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Linha de pobreza: concepções e análises

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2.2 Pobreza e renda do trabalho

2.2.1 Linha de pobreza: concepções e análises

A pobreza, para o senso comum, é associada a baixos rendimentos e indignas condições de vida. O “adequado” logicamente está em estreita relação com o lugar ou o país, o que relativiza o conceito de pobreza (HOFFMANN, 2000). Para conceituar “ser pobre” depende-se da comparação entre “pobres” e “ricos”, logo o conceito de pobreza se confunde com o conceito de desigualdade econômica.

Salama (2008, p. 2) distingue pobreza absoluta de relativa. A pobreza absoluta refere- se à situação de que a “pessoa não dispõe de recursos monetários em quantidade suficiente para se reproduzir” e o segundo caso “quando a pessoa dispõe de rendimentos monetários abaixo de 50% do rendimento mediano”. Este último conceito é mais utilizado nos países desenvolvidos, onde os relativamente pobres são caracterizados pelo grupo situado, em tese, pelos que percebem menos da metade da renda média da população economicamente ativa daquela sociedade. Quanto à pobreza absoluta, pelo exposto, seu conceito independe diretamente do nível de renda dos ricos.

As definições conduzem a enfoques distintos de políticas públicas, reservando à pobreza absoluta a possibilidade de sua erradicação, diferentemente da pobreza relativa, cuja perspectiva é de significativa redução. Tendo como ponto central a pobreza, o governo brasileiro adotou em 2002 a agenda da ONU, tornando-se país signatário e comprometido com os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), os quais se seguem: 1) erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) universalizar a educação primária; 3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade na infância; 5) melhorar a saúde materna; 6) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade ambiental; 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Pode-se dizer que a ONU tem um entendimento global mais amplo para a temática da pobreza e do desenvolvimento, perceptível quando se analisa os ODM propostos, que percorre temáticas como educação, diversidade, saúde, meio ambiente e cooperação internacional. Nesse contexto, em setembro de 2004 o governo brasileiro divulgou o primeiro Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, assinado em 2002, que se constitui em marco inicial do acompanhamento das metas e ODM, a serem alcançadas até o ano de 2015.

Pela tratativa do momento, merece destaque no primeiro ODM, de erradicar a extrema pobreza e a fome, as suas respectivas metas colocadas pela ONU: a) reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a 1 dólar PPC por dia; b)

reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população que sofre de fome. Portanto são metas para erradicação parcial da indigência e da fome.

A primeira meta, de reduzir pela metade a proporção da população com renda inferior a um dólar PPC por dia se encontrava muito próxima de ser alcançada, conforme atesta a publicação do segundo Relatório Nacional de acompanhamento dos ODM pelo Governo brasileiro (2005, p. 26): “entre 1990 e 2005, a pobreza extrema quase caiu pela metade - passando de 9,9% da população para 5,7%, uma redução de 42,7%. Apesar da sensível melhora o número absoluto [...] ainda é muito alto: 10 milhões”.

Para a compreensão do assunto é preciso aprofundar mais, e de forma objetiva verificar sobre que parâmetros realmente se assentam a extrema pobreza, também denominada indigência. Antes, porém, alguns dados comparativos relevantes oferecidos pelo BID, comentados pelo autor.

Segundo o Banco Mundial29, a pobreza passou de 69,9% na China em 1990 a 28,6% em 2005 e a pobreza extrema, também chamada de indigência, diminuiu de 31,5% à 8,9% nesse mesmo período. Na Coréia do Sul, tanto a pobreza como a indigência é não significativa e inferior a 0,5%, na Tailândia no mesmo período a indigência passou de 12,5% da população a 1,7% (SALAMA, 2008, p. 16).

Uma rápida análise mostra que a China reduziu a pobreza em aproximados 60% no período entre 1990 e 2005; e a indigência em 71,7% no mesmo período. Para os tigres asiáticos em apreço, a Tailândia apresentou redução da indigência no período da ordem de 86,4%; e a Coréia do Sul praticamente erradicou a extrema pobreza absoluta de sua nação. Ou seja, os avanços a partir dos dados apresentados merecem ser comemorados, contudo, sem perder de vista, comparativamente, os melhores desempenhos citados.

