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9 O DIREITO JURISPRUDENCIAL

9.2 Uma Pequena Digressão sobre o Precedente no Common Law

Nesta contextualização do common law, o precedente, segundo Neil Duxbury, trata-se de um evento passado que serve como guia para uma ação presente189,

184WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Panorama atual das tutelas individual e coletiva – estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 725.

185WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Panorama atual das tutelas individual e coletiva

– estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 726.

186WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Panorama atual das tutelas individual e coletiva – estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 726.

187FERRAZ, Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 210.

188FERRAZ, Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 211.

189DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. United Kingdom: Cambridge University Press, 2008. p. 1.

tendo, de acordo com Michael J. Gerhardt, o poder de iluminar as decisões futuras, de forma constante e duradoura.190

O principal fundamento para se seguir a orientação traçada nos precedentes, como já anotado superficialmene, é que a noção de Justiça impõe que um novo caso submetido às Cortes tenha uma solução igual ou pelo menos parecida com os casos semelhantes anteriormente apresentados ao Poder Judiciário.191

José Rogério Cruz e Tucci192 assevera que:

O efeito vinculante das decisões já proferidas encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Normalmente, na experiência jurídica da common law, o julgado vincula a própria corte (eficácia interna), bem como todos os órgãos inferiores (eficácia externa). Não se delineia possível, à evidência, a aplicação dessa regra em senso contrário.

Saliente-se que uma decisão que tenha se consubstanciado em regra importante, seja por seu pioneirismo no trato da matéria sub judice, seja por ser o centro gravitacional de outras decisões, é denominada leading case, consubstanciando-se em primordial paradigma para a solução dos casos análogos futuros, bem como para o exercício do ofício dos operadores do Direito no sistema do common law.193

Mesmo nessas decisions ditas leading cases, como noutras que criam precedentes (sem o pioneirismo e força de atração daquelas), ressalve-se, não existirá in totum o efeito vinculante, mas somente em certas e determinadas fundamentações, de forma a ser necessário que se esclareçam quais seriam essas fundamentações vinculativas.

Para tanto, é mister que se distinga o que é um holding de um dictum. Aquele é a determinação da regra de Direito relacionada diretamente à solução da demanda. Este se consubstancia em argumentação incidental que não guarda relação de imediatidade com a causa.194

190GERHARDT, Michael J. The power of precedent. New York: Oxford University Press, 2008. p. 204.

191GOLDSTEIN, Laurence. Precedent in law. Oxford: Clarendon Press, 1987. p. 90.

192TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 170.

193SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 40.

194ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 173.

Na lição de Guido Fernando Silva Soares:195

Holding é o que foi discutido e arguido perante o juiz e para cuja solução foi necessário “fazer” (criar/descobrir) a norma jurídica; reafirme-se, assim, a importância do conhecimento dos facts of a case, aos quais a norma jurídica está ligada; dictum é tudo que se afirma na decision, mas que não é decisivo para o deslinde da questão e, embora seja meramente persuasive, tem importância suasória para as cortes subordinadas e para o advogado, no aconselhamento de seus clientes.

Já os facts of the case podem ser subdivididos em substantive facts e em procedural facts. Aqueles constituem os acontecimentos que levaram à propositura da demanda e irão delimitar o alcance do precedente formulado. Estes, também chamados judicial history of the case, constituem os fatos ocorridos durante a tramitação processual, do julgamento em primeiro grau até o julgamento final pelo tribunal.196

Em resumo, é a essência da regra de Direito bastante a decidir o caso concreto e extraída dos facts of the case, denominada holding, que vincula os julgamentos futuros. E cumpre salientar que tal regra não é destacada ou individualizada pelo órgão prolator da decisão, cabendo aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na enquanto precedente, extrair a norma que incidirá ou não na situação concreta análoga posta em juízo.197

Essa complexa atividade lógico-interpretativa dos precedentes judiciais, na busca de seu conteúdo vinculativo, é viabilizada pelo método de confronto denominado distinguishing. Através dele o juiz analisa se os fatos postos em juízo podem ou não ser considerados análogos ao paradigma, sendo certo que o precedente deve guardar absoluta pertinência substancial com a holding do caso sucessivo − precedent in point − para que tenha eficácia vinculante.198

A técnica do distingo, para além de identificar a holding, pode interpretá-la, seja de modo restritivo (restrictive distinguishing) ou ampliativo (ampliative distinguishing). Veja-se a lição de Guido Fernando Silva Soares199:

195SOARES, op. cit., p. 42.

196ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 173.

197TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 175.

198Ibid., p. 174.

199SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 42.

Nos casos novos, apresentados na lacuna de case laws, ou a corte pode reler os holdings anteriores com um espírito de interpretação restritiva (“to narrow the holding”), ou de uma interpretação extensiva (“to read a holding more broadly”), ou, ainda, meramente declarativa (na afirmação de que o caso se aplica à espécie, tal e qual).

