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Infância e adolescência

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 168-172)

7 O REENCONTRO COM A NATUREZA DO SER

7.3 Infância e adolescência

A essência constituiu-se a partir das manifestações realizadas pelas participantes ao longo de suas entrevistas. Em vários momentos retomaram através da linguagem verbal as imagens (visualizações mentais) que povoaram suas memórias relativas à infância e à adolescência. Bachelard considera que há sempre uma criança em todo adulto e que o devaneio sobre a infância é um retorno à infância pela memória e pela imaginação. Ele diz também que há em nós uma infância represada que emerge quando algumas imagens nos tocam (1988).

A infância, segundo Kishimoto, é a idade do possível, onde “pode-se projetar sobre ela a esperança de mudança, de transformação social e renovação moral” (2011, p. 22). A autora complementa sua tese afirmando que

a imagem de infância é reconstruída pelo adulto por meio de um duplo processo: de um lado, ela está associada a todo um contexto de valores e aspirações da sociedade, e, de outro, dependendo de percepções próprias do adulto, que incorporam memórias de seu tempo de criança. Assim, se a imagem de infância reflete o contexto atual, ela é carregada, também, de uma visão idealizada do passado do adulto, que contempla sua própria infância. A infância expressa no brinquedo contém o mundo real, seus valores, modos de pensar e agir e o imaginário do criador do objeto (2011, p. 22).

Baseado em tais convicções e significados, algumas participantes trouxeram em suas falas memórias e imaginários que continuam presentes em seu mundo real, com seus valores e representações.

Na tentativa de ilustrar o período da adolescência e algumas características é possível afirmar que a

adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social (EISENSTEIN, 2005, p. 6).

Tais significações não são no meu entendimento conceitos fechados e finitos, mas conseguem dar indícios desses momentos pelos quais as participantes da pesquisa passaram e que foram rememorados pela oficina.

7.3.1 Recordações

Ártemis em sua entrevista referendou em vários momentos da infância, todas elas vieram em forma de lembranças e recordações durante a vivência da roda “o doce sabor da infância”. Segundo ela,

[...] lembranças muito boas muito boas de minha infância, principalmente com os meus dois irmãos, não com as minhas irmãs, as minhas duas irmãs mais velhas elas casaram muito novas e foram embora, então ficamos os três, eu a menina e os dois meninos, e eles faziam muita coisa por mim na questão do brincar, a gente brigava, a gente se desentendia, mas eles, eles eram os construtores do meu brincar [...].

Para Brígida, o encontro (roda) em que as danças circulares focalizaram o período da infância ela diz que veio muito a sua mente e “revivi como se eu tivesse de novo, foi o momento da infância né, ah, mas só que na infância eram mais as amiguinhas”.

Afrodite também reviveu os momentos de sua infância e recordou muitas coisas, inclusive enfatizou que “[...] tive uma infância muito boa, muito feliz, brinquei muito [...], eu acho que essa dança da infância pra mim foi muito legal [...]”.

7.3.2 Crianças e adolescentes: risos e choros

Alguns episódios dos tempos de criança e de adolescente foram vindo à tona a partir dos relatos nas entrevistas. Ocasiões muito particulares, íntimas de cada participante, ora agradável e ora não tão agradável.

Iemanjá contou um episódio não tão agradável que ocorreu consigo ainda criança, ela relatou que:

[...] meu pai fornecia verduras né pras internas né, dessa escola e com isso eu e o meu irmão estudávamos de graça, então, era uma escola tipo de elite né, não é de Santo Ângelo e, na hora do recreio as meninas normalmente brincavam de roda e sempre tinha uma dona da roda. Então tinha que pedir pra essa dona pra participar da roda e numa das ocasiões eu fui pedir pra brincar de roda e a menina, a Juliana que era dona da roda disse que não. Eu me lembro o canto que eu sentei, até a cor do chão que era um granito cinza com umas pintinhas pretas assim, eu lembro que eu me encolhi, eu devia ter em torno de 7-8 anos, eu me encolhi e fiquei muito triste né, até hoje eu lembrando, eu fico lembrando aquela menina, eu sinto ela não ter convidado nem deixado né.

