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Dança e meditação

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 178-183)

7 O REENCONTRO COM A NATUREZA DO SER

7.4 Dança circular e espiritualidade

7.4.3 Dança e meditação

Wosien (2000) criticou a expressão que afirmava que usualmente a oração era designada como a via de comunicação da alma humana com Deus. Segundo ele, fazia-se injustiça, pois na oração, tanto a alma quanto o corpo participam. Ele dizia que uma oração puramente espiritual era adequada aos anjos, mas não às pessoas, que possuem uma natureza espírito-corporal. Para ele, as formas corporais correspondentes às rezas interiores é que pertencem à oração humana.

A meditação na dança é a oração em movimento: “a nossa dança deveria ser a nossa oração” [...] dizia Wosien (2000, p. 119). É a conexão corpo-mente-alma que se eleva a um estado de totalidade, de inteireza. Na tradição sufi, que prega a unidade de todas as religiões e a confiança no futuro da humanidade, a dança do semâ

é símbolo do vir-a-ser do mundo a partir da origem unitária de Deus e é uma representação do princípio espiritual que religa o místico com a própria origem. Além disso, interpreta metaforicamente o rodar dos planetas ao redor do Criador. Girando em sentido anti-horário, ou seja, na mesma direção de rotação da Terra no próprio eixo e ao redor do Sol, o tempo anula-se. O movimento exterior serve como meio para a imobilidade interior, até o estado que existia antes do imperativo da criação divina: “kun feia kun (seja, e foi)”. No giro o homem é o espelho microcósmico de toda a criação (WOSIEN, 2002b, p. 54).

Entre 1967 e 1968, Bernhard Wosien teve sua iniciação na dança do giro. Para ele a dança representava juntamente com o som e o ritmo, um meio de experimentar de modo imediato o mundo espiritual, porém a dança não permaneceu nas funções sagradas cristãs. Foi então que descobriu que na ordem dos Dervixes-Mevlevi a música e a dança são considerados meios baseados em exercícios espirituais e possibilidades de expressão da aspiração à união com Deus. Na dança de giro procura-se atingir uma visão clara e luminosa, que é considerada como o ponto máximo da experiência mística divina (WOSIEN, 2000; WOSIEN, 2002a; WOSIEN, 2002b).

Nas DCS Bernhard vislumbrou um ritual, dançando assim como os Dervixes-Mevlevi giram em torno de seu próprio eixo, de forma individual, a fim de gerar duas espirais, para cima e para baixo, para atingir a ligação entre a terra e o céu. Nas DCS a ligação pelas mãos e o giro coletivo buscam atingir essa essência: a ligação entre a terra e o céu na forma de espirais.

A linguagem utilizada para expressar a meditação em forma de dança foi trazida pelas entrevistadas na forma de reflexão, introspecção, concentração, harmonização, conexão, internalização e do contatar. O significado para essas linguagens são possivelmente assimiladas na medida em que se compreende a meditação como reflexão que possibilitou o

pensar na vida, no olhar para dentro e conhecer-se melhor; na introspecção que gerou o processo de autoconhecimento; na concentração para atingir o equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual; na harmonização que levou o fortalecimento grupal; na conexão com o coração, com a inteireza e a totalidade do ser que somos e de sua relação com o que nos rodeia; na internalização que resgatou momentos vividos que não remetem a experiências significativas e que foram trabalhadas e no contatar com esses momentos e exteriorizá-los na forma de emoções.

Bernhard Wosien (2000) conta em seu livro “Dança: um caminho para a totalidade” que quando esteve pela primeira vez em Findhorn presenciou a abertura e a sintonização no início do trabalho em conjunto e teve a ideia de ampliar esse estar-quieto para um caminho para a calma. Com o passar dos anos, as pessoas que foram até Findhorn passaram a dançar juntas as danças de roda e “elas encontraram o caminho para a meditação da dança, como caminhar para o silêncio, segundo as mais antigas formas das danças circulares” (WOSIEN, 2000, p. 119).