A seu turno, o efeito vinculante existente numa holding tem a natureza de regra hermenêutica de cunho universal, repercutindo, portanto, sobre todos os casos futuros aos quais ela tenha pertinência, de modo que o vínculo açambarcado pela regra do stare decisis se distingue do dever de respeito à coisa julgada, esta que, disciplinando o caso concreto, possui efeito apenas inter partes.200

Entretanto, referida submissão às decisões anteriores não é absoluta, sendo o distinguishing uma das técnicas de se furtar à força vinculativa do precedente, sobretudo quando, por ocasião da distinção, verificar-se que os casos não são análogos e que não comportam sequer um ampliative distinguishing.

Ocorre que, afora a situação supracitada, existem técnicas que permitem a desconsideração de um precedente, ainda que se trate de caso análogo ou idêntico, numa postura mais drástica do que a verificada no distinguishing. Nas palavras de Guido Fernando Silva Soares:

Podem as cortes superiores, igualmente, desconsiderar um precedent e decidir com novas razões um caso semelhante: é o overruling (autêntica ab- rogação do precedente, ou, no que é mais comum, sua derrogação, continuando válido para certos aspectos da questão examinada - o que nada mais é do que transformar um holding num dictum!).201

Num primeiro momento, quanto às motivações para substituir – overruled – determinado precedente, tem-se que as cortes superiores podem fazê-lo por ser considerado superado ou, até mesmo, equivocado − per incuriam ou per ignorantia legis. Nesses casos, a decisão que inova o ordenamento jurídico revoga expressamente a holding anterior – express overruling – retirando-lhe o valor vinculante.202

Outrossim, é possível que, sem qualquer menção ao posicionamento jurisprudencial vinculante, a nova decisão siga fundamento absolutamente distinto que implique em novo resultado de julgamento, caso em que terá havido uma

200TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 176.

201SOARES, Guido Fernando Silva. Common law - Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 42-43.

revogação implícita do precedente – implied overruling – retirando, do mesmo modo, a carga vinculante do precedente substituído.203

Desse modo, a regra do stare decisis é flexibilizada pela possibilidade de mudança das regras estabelecidas nos precedentes, chamada to overrule a precedent, podendo ser levada a cabo pela própria corte da qual emanaram ou por corte de hierarquia superior.204

Ademais, conforme sua produção de efeitos no tempo, podem ser citadas como formas de excetuar a força vinculativa de um precedente os denominados retrospective overruling, prospective overruling e antecipatory overruling.

Um retrospective overruling ocorre quando a revogação do precedente se dá com efeitos ex tunc, não permitindo que a decisão substituída possa ser invocada como paradigma em casos que ocorreram antes da revogação e que aguardam julgamento. Já o prospective overruling, instituído pela Suprema Corte estadunidense, opera a revogação do precedente com eficácia ex nunc, ou seja, somente deixa de ser adotado aos casos sucessivos à substituição, de forma que a holding substituída continua a ter eficácia vinculante aos fatos ocorridos anteriormente à revogação. E, por derradeiro, o antecipatory overruling consistente na revogação preventiva do precedente, efetivada pelas cortes inferiores sob o pálio de que não mais constitui um bom fundamento, conforme implicitamente já teria sido reconhecido pelos tribunais superiores, bastando que na jurisprudência da corte superior tenha havido uma modificação no vetor referente ao respectivo precedente.205

Esse arcabouço de mecanismos aptos a mitigar a força vinculante do precedente, podendo retirá-la totalmente em algumas hipóteses, está a evidenciar que a regra do stare decisis não implica no engessamento do ordenamento jurídico, já que não impede que determinada tese dominante, antes sedimentada, possa ser superada por um novo processo de normatização jurisprudencial.

Ora, a dinamicidade social, consubstanciada pela constante modificação dos paradigmas de interpretação de determinado fato social alçado à condição de fato jurídico, demanda um sistema jurídico capaz de assimilar, arregimentar e disciplinar

203Ibid., p. 179.

204ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 173.

205TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 179-180.

referidas mutações, como corolário da própria justiça ou, ao menos, para a diminuição das tensões sociais.206

De acordo com José Rogério Cruz e Tucci, “o ponto de referência normativo no âmbito da commom law é exatamente o precedente judicial, enquanto no tradicional sistema da civil law o precedente, geralmente dotado de força persuasiva, é considerado fonte secundária do direito”207, e “tal eficácia persuasiva, dependendo

de inúmeras variantes, pode ser maior ou menor”.208.

Esclarece Cruz e Tucci, outrossim, “que em determinados ordenamentos jurídicos de direito escrito, como, por exemplo, do Brasil, adota-se, um modelo misto, vale dizer de precedentes vinculantes e de precedentes persuasivos”209, concluindo

que

Na atualidade, o Direito Brasileiro adota um modelo misto quanto à eficácia dos precedentes judiciais, a saber: a) precedentes com eficácia meramente persuasiva; b) precedentes com relativa eficácia vinculante; c) precedentes com eficácia vinculante.210

9.3 Condições para Mudança da Jurisprudência no Civil Law e suas