colocada a campo no início de 2014, com a PNAD Contínua, sinal de avanço e proposta de transparência profissional sintonizados com o fortalecimento da democracia nacional, em especial com a transparência da informação.

Ademais, o instituto brasileiro em apreço tem tudo a ver com a intensificação do debate na abordagem do constructo que envolve a desigualdade na distribuição de renda e suas expressões, que vem alargando o foco da temática, tendo em vista a produção de indicadores sociais sintéticos que possibilitam expressar essa sua multidimensionalidade. Assim, vamos a elas.

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