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11 PRECEDENTES DO STJ E TJ/SP SOBRE A LEGITIMIDADE

11.2 A Legitimidade Ativa

11.2.1 Legitimidade ativa no caso de morte da vítima

Outro ponto problemático acerca da reparabilidade das lesões morais é aquele relativo à legitimidade ativa para postular sua reparação. Delimitando o âmbito da controvérsia, frisamos não haver qualquer discussão quanto à legitimidade para dedução de pretensão ressarcitória por pessoa que alegue ter sofrido um dano. Entretanto, na clarividente lição de Sérgio Cavalieri Filho239:

A questão que se coloca, e para a qual ainda não há solução definitiva na lei, nem na doutrina e na jurisprudência, é quanto ao limite para a reparação do dano moral. Até que grau um parente pode pleitear indenização por esse dano em razão da morte de familiar? Irmãos, primos, tios? E o amigo íntimo, teria também legitimidade? Os fãs de uma artista ou atleta famoso também teriam? Ainda que sejam milhões? Não há que se negar que todos sofrem intensamente com a perda de alguém querido, mas só por isso todos terão direito à indenização pelo dano moral? Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo sofrerá intensamente.

Nesse cenário, exsurge o posicionamento daqueles que entendem não haver qualquer limitação e mui menos concorrência entre os atingidos pelo ilícito, de sorte que a indenização pode ser pleiteada por qualquer prejudicado. A defesa de tal posicionamento, mormente sustentada quando os supostos titulares da pretensão à reparação guardam relação de parentesco, é fulcrada, simultaneamente, na impossibilidade de hierarquização do direito postulatório dos ofendidos e na criação de um direito de preferência entre eles, de forma a salvaguardar o direito de uns em detrimento de outros. Logo, a reparação do dano moral não se circunscreveria a nenhuma regra sucessória ou previdenciária.240

Consoante reiteradamente frisado nesses últimos itens, a referida questão não goza de disposições legais a seu respeito. E, carecendo de previsão legal,

239CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 91. 240CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 91.

coube à doutrina e à jurisprudência dizerem o modo pelo qual se dá a legitimidade para se pleitear reparação por abalo moral, assim como os seus eventuais limites.

Para trazermos à baila a resposta aos questionamentos trazidos no início deste subitem, citamos, novamente, a lição de Sérgio Cavalieri Filho241, para quem:

O nosso Código Civil, lamentavelmente, nada dispôs a respeito. A regra de seu art. 948, II, entretanto, embora pertinente ao dano material, pode ser aplicada analogicamente para limitar a indenização pelo dano moral àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, companheira, filhos, pais e irmãos menores que viviam sob o mesmo teto. A partir daí, o dano moral só poderá ser pleiteado na falta daqueles familiares e dependerá de prova de convivência próxima e constante.

O doutrinador supracitado utiliza, como fundamentos legais à restrição à legitimidade ativa para a busca da reparação moral, o inciso II do artigo 948 e os parágrafos únicos dos artigos 12 e 20, todos do Código Civil, e que seguem abaixo transcritos:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Conquanto plausível a aplicação analógica de referidos dispositivos legais, é certo que limitar a legitimação à pretensão ressarcitória por abalo moral apenas nos seus termos acaba por não responder, de forma satisfatória, todas as indagações anteriormente feitas, sobretudo por excluir − de forma absoluta − a pretensão à reparação moral daqueles que, a priori, não se subsumem às hipóteses de pessoas que não guardam relação de parentesco com a vítima nos moldes supradescritos. E

241Ibid., p. 91.

