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11 PRECEDENTES DO STJ E TJ/SP SOBRE A LEGITIMIDADE

11.7 Uso Indevido da Imagem e o Arbitramento da Respectiva

O uso indevido da imagem, enquanto lesão a direito da personalidade ensejador de reparação, merece uma análise mais pausada, pois, segundo Sérgio Cavalieri Filho255, “[...] embora revestida de todas as características comuns aos direitos da personalidade, a imagem destaca-se das demais pelo aspecto da disponibilidade”.

A imagem foi expressamente tutelada no artigo 20 do Código Civil. Vejamos: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Referida inviolabilidade da imagem foi previamente assegurada pela Constituição Federal, especificamente em seu artigo 5º, incisos V e X.

Ocorre que a imagem de uma pessoa, a despeito da proteção supradescrita, pode ser utilizada em campanhas publicitárias de produtos e serviços, mediante autorização de seu titular. É certo, contudo, que a autorização da utilização da imagem não importa em renúncia por seu titular, já que não produz a extinção do direito e possuiu um destinatário favorecido por sua cessão. E, é claro, essa disposição em favor de outrem não implica em qualquer lesão, tornando legítimo o uso da imagem por terceira pessoa.256

255CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 108. 256Ibid., p. 109-110.

Consoante lição de Sérgio Cavalieri Filho257, a violação do direito de imagem

pode gerar para a pessoa dano material, moral, ou os dois, cumulativamente, nas seguintes hipóteses:

O uso indevido da imagem alheia ensejará dano patrimonial sempre que for ela explorada comercialmente sem a autorização ou participação de seu titular no ganho através dela obtido, ou, ainda, quando a sua indevida exploração acarretar-lhe algum prejuízo econômico, como, por exemplo, a perda de um contrato de publicidade. Dará lugar ao dano moral se a imagem for utilizada de forma humilhante, vexatória, desrespeitosa, acarretando dor, vergonha e sofrimento ao seu titular, como, por exemplo, exibir na TV a imagem de uma mulher despida sem a sua autorização. E pode, finalmente, acarretar dano patrimonial e moral se, ao mesmo tempo, a exploração da imagem der lugar à perda econômica e à ofensa moral.

Da vasta casuística que envolve a proteção à imagem, transcrevemos abaixo os julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça que demonstram a proteção que se confere ao referido direito personalíssimo:

REsp nº 1.082.878/RJ; Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI; Órgão Julgador: T3 TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento: 14/10/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 18/11/2008. Ementa: Ator de TV, casado, fotografado em local aberto, sem autorização, beijando mulher que não era sua cônjuge. Publicação em diversas edições de revista de “fofocas”. A existência do ato ilícito, a comprovação dos danos e a obrigação de indenizar foram decididas, nas instâncias ordinárias, com base no conteúdo fático-probatório dos autos, cuja reapreciação, em sede de recurso especial, esbarra na Súmula nº 7/STJ. Por ser ator de televisão que participou de inúmeras novelas (pessoa pública e/ou notória) e estar em local aberto (estacionamento de veículos), o recorrido possui direito de imagem mais restrito, mas não afastado. Na espécie, restou caracterizada a abusividade do uso da imagem do recorrido na reportagem, realizado com nítido propósito de incrementar as vendas da publicação. A simples publicação da revista atinge a imagem do recorrido, artista conhecido, até porque a fotografia o retrata beijando mulher que não era sua cônjuge. Todas essas circunstâncias foram sopesadas e consideradas pelo TJ/RJ na fixação do quantum indenizatório, estipulado com base nas circunstâncias singulares do caso concreto. A alteração do valor fixado implicaria em ofensa à Súmula nº 7/STJ. Tratando-se de responsabilidade extracontratual, decorrente de ato ilícito, os juros de mora contam desde a prática do ilícito, de acordo com a regra do art. 398, do CC, e com a Súmula nº 54/STJ. Tendo o autor decaído apenas em pontos de pouca significância em face do pleito indenizatório, a recorrente deve arcar com a totalidade das custas e honorários advocatícios. Em ação de danos morais, os valores pleiteados na inicial são meramente estimatórios, não implicando em sucumbência recíproca a condenação em valor inferior ao pedido. Recurso especial não conhecido.

REsp 1.063.304/SP; Relator(a): Ministro ARI PARGENDLER; Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento: 26/08/2008; Data da Publicação/Fonte: DJe 13/10/2008. Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. REPORTAGEM DE JORNAL A RESPEITO DE BARES FREQUENTADOS POR HOMOSSEXUAIS, ILUSTRADA POR FOTO DE DUAS PESSOAS EM VIA PÚBLICA. A

homossexualidade, encarada como curiosidade, tem conotação discriminatória, e é ofensiva aos próprios homossexuais; nesse contexto, a matéria jornalística, que identifica como homossexual quem não é, agride a imagem deste, causando-lhe dano moral. Recurso especial conhecido e provido em parte.

