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Dos critérios e da regra da justiça

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5.1 Ideais de políticas e os valores supremos da sociedade civil

5.1.1 Dos critérios e da regra da justiça

No entendimento de Bobbio (1996, p. 15), a justiça esteve “sempre figurada como a virtude ou o princípio que preside o ordenamento em um todo harmônico ou equilibrado, tanto da sociedade humana como do cosmo”. Ele destaca dois significados clássicos da justiça, remontando a Aristóteles, que a identificam com a conformidade e a igualdade.

O primeiro significado remete ao homem justo como aquele cuja conduta se encontra conforme as leis, sendo a legalidade o princípio norteador do equilíbrio e da concórdia das partes no todo. Para que a justiça se complete, no entanto, é necessário que o homem também se conduza pela equanimidade. Pela virtude da justiça, necessariamente a harmonia do todo

estará atrelada ao respeito à legalidade e a certa igualdade entre suas partes, é o que ensina Bobbio (1996, p. 15):

Em uma totalidade ordenada, a injustiça pode ser introduzida tanto pela alteração das relações de igualdade quanto pela não observância das leis: a alteração da igualdade é um desafio à legalidade constituída, assim como a não observância das leis estabelecidas é uma ruptura do princípio de igualdade no qual a lei inspira.

Verifica-se que as duas condições postas são necessárias para o ideal de justiça, contudo, somente serão suficientes se vierem conjuntamente, como bem expressas pela teoria em apreço. De qualquer forma, não se pode desconhecer o fato de que a igualdade é apenas uma relação, e como tal é desejável pelo valor que carrega associado à justiça.

Na verdade, o valor da igualdade decorre da condição da relação ser justa, e, desta forma, poder promover o ideal de harmonia das partes com o todo, do equilíbrio com o sumo bem, visto por Bobbio (1996) para “quem se coloca do ponto de vista da totalidade e não das partes”. Na essência, o autor conclui que o enlace entre a igualdade e a justiça remete ao “bem supremo do todo enquanto composto de partes”, por um lado, ao mesmo tempo em que a liberdade sintetiza “o valor supremo do indivíduo em face do todo”, por outro (BOBBIO, 1996, p. 15-16). Isto faz dessa última um bem individual por excelência, e da outra, um bem social por excelência.

Em duas situações distintas, pelo menos, encontra-se a justiça quando se analisa sua esfera de atuação, ao que se retorna às ideias de Aristóteles, na distinção tradicional entre justiça comutativa e justiça distributiva. Como o próprio termo diz, a primeira situação envolve uma relação bilateral e recíproca de retribuição, na qual o problema da igualdade busca a justa relação pela equivalência das coisas, por meio de uma equalização entre partes. Nesse tipo fundamental de relações de trocas que permeia o sistema social, são as obrigações de dar ou fazer, que conferem direção ao movimento de valor da relação.

A outra situação que envolve a justiça tem caráter distributivo, e o tipo fundamental da relação migra da troca para a convivência, firmando como problema para a igualdade a equiparação entre pessoas e não mais a equivalência entre coisas. É um tipo de relação entre o todo e as partes, ou vice-versa, em que o movimento que lhe incorpora valor busca atribuir vantagens ou desvantagens a uma determinada categoria. Desse modo, a justiça distributiva implica uma relação essencialmente unilateral e unidirecional de atribuição.

Como justiça retributiva, Bobbio (1996, p. 17) descreve quatro casos típicos de igualdade entre o que se dá e o que se recebe, que se expressa pela “relação entre mercadorias e preço, relação entre pagamento e trabalho, relação entre dano e indenização e relação entre

crime e castigo”. O autor destaca que nos dois primeiros opera uma retribuição de um bem por outro bem, ao passo que nos dois últimos a retribuição é de um mal com outro mal. Para o autor as relações postas tem o poder de exprimir, em linguagem comum, o nexo existente entre justiça e igualdade, pelas usuais expressões preço justo, salário justo, indenização justa e pena justa.

Uma vez analisadas as situações da justiça, a questão que se depara consiste em estabelecer, em cada situação, de que forma duas pessoas ou duas coisas devem ser iguais, de forma que essa igualdade possa ser considerada justa. Enfim, que critérios de justiça utilizar para equalizar as relações a pouco colocadas? Bobbio (1996, p. 19) apresenta o critério da justiça como igualdade, que considera como “máxima generalíssima e vazia: a cada um, o seu”. Com sua expressão latina, suum cuique tribuere, ela pode ser compreendida como a cada um conforme o que lhe cabe.

O autor mostra que a máxima é vazia em função de poder conferir a cada um conforme seu mérito, talento, capacidade, esforço, resultado, necessidade, posto, dentro outros tantos. Nenhum dos critérios é absoluto ou perfeitamente objetivo. Apenas para conferir a dimensão ideológica das disputas em torno do tema, uma sociedade é mais justa onde a cada um é dado o que é seu em função da capacidade ou da necessidade? Do esforço ou do mérito? Na verdade, a máxima não enuncia critérios, apenas os tolera, uma vez que na prática diária eles se mesclam e até se confundem segundo interesses da classe dominante.

Mas a igualdade que se imbrica com as duas formas de justiça expostas, bem como com o seu amplo critério, também tem a ver com a regra de ouro da justiça: tratar os iguais de modo igual e os desiguais de modo desigual. A grande questão que a regra traz pressupõe já resolvidos os critérios que estabelecem quando duas coisas ou pessoas devem ser considerados equivalentes ou equiparáveis. Em verdade, somente após serem equacionados os problemas afetos à esfera da justiça comutativa e distributiva, pode-se determinar que seja tratado do mesmo modo quem se encontra na mesma categoria.

Nas palavras de Bobbio (1996, p. 21), “a regra da justiça refere-se ao modo pelo qual o princípio de justiça deve ser aplicado”. Nesses termos, as formas de justiça constituem ou restituem igualdade social, ao passo que a regra de ouro estabelece os modos e as formas de mantê-la. Pode-se dizer que a regra da justiça é chamada também de justiça formal, pelo seu caráter abstrato e desvinculado da realidade concreta. Seu conceito se entrelaça com o da igualdade formal ou igualdade no direito, analisada a partir do princípio da igualdade jurídica, que tem sua contraposição na igualdade de fato, material ou substantiva.

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