Na definição de Berni (1998, p. 62), a meditação é um processo de

‘entornar-se sobre si mesmo’, ou seja, um esforço consciente do Eu Exterior para olhar o Eu Interior. É o forte desejo de encontrar e abrir canais de comunicação com o Cósmico. É um trabalho que começa com o uso da vontade, através da focalização da atenção. Passa em seguida para o domínio da intuição, ou seja, o estabelecimento do contato do ‘Eu de dentro’ com o ‘Eu de fora’.

O exercício feito pelas participantes ao longo da oficina onde eram convidadas inicialmente a fechar os olhos, concentrar em sua respiração, abandonar os pensamentos e aquietar-se vem ao encontro da proposta que é a meditação. Ao incentivar as participantes a fechar os olhos durante as danças, após a introjeção do ritmo e do passo da dança, a meditação tornou-se ativa, na liberação do corpo para experimentar o contato com Ser Interior que habita cada uma. Berni (1998) completa o significado de meditação reafirmando que um princípio importantíssimo para a meditação e para a abertura dos canais de comunicação entre os dois núcleos da entidade humana é a liberação do pensar: “abrir-se para o Cósmico, para que ele nos preencha de uma forma natural, suave, e nos integre como parte do Todo” (p. 62).

O exercício da meditação ocorreu ao longo da oficina nos momentos que antecederam o final de cada encontro (roda), durante a leitura da mensagem do dia. As participantes verbalizaram em suas entrevistas que as mensagens lidas foram importantes, pois as tornaram melhores. O teor das mensagens abordaram aspectos relacionados ao desejo de paz e harmonia, sobre aproveitar a vida, viver para si e para os outros, sobre a necessidade de

desfazer-se do que é velho para dar lugar ao novo, sobre a fé e sua vivência, sobre olhar para frente e projetar a caminhada, sobre a importância de acreditar no seu Deus interior e viver seu amor, sobre confiar no coração para vencer o caos, assumindo a responsabilidade pela vida e serviram como reflexão e meditação.

A dança como prática corporal também foi citada por algumas participantes, principalmente quando destacaram que possuem uma relação muito próxima, de afinidade, de ligação, que vai além do simples desejo de dançar. Némesis fez questão de frisar em sua entrevista: “a dança me emociona, e eu acho que a dança traz algo muito bom, a dança faz nós desenvolver coisas, bem evolução na nossa vida [...]”. Para Brígida, “[...] todas as danças elas tem um encantamento, elas têm, elas nos dão, a sensação assim, como eu falei no início, de leveza, né, ãh, encantamento e envolvimento eu diria [...]”. Deméter entende a dança como “[...] um momento de arte, ela é muito atraente [...], a dança sempre foi uma coisa que me atraiu, mas eu nunca investi, a arte me atrai né, eu sou uma pessoa da arte e eu nunca investi muito nisso [...]”. Para Hemera, a dança lhe causa emoção: “[...] eu acho lindo, eu me emociono de ver uma dança, qualquer dança, pode ser dança gaúcha, dança típica, pode qualquer dança, eu acho que é uma expressão da alma né, que vem assim, do eu mais profundo que tá sendo colocado [...]”. Dita com outras palavras, “[...] a dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo. Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas [...]”, extraído de “poemas presos” de Viviane Mosè.

Assim como encontramos na dança a possibilidade de amolecer os poemas endurecidos do corpo, vivificou-se, ao longo da trajetória percorrida por meio das essências e suas dimensões, a possibilidade de reencontro com a natureza do ser por meio da relação com o grupo, na condição de acolhimento, pertencimento, aproximação e cuidado; na descoberta sensível das emoções e sentimentos que promoveram encontros, re (encontros), possibilidades de celebrar a inteireza do ser nos caminhos trilhados para a paz; nas recordações, risos e choros da infância e adolescência e de sua relação com o adulto, e o coloca diante da criança que brincou, vivenciou e experimentou a docilidade e fantasia do mundo imaginário do faz de conta e que continua vivo na memória; na prática da espiritualidade por meio das danças circulares sagradas e da relação com o eu interior e exterior, transformando a energia densa em sutil, promovendo a oração/meditação em movimento.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 178-183)