Mesma proteção conferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Apelação nº 0134250-63.2006.8.26.0000; Relator(a): José Luiz Gavião de

Almeida; Comarca: Osasco; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/11/2011. Ementa: Responsabilidade civil. Dano moral. Configuração em razão do uso indevido da imagem. Caso em que se demonstrou que não foi dada autorização para a veiculação das fotografias. Redução da indenização indevida. Recurso improvido.

Apelação nº 9247965-56.2008.8.26.0000; Relator(a): Fábio Quadros; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 24/11/2011. Ementa: Uso indevido de imagem.

Indenização por danos morais. Evento ocorrido nas dependências da ré com divulgação não autorizada de foto da autora em revista de circulação interna. Desimportância de tratar-se a ré de entidade sem fins lucrativos e de ter ocorrido prejuízo com o evento. Dever de indenizar que decorre do próprio uso indevido da imagem. Honorários advocatícios que devem ser reduzidos, aplicado o § 3º, do art. 20, do Código de Processo Civil. Preliminar afastada. Recurso parcialmente provido com observação.

Apelação nº 0119966-16.2007.8.26.0000; Relator(a): Moreira Viegas; Comarca: Franca; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 23/11/2011. Ementa: Indenização - Danos materiais e morais.

Violação à imagem. Matéria jornalística que mostra os menores com referência expressa a uma gravidez precoce. Uso indevido da imagem dos menores sem a devida autorização de sua representante. Danos morais configurados Incidência da Súmula nº 403, do STJ. Recurso não provido. Vê-se, assim, que o uso indevido da imagem alheia pode acarretar o dever de pagamento da indenização por danos materiais e morais, sendo a fixação da verba indenizatória desta última espécie de dano (o moral) a que mais nos importa neste estudo.

Num primeiro momento, houve a defesa da tese de que o valor da indenização por abalo moral decorrente do uso indevido da imagem se circunscreveria ao proveito econômico obtido pelo lesante caso a publicação fosse autorizada.

Posteriormente, doutrina e jurisprudência, de forma majoritária, passaram a afirmar que o valor da indenização pela indevida utilização da imagem não deve ser o mesmo que normalmente se obteria pela utilização autorizada.258 Isso porque,

segundo o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho259, “se assim não for, a ilicitude passará a ser um estímulo e ninguém mais respeitará a imagem de ninguém”, pois, “com ou sem o consentimento do titular, a sua imagem será utilizada e as consequências serão as mesmas”, e, por óbvio, “o efeito do ato vedado não pode ser o mesmo do ato permitido, sobretudo quando há implicações de ordem moral”.

A jurisprudência se apresenta, sobretudo no STJ, tendenciosa a esta posição, não se pautando o valor indenizatório dos danos morais ao lucro obtido pelo lesante, nem se o ofendido é desconhecido, nem se é conhecido:

REsp 1.208.612/RJ; Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 15/03/2011; Data da Publicação/Fonte: DJe 24/03/2011. Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. USO INDEVIDO DA IMAGEM. JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. DIREITO AUTÔNOMO. SÚMULA Nº 403/STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. VINCULAÇÃO À TIRAGEM DO PERIÓDICO. IMPROPRIEDADE. 1. A preferência do julgador por esta ou por aquela prova está inserida no âmbito do seu livre convencimento motivado, não cabendo compelir o magistrado a acolher com primazia determinada prova, em detrimento de outras pretendidas pelas partes, se pela análise das provas em comunhão estiver convencido da verdade dos fatos. 2. “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais” (Súmula nº 403/STJ). 3. Cuidando-se de pessoa anônima, a vinculação da indenização por uso da imagem ao percentual do preço de venda do veículo no qual a imagem foi publicada, de regra, não é consentânea com a essência de indenizações desse jaez. Indeniza-se o titular do direito de imagem pelo não recebimento do preço que lhe seria devido, caso a concessão fosse feita mediante autorização, e pelo respectivo valor econômico da imagem, que varia a depender do potencial publicitário da pessoa retratada. 4. Com efeito, no caso concreto, tendo em vista que o autor é absolutamente desconhecido e certamente não poderia, mediante a vinculação de sua imagem ao produto, propiciar qualquer alavancagem nas vendas do periódico, não se mostra razoável atrelar o valor da indenização à vendagem do jornal. 5. Recurso especial da Infoglobo Comunicações S.A. parcialmente provido. 6. Recurso especial da Empresa Folha da Manhã S.A. provido, por inexistência de qualquer ato ilícito de sua parte. REsp 100.764/RJ.

RECURSO ESPECIAL: 1996/0043232-5; Relator(a): Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR; Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 24/11/1997; Data da Publicação/Fonte: DJ 16/03/1998, p. 137.

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO À IMAGEM. INDENIZAÇÃO. JUROS. ÁLBUM DE FIGURINHAS. “HERÓIS DO TRI”. O valor do dano sofrido pelo titular do direito, cuja imagem foi indevidamente incluída em publicação, não está limitado ao lucro que uma das infratoras possa ter auferido, pois o dano do lesado não se confunde com o lucro do infrator, que inclusive pode ter sofrido prejuízo com o negócio. Os juros devidos na indenização por ilícito absoluto correm desde a data do fato. Recurso conhecido em parte e, nesta, provido.

