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Mercado e canais de remuneração

No documento Download/Open (páginas 88-91)

2.3 Desigualdade como passivo social do século XXI

2.3.2 Mercado e canais de remuneração

São esclarecedores cinco grupos distintos de fatores, como nos apresenta Ferreira (2000), dentre as causas da desigualdade na distribuição de renda. Segundo o autor, o primeiro vem destacar a singularidade dos indivíduos distinguidos pelas suas características natas como a raça, o gênero e a riqueza inicial. Tema que compôs comentários no primeiro capítulo do trabalho, em especial como uma das fontes da origem da desigualdade em Rousseau (2005), com seus desdobramentos na atualíssima questão posta da diversidade.

O segundo grupo de remuneração conferido pelo autor passa pelas características individuais adquiridas, com destaque para a educação. O terceiro dos fatores diz respeito às transformações conferidas a essas experiências adquiridas, cujo agente é o mercado onde o indivíduo se insere. Ele é por excelência o sujeito da transformação nas diferenças de renda e compõe o quarto grupo.

Nesse grupo o mercado é responsável conceitualmente por três distintos canais de diferenças no rendimento do trabalho, denominados discriminação, segmentação e projeção. São as formas de desigualdade geradas pelo mercado de trabalho, onde, segundo Ferreira (2008), pela discriminação, ele remunera de forma diferente dois postos de trabalho idênticos, ocupados por trabalhadores com produtividades idênticas.

No caso da segmentação, a diferença de remuneração ocorre entre dois postos de trabalho distintos, ocupados por trabalhadores idênticos, com base em características do posto

de trabalho, apesar de as produtividades daquelas combinações de posto e trabalhador serem idênticas.

As diferenças de remuneração também se manifestam pelo canal projeção, na geração de retorno às características observadas do trabalhador, dado o posto de trabalho. Desta forma, o perfil salarial da educação projeta anos de escolaridade no espaço renda, que poderá ser visto no próximo capítulo, quando se pretende destrinçar o quadro de evolução dos anos de escolaridade do trabalhador brasileiro. O mesmo se processa com o perfil salarial da experiência, que projeta anos de experiência profissional no espaço renda.

Já o quinto grupo de fatores é basicamente demográfico, neles se incluem a formação de domicílios, a fertilidade, a coabitação ou separação domiciliar. Todos esses fatores acima descritos são determinantes para a formação da renda familiar per capita de uma comunidade.

Uma análise mais acurada do funcionamento do mercado de trabalho, segundo Ramos (2001), permite visualizar o nível de desigualdade, bem como o de algumas fontes de dispersão de rendimentos. Em relação aos (a) postos de trabalho e sua heterogeneidade, o mercado depara-se com os “diferenciais compensatórios”, definidos por Ramos (2001) como insalubridade, periculosidade e outros.

De outro modo, em uma relação específica quanto à (b) heterogeneidade dos trabalhadores, verifica-se que sua manifestação se dá notadamente pela educação e experiência, e que provoca dispersão salarial. Nestes casos, entende o autor que o mercado de trabalho funciona como um revelador de desigualdades, uma vez que traduz a heterogeneidade entre postos e trabalhadores, remunerados diferenciadamente. Esse papel de revelador de desigualdades pelo mercado, diante da particularidade da heterogeneidade educacional, será apreciado mais adiante no estudo das taxas de retorno pelos anos de escolaridade.

O mercado também funciona remunerando distintamente trabalhadores igualmente produtivos, sem nenhum critério tangível, ao que se denomina (c) segmentação. Quando a distinção na remuneração salarial pelo mercado se dá em atributos não produtivos, tais como cor e sexo, depara-se com uma (d) discriminação. Esses casos (c) e (d) ilustram o papel do mercado como gerador de desigualdades.

É imperativo compreender as peculiaridades entre essas fontes, tais como sua magnitude e importância relativa. Isto ocorre na medida em que será nas relações entre o mercado de trabalho e nas desigualdades de renda do trabalhador, que se possibilitará o melhor entendimento na formulação de políticas públicas pelo Estado e, sobretudo, em sua natureza no sentido de combater essas distorções.

Uma vez apresentados os conceitos básicos que envolvem a denominação mercado, vale ressaltar algumas considerações mais nesse campo, a começar pela sua relação com a liberdade, como se vê em Sen (2010). Ele destaca dois argumentos distintos utilizados a favor do mercado: o primeiro, na negação de oportunidades de transação, que se constitui em uma fonte de privação quando efetivado por meio de controles arbitrários; e o outro, de que os mercados expandem a renda, as oportunidades e a riqueza.

O economista entende que os dois mecanismos são relevantes para as perspectivas das liberdades substantivas, apesar de apenas o segundo argumento receber maior atenção, e que os seus efeitos são hoje mais conhecidos do que há algumas décadas atrás. Sen (2010, p. 44) entende que “a disciplina da economia tendeu a afastar-se do enfoque sobre o valor das liberdades em favor do valor das utilidades, renda e riqueza. Esse estreitamento acarreta a subestimação do papel integral do mecanismo de mercado [...]”.

O que é relevante para ele é a liberdade de escolha, como a de decidir onde trabalhar, o que consumir ou produzir, ante uma possível obediência a uma ordem ditatorial, com foco apenas nos resultados. É o que o nobelista entende por uma economia centrada no pró- mercado, quando troca a liberdade por utilidade. Para defender esse ponto de vista, que não considera um tanto esotérico no contexto do desenvolvimento econômico, Sen (2010, p. 45) assim argumenta:

Uma das maiores mudanças no processo de desenvolvimento de muitas economias envolve a substituição do trabalho adscritício e do trabalho forçado, que caracterizam partes de muitas agriculturas tradicionais, por um sistema de contratação de mão de obra livre e movimentação física irrestrita dos trabalhadores. Uma perspectiva do desenvolvimento baseada na liberdade capta imediatamente essa questão, de um modo que um sistema avaliatório concentrado apenas em resultados de culminância não consegue captar.

Seus fundamentos, ancorados nos estudos sobre a transição do uso da mão de obra forçada para o seu uso assalariado na Índia, em muito tem a ver com a realidade brasileira do final do século XIX, com a tardia abolição da escravatura nacional. Em especial no aspecto da privação de liberdade real do Império que se desfazia, para um novo tempo de liberdade formal do novo trabalhador, que se apresentava com o desencadear da Proclamação da República.

Porém, para além dos mecanismos de mercado, um modelo que entrelaça e envolve o poder econômico e o poder político se apresenta, conjuntamente associando e como que moldando o sistema educacional, também de significativo interesse para a compreensão da concentração da riqueza do trabalho.

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