é por isso que Sérgio Cavalieri Filho arremata seu raciocínio, afirmando que “só em favor do cônjuge, companheira, filhos, pais e irmãos menores há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela morte da vítima”, e que, “além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão que provar o dano moral sofrido em virtude de fatos ocorridos com terceiros”.242

O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema e o fez nos termos inframencionados, decidindo, por exemplo, que o noivo da vítima de infortúnio fatal não tem legitimidade para o pleito indenizatório:

1. Em tema de legitimidade para propositura de ação indenizatória em razão de morte, percebe-se que o espírito do ordenamento jurídico rechaça a legitimação daqueles que não fazem parte da “família” direta da vítima, sobretudo aqueles que não se inserem, nem hipoteticamente, na condição de herdeiro. Interpretação sistemática e teleológica dos arts. 12 e 948, inciso I, do Código Civil de 2002; art. 63 do Código de Processo Penal e art. 76 do Código Civil de 1916. 2. Assim, como regra ‒ ficando expressamente ressalvadas eventuais particularidades de casos concretos ‒, a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral em razão de morte deve mesmo alinhar-se, mutatis mutantis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações. 3. Cumpre realçar que o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados. A mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal. 4. Encontra-se subjacente ao art. 944, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002, principiologia que, a par de reconhecer o direito à integral reparação, ameniza-o em havendo um dano irracional que escapa dos efeitos que se esperam do ato causador. O sistema de responsabilidade civil atual, deveras, rechaça indenizações ilimitadas que alcançam valores que, a pretexto de reparar integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados. E, a toda evidência, esse exagero ou desproporção da indenização estariam presentes caso não houvesse, além de uma limitação quantitativa da condenação, uma limitação subjetiva dos beneficiários. 5. Nessa linha de raciocínio, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram a dor da perda de alguém, como um sem-número de pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima, significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão será sempre desproporcional ao ato causador. Assim, o dano por ricochete a pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da morte, de regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente. 6. Por outro lado, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria também uma diluição de valores, em evidente prejuízo daqueles que

242CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 91- 92.

efetivamente fazem jus a uma compensação dos danos morais, como cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes. 7. Por essas razões, o noivo não possui legitimidade ativa para pleitear indenização por dano moral pela morte da noiva, sobretudo quando os pais da vítima já intentaram ação reparatória na qual lograram êxito, como no caso. 8. Recurso especial conhecido e provido. REsp 1076160/AM; RECURSO ESPECIAL 2008/0160829-9; Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 10/04/2012; Data da Publicação: DJe, 21/06/2012.

Assim, quanto à legitimidade ativa para dedução da pretensão reparatória pelo sofrimento de dano moral, pode-se afirmar, com esteio na doutrina e jurisprudência, que nosso ordenamento jurídico não concede uma legitimidade irrestrita, exigindo daqueles que não guardam certa relação de parentesco com o ofendido a prova do abalo moral ensejador de reparação, especificamente traduzida na comprovação de convivência próxima e estreita.

No âmbito da jurisprudência do TJSP a questão possui alguma controvérsia quanto à limitação dos legitimados no caso de morte, sendo tranquilo o direito indenizatório do cônjuge ou convivente sobrevivente e também dos pais e filhos, restando alguma divergência na questão dos irmãos – não os menores, mas os maiores, colocando-se como ponto de exame fundamental saber se o caminhar das vidas não lhes subtraiu a necessária afetividade que daria lastro à indenização pugnada pelo colateral supérstite:

Apelação nº 9169267-41.2005.8.26.0000; Relator(a): Artur Marques; Comarca: Mogi-Guaçu; Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/08/2011. Ementa: CIVIL. DANO MORAL. MORTE

DO IRMÃO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. PRETENSÃO QUE, NO MÉRITO, É IMPROCEDENTE. LAÇOS AFETIVOS QUE SÃO GRADATIVAMENTE ROMPIDOS, DESDE O INSTANTE EM QUE CADA UM DELES PASSOU A CONSTITUIR SUA PRÓPRIA FAMÍLIA. NECESSIDADE DE PROVA EFETIVA DE QUE OS LAÇOS AFETIVOS FORAM MANTIDOS DESDE ENTÃO. Doutrina e jurisprudência são uníssonas em garantir legitimidade aos irmãos para postular em juízo reparação por danos morais no caso de morte de um deles. Nada obstante, o deslinde da causa depende da inequívoca existência de laços afetivos, presumidos durante a moradia conjunta e paulatinamente reduzidos quando, maiores, os irmãos passam a ter vida própria e muitas vezes isolada dos demais.