259Ibid., p. 112.

Além do pagamento da indenização por danos materiais e morais, impende ainda que se refira ao posicionamento jurisprudencial que determina a publicação, pelo veículo de informação ofensor, da sentença de procedência da demanda indenizatória contra uso indevido do direito de imagem, como no caso de exposição ilegítima em revista masculina de uma mulher, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

Apelação nº 0086833-85.2004.8.26.0000; Relator(a): Enio Zuliani; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 10/11/2011. Ementa: Apelação antiga (redistribuída em

virtude da Resolução nº 542/2011). Responsabilidade civil. Indenização por danos morais e materiais. Utilização, de fotografia da autora em revista especializada direcionada ao público masculino (Playboy). Ausência de autorização. Alegação de consentimento tácito. Inexistência. A obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. Sentença de procedência, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos materiais, morais, e determinação para que o periódico publicasse a sentença. Recurso de ambas as partes. Provimento, em parte, do recurso da ré, para reduzir o quantum da indenização por danos morais para R$ 5.000,00, afastando a condenação por danos materiais, bem como a determinação para publicação da sentença.

Também do Tribunal de Justiça de São Paulo, colhe-se um julgado do ano de 2013, no qual se pontuou que o fato de a pessoa conversar com um repórter, por si só, já demonstra sua anuência com a publicação de reportagem, mesmo que não haja autorização por escrito, negando o direito de um homem ser indenizado pela TV Globo por conta de uma reportagem feita com ele depois de seu envolvimento em um acidente de trânsito. Após atropelar e matar um agente de trânsito em São Paulo, dias depois do acidente, em agosto de 2003, o autor da ação foi entrevistado para uma reportagem sobre mortes em acidentes de trânsito no Brasil. Ele alega, porém, que não autorizou a exibição da entrevista — o que daria causa ao dano moral. O homem argumentou, ainda, que a veiculação da reportagem causou transtornos a ele e seus familiares, como a perda de seus clientes de transporte escolar e a demissão de sua esposa. Além disso, o autor sustentou que houve abuso da liberdade de imprensa na exibição de matéria tendenciosa, que o apenou por um erro já sancionado pela Justiça. Entretanto, o magistrado Roberto Maia, relator do recurso, considerou que, embora não haja prova da autorização por escrito, o homem concordou em falar e permitiu que a equipe de reportagem entrasse em sua casa. Fundamentou ainda que não houve desrespeito à intimidade

e que o Globo Repórter se limitou a retratar um fato reconhecido pelo próprio autor e que havia se tornado notícia em todo país. Acrescentou que a emissora agiu de acordo com a liberdade de imprensa e dentro de padrões de qualidade, sem ferir a honra do homem, que teve participação mínima na reportagem, nos seguintes termos da ementa do julgado:

APELAÇÃO n° 9168942-95.2007.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Roberto Maia. Ementa: AÇÃO INDENIZATÓRIA. ENTREVISTA GRAVADA E EXIBIDA NA TELEVISÃO SEM AUTORIZAÇÃO POR ESCRITO DO AUTOR. PEDIDO DE DANOS MORAIS. 1) Direitos à privacidade e à imagem. Artigo 5º, inciso X, CF. Ausência de

violação. Demandante concordou em falar com o repórter da demandada, deixando que ele e a equipe do programa entrassem na casa, onde foi gravada a conversa. Quando não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, a gravação feita por um dos interlocutores, ainda que sem autorização do outro, é lícita, de modo que o material daí extraído pode ser usado até mesmo como prova em processo penal, conforme sólida jurisprudência do STF. Tendo se colocado nessa situação, por vontade livre e consciente, não pode o autor, agora, retroceder e querer punir a ré. Boa-fé objetiva, princípio geral do direito, proíbe o venire contra factum proprium. 2) Direito à intimidade. Inexistência de desrespeito. Programa da demandada se limitou a retratar um fato amplamente divulgado nas páginas dos jornais e no noticiário televisivo. Foi instaurado processo penal em virtude do acidente provocado pelo demandante, de sorte que os autos poderiam ser consultados por qualquer indivíduo. 3) Direito à honra. Não ocorrência de qualquer menoscabo. Requerida divulgou em um programa jornalístico fatos verídicos, sem qualquer distorção da realidade. 4) Liberdade de imprensa. Artigos 5º, inciso IX e 220, caput, §§ 1º e 2º, da CF. Exercício regular. Ré abordou a questão da embriaguez ao volante, tema de grande interesse público. Não recorreu ao sensacionalismo, nem a comentários grosseiros e apelativos. Participação do autor no programa foi mínima.

Para finalizar este item, vale lembrar a redação da recente Súmula nº 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

Bem por isso, a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda. foi condenada a pagar para a apresentadora Xuxa a quantia de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) por danos materiais e mais R$100.000,00 (cem mil reais) por danos morais, em virtude da exibição de fotos antigas e originalmente feitas para uma revista masculina, ante a ausência de autorização da artista para tanto (AResp n. 301.020 do STJ).