Retornando ao campo teórico, pode-se dizer que a proporção de pobres em uma população é uma medida de pobreza simples e bastante utilizada, como se viu acima. A partir dela, a aferição mais sofisticada é da intensidade da pobreza. Dessa advém o termo insuficiência de renda de cada pobre, caracterizada pela distância entre a linha de seu rendimento e a linha de pobreza. Desses termos deriva, ainda, outro indicador, que consiste na razão entre a insuficiência de renda de uma população e o valor máximo da insuficiência de renda desta, que levará o nome de índice de insuficiência de renda, considerada a medida mais apropriada de pobreza.

29 O indicador de pobreza sob a ótica do Banco Mundial (BIRD), segundo Salama (2007), considera que são

indigentes os indivíduos que recebem menos de 1 dólar por dia, calculado a partir de uma taxa de câmbio particular, chamada de paridade de poder de compra (PPC). Aqueles que recebem menos de 2 dólares por dia, em termos de PPC, são classificados como pobres.

Um erro comum, no Brasil, consiste em comparar medidas de pobreza calculadas em diferentes períodos, usando-se apenas o salário mínimo (SM) vigente como linha de pobreza. O resultado que pode acontecer é apenas de mudança no SM e não no grau de pobreza absoluta da população, em função do simples deslocamento do referencial estabelecido.

Outro cuidado que merece atenção é determinar a linha de pobreza com base essencialmente no custo dos alimentos, o que leva a subestimar a pobreza rural em comparação com a urbana, e mesmo a das regiões metropolitanas com os centros urbanos menos densos. Ressalte-se que a linha de pobreza pode ser estabelecida mediante suas manifestações ou consequências, como as condições inadequadas de habitação, mortalidade infantil e desnutrição, entre outras. Nessa seara o nobelista Sen (2010) insere seus conceitos de liberdades substantivas, expressas na forma de carências de necessidades, que terá seu oportuno aprofundamento.

No tema, seguindo as análises clássicas e tradicionais, Hoffmann (2000) considera que a maneira mais adequada para a análise da pobreza é a distribuição do rendimento familiar per capita. A tabela que segue mostra que o NE, com uma representação de 29% da população brasileira analisada, detém mais da metade de toda a população pobre do país, com aproximadamente 57% da insuficiência de renda.

Para o ano de 1997, nos estudos do mesmo autor, esse indicador de insuficiência do País é de 3,6%, significando que bastaria redistribuir pouco menos de 4% de toda a renda nacional para que a população como um todo tivesse rendimento de pelo menos o estipulado na linha de pobreza, estabelecido em 60 reais por pessoa. Esse é outro aspecto comparativo que o referido indicador permite aferir, quando associa um montante de investimento necessário para o planejamento das políticas públicas. Conclui-se que para a tomada de decisões no campo das prioridades com os recursos públicos e as políticas sociais, este indicador é fundamental.

Uma simulação pratica interessante ainda é destacada pelo autor: ele parte do pressuposto que, hipoteticamente, não se levando em conta os custos de transferência, seria possível eliminar a pobreza com a transferência de 6,6% da renda dos 10% mais ricos, a ser operacionalizada entre os mais pobres. Operação que mostra parecer fácil a eliminação da pobreza, do ponto de vista contábil.

Em palavras mais claras, o índice de insuficiência de renda representa, em porcentagem, o volume de renda que aquela população em análise necessitaria para elevar aos patamares mínimos da linha de pobreza estabelecida os seus indivíduos. A simulação do autor

apenas localizou os percentuais necessários de transferência (3,6%), que em sua hipótese se encontram na faixa dos que detém os maiores rendimentos (10% mais ricos).

Ao transferir destes, contabilmente, a proporção de renda definida pelo índice de insuficiência, haveria uma equalização das rendas de todos acima da linha da pobreza, e essa renda significaria 6,6% dos rendimentos dos mais ricos.

Tabela 1: Pobreza e insuficiência de renda familiar per capita (Brasil 1997)

Fonte: Elaboração de Hoffmann (2000).

Em síntese, o índice de insuficiência de renda também se constitui em parâmetro financeiro de suma importância, uma vez que projeta e baliza o volume de recursos necessários ao investimento em políticas públicas igualitárias.

