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Da igualdade de oportunidades ao princípio fundamental do igualitarismo

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5.1 Ideais de políticas e os valores supremos da sociedade civil

5.1.2 Da igualdade de oportunidades ao princípio fundamental do igualitarismo

Assim como o princípio da igualdade formal tornou-se um dos pilares do Estado liberal, o princípio da igualdade de oportunidades tornou-se pilar do Estado de democracia social. Apesar de não menos genérico que o anterior, o último princípio ganha corpo nos Estados social e economicamente desenvolvidos, consoante Bobbio (1996, p. 31), “como consequência do predomínio de uma concepção conflitualista global da sociedade, segundo a qual toda a sociedade é considerada como uma grande competição para a obtenção de bens escassos”.

Sua fundamentação pode ser expressa a partir de duas direções: (i) quando confere a todos os membros do grupo social igualdade de partida, sem distinção de raça, cor, sexo, classe e outros; e (ii) na inclusão oferecida pela possibilidade de competição pela posse de bens materiais e outras metas particularmente desejáveis. Em síntese, o objetivo é colocar cada integrante da sociedade em condição de participar da competição da vida, a partir de posições iguais.

Não é difícil compreender que o princípio é genérico quando fora do contexto histórico da sociedade onde a regra se aplica. Na realidade, as posições de partida, para que sejam consideradas iguais, varia de sociedade para sociedade, assim como quais devem ser as condições materiais históricas que permitem considerar os concorrentes como iguais (BOBBIO, 1996).

Para enfrentar as questões colocadas, distingue-se entre os princípios postos o ideal da igualdade material ou substancial. É a igualdade que de fato tem suas relações no campo material afeto aos bens econômicos, diferenciando-se da igualdade formal e da igualdade de oportunidades ou social. Entretanto, ela carrega consigo também um leque de questões a serem apreciadas.

O pensador político Bobbio (1996, p. 33) assim formula a indagação de partida sobre o caráter indeterminado das necessidades materiais: “quais são as necessidades dignas de serem satisfeitas e em relação às quais se considera justo que os homens sejam iguais? Todas as necessidades ou apenas algumas?”. Outras muitas questões podem ser elaboradas, envolvendo, por exemplo, os bens culturais e espirituais, que não se encontram na alçada dos bens materiais estabelecidos, dando a dimensão da indeterminação da fórmula: a cada um segundo suas necessidades, que também teve em Marx sua formatação como ideal-limite.

Para além das questões envolvendo os bens, o princípio considerado o mais igualitário de todos ainda precisa superar os embates que envolvem os modos da relação entre os homens

e os bens. Percorridas as duas etapas resta indagar se a invocada igualdade terá caráter relativo ou absoluto, o que não impede que se adote uma fórmula de igualdade proporcional.

Como confere Bobbio (1996), se não fossem as inúmeras questões que envolvem a igualdade substancial ou de fato, o longo percurso histórico transcorrido no século XX não teria produzido tantas abordagens igualitárias. Muitas em conflito umas com as outras, as várias teorias comunistas e socialistas refletem tal realidade, umas absolutamente igualitárias, outras de abordagem teórica relativa.

O igualitarismo como abordagem teórica que coloca o valor da igualdade acima de todos os demais valores, precisa especificar de que igualdade se refere, senão se constituirá em uma definição genérica. Aqui já se falou que duas questões são essenciais para se especificar uma relação de igualdade: em quem? e em que? Bobbio (1996, p. 36) assim teoriza as possibilidades:

Limitando-se o critério de especificação à relação entre o todo e a parte, as respostas possíveis são quatro: a) igualdade entre todos em tudo; b) igualdade entre todos em algo; c) igualdade entre alguns em tudo; d) igualdade entre alguns em algo. O ideal- limite do igualitarismo se reconhece na primeira resposta. [...] Historicamente, uma doutrina igualitária é uma doutrina que defende a igualdade para o maior número de homens no maior número de bens.

Das possibilidades apresentadas, o ideal-limite constitui o igualitarismo absoluto, para o qual se pode tender mediante aproximações sucessivas, confirmando ser lícito falar de teorias mais igualitárias do que outras. Conforme Bobbio (1996, p. 37), o que na essência caracteriza o igualitarismo “é o acento colocado no homem como ser genérico”, bem diferente daqueles colocados nas características individuais pelas quais os homens se distinguem que irão formatar as políticas liberais.

Analisa-se ainda o que caracteriza o ponto de partida a justificar o princípio fundamental do igualitarismo, expresso segundo o qual todos ou quase todos os homens devem ser tratados de modo igual em todos ou quase todos os bens. O pensador político pontua que o princípio ético não decorre da simples constatação de serem os homens iguais, mas de uma espécie de juízo de valor acerca de ser desejável a igualdade entre os homens.

Uma expressão dessa realidade reside na teoria não igualitária hobbesiana, que parte da constatação de que “no estado de natureza, há a igualdade de direito e o homem pode fazer o que lhe aprouver”, como mostra Costa (2010, p. 222). Nela a finalidade suprema dos homens que vivem em sociedade é exclusivamente a paz social e não a maior igualdade entre os homens. Ocorre, ao contrário, uma renúncia a essa condição natural mediante uma linha demarcatória entre os que devem mandar e o que têm apenas o direito de obedecer.

Em outro contexto, a teoria igualitária marxista também irá renunciar às formas mais ingênuas de socialismo calcadas nos pressupostos naturalistas. Nesse caso, percebe-se que a proposta de valor de seu igualitarismo não decorre do fato de os homens nascerem ou serem por natureza iguais, mas de um juízo de valor de que a desigualdade que se observa na realidade concreta, dividida entre classes antagônicas, se constitui em um mal por excelência (BOBBIO, 1996).

Sobre a constatação mencionada, Bobbio (1996, p. 39) elabora uma síntese que coloca as teorizações em procedimentos mentais opostos: “para Hobbes os homens são de fato iguais, mas devem ser desiguais; para os teóricos do socialismo científico, os homens foram até agora de fato desiguais, mas devem ser iguais”. Esse é o juízo de valor que caracteriza o princípio fundamental do igualitarismo.

Uma vez aceita a premissa de que as sociedades existentes no mundo capitalista até agora são de fato sociedades desiguais, pode-se considerar que as teorias não igualitárias, que tendem a manter essa condição de estado das coisas, sejam compreendidas como conservadoras. Ao contrário, Bobbio (1996, p. 41) situa que o “igualitarismo torna-se revolucionário quando projeta o salto qualitativo de uma sociedade de desiguais, tal como até agora existiu, para uma futura sociedade de iguais”.

Situada, por um lado, a diversidade de políticas igualitárias e, por outro, as de cunho liberal, nada impede que sínteses teóricas possam ser elaboradas envolvendo práticas e compromissos entre os valores fundamentais da liberdade e da igualdade. O caminho que se pretende trilhar a partir de agora envolve as liberdades substantivas e a igualdade no “superindivíduo”, representado pelos coletivos sociais.

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