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Confiar e sentir-se parte do grupo

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 157-160)

7 O REENCONTRO COM A NATUREZA DO SER

7.1 A importância do grupo

7.1.3 Confiar e sentir-se parte do grupo

“Ah! Eu tinha medo de não conseguir acompanhar o ritmo, o ritmo da dança e eu ficar fora [...] mas assim, eu tenho uma dificuldade de me sentir parte do grupo, então, quando eu comecei as Danças Circulares, eu pensei, não vou acertar o passo, eu não vou conseguir acompanhar o grupo [...]”. A revelação de Deméter diante do medo de sentir-se excluída do

grupo não foi sentida pelo coletivo de educadoras, nem por mim enquanto focalizador. Conheci a história de Deméter somente a partir da entrevista. Ao relatar acontecimentos muito particulares e íntimos, “esvaiu-se” em prantos. Sua vida foi permeada por muitos conflitos: rejeição, depressão, rebeldia, teimosia, raiva, porém, foi corajosa ao romper com algumas questões. Hoje entende e respeita esses sentimentos. Ao longo das vivências Deméter relata:

Consegui me sentir mais parte do grupo, que é uma coisa assim que, eu sei que é uma limitação que eu venho conquistando né, não me sinto parte, ou eu me sinto parte ou logo me desfaço daquela parte. Eu me senti com a dança circular, eu consegui trabalhar isso também em mim, fazer uma entrega grande e uma abertura muito grande [...].

A confiança reforça a ideia de segurança e a sua falta, o medo. O medo sentido por Deméter nos primeiros encontros (rodas) causou insegurança, que não foi percebida e nem sentida corporalmente em seus gestos e posturas, talvez pela estrutura física forte e robusta não demonstre sua insegurança. Em “Medo Líquido”, Bauman considera o medo “um sentimento conhecido de toda a criatura viva” (2008b, p. 9). Para o autor, os seres humanos, diferentemente dos animais conhecem um medo de “segundo grau” ou um “medo derivado”. Esse “medo derivado” se caracteriza por orientar o comportamento havendo ou não uma ameaça evidente.

O ‘medo derivado’ é uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como o sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais) (BAUMAN, 2008b, p. 9).

A questão do “medo derivado” explicitado por Bauman diz respeito à visão de mundo internalizada pelo ser humano que incluem a insegurança e a vulnerabilidade como eventos cotidianos e atua como um dispositivo, não havendo nenhuma ameaça preeminente, ou seja, o “medo derivado” nada mais é do que autodefesa.

Afrodite também destaca a questão da confiança no grupo:

[...] a gente evoluiu muito, no começo eu via, algumas colegas tinham um pouco de dificuldade no ritmo, mas isso foi melhorando a cada encontro porque você acaba observando o colega, você acaba confiando mais no colega e o colega também confia em você, e eu acho que isso é importante, porque a gente precisa disso, confiança é tudo [...] eu acho que a gente evolui muito nesse sentido, de confiar uma

na outra, por isso o grupo, porque a gente se conhece e quem ainda não se conhecia muito, acabou se conhecendo muito mais nos encontros.

Hemera destacou que as participantes do grupo de idosos do projeto institucional sentiram-se parte do grupo em virtude de que “sintonizaram com a energia, com a tua proposta, com a proposta da dança, sintonizaram com a tua pessoa, com o teu ser, né, e com a roda, com o grupo, afinal, as pessoas não voltam”.

Para Iemanjá a confiança partiu inicialmente em virtude de uma atitude do focalizador que culminou com o sentimento de pertença no grupo. No encontro (roda) doce sabor da infância, Iemanjá relatou um conflito que viveu no período da infância e destacou o lado positivo de ter socializado isso, pois a partir daquele instante passou a sentir-se parte do grupo:

Desde o dia aquele que você falou: Iemanjá! Hoje você é a dona da roda! Naquela questão que não me deixaram brincar de roda porque eu era pobre e eu estudava num Colégio de Freiras, como bolsista. Então ali eu me senti acolhida, eu me senti bem, até tu disse: – quem é a dona da roda? – é a Iemanjá! Então isso me fez eu sentir também acolhida pelo grupo, no chegar, na dança, boa tarde e abraçar, e tudo isso assim me senti acolhida pelo grupo em todas as vezes [...].

O episódio retratado por Iemanjá tocou-me profundamente enquanto homem, ser humano, educador, focalizador e responsável naquele momento em conduzir o grupo. Ao contar seu medo para o grupo, Iemanjá rompe com o silêncio e anuncia sua libertação. Daquele momento em diante nasce uma “nova” Iemanjá e, por causalidade, desprovida de segundas intenções, recebe esse pseudônimo. A mãe, deusa Iemanjá, majestade dos mares, rainha dos oceanos, regente dos lares, protetora da família, assim designada pelo Candomblé, assemelha-se a Iemanjá desta pesquisa pelo fato de ter se tornado viúva, como ela mesma diz, “sem aviso prévio, da noite para o dia”, e isso fez com que ela enxergasse a vida diferente, melhorar como pessoa, afinal, tornou-se referência para os dois filhos.

Brígida pontua que o confiar e o pertencer ao grupo deram-se em função do fortalecimento grupal.

Nosso grupo era um grupo pequeno, né, a maioria já se conhecia, são pessoas assim que estão sempre apoiando umas as outras, a maioria conhecia assim os problemas das colegas, mas mesmo assim, eu acho que serviu de fortalecimento das relações, porque teve momentos assim que cada uma conseguiu colocar pra fora o que tava sentindo, o que aquele momento a fazia lembrar [...].

Ártemis realizou alguns investimentos no sentido de que confiassem em si na roda. Na entrevista ela desabafou:

Dificilmente eu fiquei com a mesma pessoa do lado, eu não sei se foi por acaso ou proposital, mas você ali no momento você tem que pegar e você tem que ficar com essa pessoa e quer queira, quer não, quando você dá a mão, você passa energia e eu procura passar energia boa. Quando eu tava do lado de algumas pessoas eu dizia: tu vai receber essa minha energia boa, nem que você tenha um quesinho comigo [...].

Tais provocações foram investimentos feitos movidos por conflitos ocorridos na relação professora x supervisora, no sentido de aproximar e desconstruir significados em relação aos aspectos pessoais.

O conteúdo das falas das entrevistadas contempla aspectos relevantes da ordem das relações interpessoais e, nesse sentido, é possível afirmar que as relações são construções sociais e se aproximam aos significados de afeto, aceitação, cumplicidade, solidariedade, necessidades e satisfações pessoais. Segundo Placco (2004, p. 11),

habilidades de relacionamento interpessoal e social, são como tantas outras, aprendidas e desenvolvidas no viver junto – e dessa aprendizagem ninguém sai igual: mudanças são engendradas, no nível da consciência, das atitudes, das habilidades e dos valores da pessoa, assim como no grau de amplitude de seu conhecimento e no trato com esse conhecimento, com a cultura – constroem-se assim processos identitário. Mecanismos como a comunicação e a linguagem estão na base dessa construção e podem ser seus facilitadores ou obstáculos a ela.

A convivência grupal nem sempre é uma condição confortável a todos os seres humanos. A timidez, a vergonha e até mesmo a exposição podem ser fatores que dificultam o estabelecimento de relações e ampliação dos laços de amizade; contudo, o contato permanente, quase que diário, possibilita que paulatinamente essas pessoas consigam ir rompendo com as amarras que as colocam nessa condição e aos poucos vão construindo laços de proximidade e pertencimento.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 157-160)