Para se empreender uma abordagem conceitual de pobreza, Barros (2001) entende que é necessário se estabelecer uma medida das condições de vida dos indivíduos, em sociedade. Essa medida é denominada por ele de linha de pobreza. Ela consiste no parâmetro que permite considerar como pobre, naquela sociedade, todos aqueles que apresentarem renda inferior aos patamares definidos.

Como se vê, Barros (2001) adota uma dimensão simplificadora da pobreza. Sua base está na insuficiência de renda associada ao necessário para a satisfação das necessidades básicas individuais ou familiares. Nesses termos, a linha de pobreza é endogenamente construída considerando o poder aquisitivo de uma cesta básica, regionalmente definida, que contemple as necessidades de consumo calórico básico de um indivíduo.

Somam-se a esses, considerados gastos com alimentação, ainda os gastos com vestuário, habitação e transportes. Destes gastos totais, quando se considera apenas aqueles com alimentação, temos caracterizada a linha da indigência, situada mais abaixo daquela.

Observa-se que a pobreza é representada por 33,9% da população e a indigência por 14,8% desta, quando se toma como base o ano de 1997, conforme Tabela 2. Isto equivale dizer que mais de um terço da população constituída por 51,5 milhões de brasileiros é classificado como pobre por viver em família com renda inferior a essa linha da pobreza, conforme concebida em função de uma cesta básica.

Tabela 2: Evolução temporal da indigência e da pobreza no Brasil (1977-1999)

Fonte: Elaboração de Barros (2001).

O fato é que, passadas as duas últimas décadas do século XX, o número de pobres no país aumentou, passando de 50,3 milhões (1981) para 53,1 milhões (1999), tendo a nação alcançado o patamar dos mais de 63 milhões de pobres no ano de 1990 e seus 22,6 milhões de indigentes.

Os dados mencionados no parágrafo anterior comprovam que os percentuais referentes aos pobres sofrem apenas ligeira oscilação ao longo de quase duas décadas (1977 a 1993), ficando entre o mínimo de 38,8% (1979) e o máximo de 51,5% (1983), descartando a

contração pontual que se localiza no ano de 1986, provocada pela implantação do Plano Cruzado, demonstrando o que Barros (2001) denomina de “estabilidade inaceitável” da desigualdade brasileira.

Na análise, percebe-se também o início de uma inflexão em meados da década de 1990, com tendência a ligeira redução dos índices de pobres e indigentes a partir dos últimos cinco anos da série. Pode-se aferir a existência de um novo patamar (34%) de pobreza, a partir da implantação do Plano Real (1994), equivalente a aproximadamente 15% menos que o índice médio, este mantido estabilizado ao longo dos anos anteriores em torno de 40%.

Em relação à indigência, esse novo patamar se situa em torno de 15%, considerando- se os anos de 1993 (19,5%) e 1995 (14,6%), quando se estabiliza em torno desse índice até o final da série em 1999 (14,5%). Esse percentual equivale a uma redução no número de indigentes superior a seis milhões de brasileiros, quando se leva em conta as médias dos anos anteriores da série, contraditoriamente, os percentuais não mudam e continuam entre 14 e 15 pontos percentuais.

Das considerações referentes à pobreza, largamente até aqui enfocadas no plano clássico ou tradicional da distribuição de renda, pelo menos duas ressalvas de análise devem ser bem pontuadas, e mais adiante resgatadas: (1) delimitação relativa da linha de pobreza e (2) redução no número de beneficiários. No tocante à delimitação da linha que secciona os detentores de menores rendas, situando-os na porção inferior, há que se ficar atento aos critérios e métodos concebidos para tal, uma vez que a sua simples alteração dessa linha modifica completamente a extensão dos números e seus significados.

Já em relação à redução no número de pobres ou indigentes, conforme o caso, maior atenção deve ser dada não ao conteúdo reducionista de seus números, que, entrelaçado à ressalva a pouco mencionada, mais confunde que esclarece. Ao contrário, os pobres e indigentes que permanecem podem expressar melhor e com mais qualidade se superações estão realmente em curso e em que dimensão. Infelizmente a maioria das análises se atém à redução no número dos que se encontra em extrema pobreza, em especial as apresentadas pelos governos.

Em síntese, os dados analisados mostram que na última década do século XX foram içados acima da linha da pobreza 10,1 milhões de brasileiros e, acima da linha da indigência, outros 8,2 milhões. Sob outro ângulo de análise, ainda adentra ao atual milênio em curso a expressiva marca de 53,1 milhões e 22,6 milhões, respectivamente, de pobres e extremamente pobres. É razoável afirmar que o controle da inflação foi pedra de toque para os avanços nesse

período. Mais adiante será possível uma análise comparativa desses números com a primeira década deste século.

Outra ótica fundamental para a análise dos determinantes da pobreza em estudo recai no volume de recursos lato sensu de um país. Sob esta ótica, para analisar a escassez de recursos como um dos determinantes da pobreza, a partir do prisma da insuficiência de renda, Barros (2001) se fundamenta em três critérios: no cenário comparativo internacional, na estrutura da renda média nacional e no padrão de consumo médio da família brasileira.

Ele conclui, após exaustiva análise, demonstrando que a pobreza brasileira não pode ser associada prioritariamente à escassez de recursos, absoluta ou relativa. Sua tese pode ser sintetizada no fato de que o Brasil não pode ser considerado um país pobre, apesar do enorme contingente de pobres, e essa pobreza não reside na escassez de recursos, mas na desigualdade de sua distribuição.

O autor mostra que o comparativo internacional situa o Brasil no ingresso do século em curso, a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999, como um dos países localizados entre o terço mais rico dos países do mundo, quando o referencial é a renda per capita. A nação fica, nesse conceito, acima de 64% dos demais países, o que coloca a população brasileira com uma renda per capita superior à de 77% da população mundial.

Seus argumentos podem ser mais bem visualizados através da construção de uma tabela em que associa estimativas da evolução do PIB e da renda familiar per capita, como múltiplos da linha da indigência e da pobreza. Barros (2001) apresenta proposta de um exercício hipotético que estima o volume de recursos necessários à erradicação dos pobres e indigentes no país. E conclui que, uma vez desconsiderados os custos de administração e outros inerentes a qualquer programa, seria necessário transferir anualmente o equivalente a 2% da renda das famílias (R$ 6 bilhões) para a erradicação da indigência, e o equivalente a 7% (R$ 33 bilhões), nos mesmos termos, para retirar da pobreza toda população excluída30.

Apresentadas essas possibilidades, ainda em mais uma evidência do peso da distribuição de renda, Barros (2001) propõe também uma simulação na intensidade com que a redução no grau de desigualdade afeta a intensidade da pobreza, mantendo constante a renda média brasileira e reduzindo o seu grau de concentração, com o propósito de eliminar o hiato de desigualdade entre países.

O trabalho desenvolvido a partir de dados de 11 países da América Latina associa-os com o Brasil e se mostra esclarecedor na compreensão da fina relação entre as desigualdades

de renda e a pobreza. Nas simulações percebe-se a incômoda posição do Brasil em relação aos demais países latino-americanos, quando o quesito se refere ao quantitativo de pobres da nação, uma vez que este se situa melhor apenas que o Paraguai e muito inferior ao Peru, Argentina e Costa Rica, dentre outros.

No exercício proposto pelo autor, quando se toma como referência o Uruguai, detentor do melhor desempenho no Gini Sul Americano (0,40), as simulações mostram que reduzindo o grau de desigualdade brasileiro de modo a tornar-se idêntico ao do vizinho, o resultado mostra que a percentagem de pobres no Brasil teria redução em 20 pontos percentuais. O fato é extremamente expressivo e revelador em como se comunicam a desigualdade e a pobreza.

O quadro de pobreza com o qual o Brasil ingressou nesse novo milênio pode também ser estereotipado em uma metáfora, quando se utiliza de termos da realidade inglesa para o tema. É o que se vê associando-o a tão conhecida Marquês de Sapucaí, famosa pelas suas belezas veiculadas todos os anos ao mundo inteiro. A metáfora assim se associa para o país, na alegoria das rendas, como se vê adiante.

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