Nesse instante Iemanjá é tomada pelo choro. Na roda Iemanjá relatou a experiência para o grupo, com menos detalhes, não se emocionou como na entrevista, talvez por ter

superado e hoje lembrar com alegria dessa superação. Outro episódio envolvendo a infância foi relatado por Ártemis ao final do encontro (roda) da infância, foi quando se sentou no chão ao redor do centro e dividiu a seguinte história, agora contada em detalhes para o pesquisador na hora de sua entrevista:

[...] uma coisa bem marcante, porque nós tínhamos uma árvore, uma araucária na horta que ela tinha três brotos, e dali, daqueles três brotos saiu a árvore de todo, assim até eu sair de casa, eu estudar na minha juventude, já moça, daqueles três brotos saíram todas as árvores de Natal, cada ano o pai cortava o maior e nós armávamos a árvore, então eu bem lembro assim uma cena que me vem muito na cabeça é esse meu irmão brincando com meu sobrinho no primeiro autorama da história deles, risos... Nós montamos o autorama embaixo, ali na árvore de Natal, na frente né, e eles brincavam ali, então eu tenho muito presente isso. A Páscoa era muito significativa porque a gente que construía os ninhos e teve um ninho que eu procurei sete dias, porque os meus irmãos esconderam tão bem escondido que eu não encontrava nunca.

Ártemis relatou o episódio com muita empolgação, percebi que sua voz irradiava um sentimento de felicidade e contemplação desses momentos que para ela foram significativos e que ainda continuam sendo pela forte ligação com seus irmãos e com a infância.

A adolescência e a infância de Deméter não foram rememoradas com muita alegria, pois segundo ela foram etapas muito difíceis em sua vida. Enquanto relatava seus episódios, o choro esteve presente, embora ela tivesse pensado que isso já havia passado. Ela conta que

[...] ter nascido foi um desafio muito grande, porque a minha mãe não queria mais um filho [...], quem sabe se viesse um menino e não veio um menino veio eu. Ela passou extremamente deprimida, mas muito deprimida, de não querer mais viver, na gravidez. Depois na infância, quando bebê, não era uma criança deprimida, mas depois eu me tornei uma criança muito triste, muito triste, muito chorona e tudo o que me fazia viver era o brinquedo, eu tinha muito espaço para brincar, então eu brincava muito. Quando veio a adolescência por eu ser uma menina ousada, eu sempre fui uma menina ousada e muito metida apesar disso tudo, apesar não, por isso tudo, no que eu me tornei, uma menina assim, quando chegou na adolescência eu bati o pé [...], eu fui teimosa, fui tenebrosa na adolescência [...].

Deméter retoma tais episódios vividos por ela na infância e adolescência e destaca o quanto resiliente tem sido, pois diante de toda a rejeição que sofreu, diante das escolhas e das condições que se submeteu, hoje consegue lidar muito bem com tais emoções e sentimentos por estar em constante busca de autoconhecimento e terapia.

Inicio a dimensão na tentativa de significar a diferença entre as terminologias brincar, brinquedos e brincadeiras, utilizando autores que não trazem um significado fechado para essas manifestações, mas que permitem pensar sobre como eles podem ser tratados nas diferentes dimensões epistemológicas.

Segundo Brougère (1998), o brincar é uma atividade muito presente na infância e se caracteriza como um dos principais processos em que são desenvolvidas as capacidades e potencialidades das crianças. No mesmo contexto, o autor fala que através do brincar as crianças testam suas habilidades, exercitam seus potenciais e lida com situações de interação social, elaboração de estratégias e resolução de conflitos.

Para Kishimoto (2011, p. 20), o brinquedo “supõe uma relação íntima com a criança e uma determinação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização”. O brinquedo permite a representação, a expressão de acontecimentos que evocam a realidade. Um exemplo típico se dá quando uma criança de posse de um cabo de vassoura o utiliza para significar que está andando a cavalo, por exemplo, ou que está se utilizando deste objeto para representar uma espada. A autora entende essa situação como uma relação de substituição, ou seja, de reprodução do que existe no cotidiano, na natureza e nas construções humanas e ela complementa: “um dos objetivos do brinquedo é dar a criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los” (KISHIMOTO, 2011, p. 21).

A brincadeira, por sua vez, é “a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Dessa forma, brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se confundem

com o jogo” (KISHIMOTO, 2011, p. 24).

Tais significados são expressos na fala de Ártemis quando relatou em sua entrevista a sua relação com o brincar, o brinquedo e a brincadeira em investidas na infância, principalmente incentivada por seus dois irmãos:

[...] se eu brincasse de casinha eles fabricavam meus móveis, eles fabricavam a casinha, eles faziam tudo, eles limpavam o terreno, eles construíam o meu brincar, se nós fôssemos brincar de carrinho eles construíam o carrinho [...], quando a gente ia brincar na beira do rio, que a gente brincava muito na barranca do rio, tinha uma parte assim limpa do meu pai e tinha umas árvores frutíferas, ali a gente brincava, ali a gente passava o dia construindo [...].

As construções, segundo Ártemis, eram realizadas utilizando-se de madeiras e outros materiais disponíveis ao redor do terreno.

Em relação a suas vivências na infância, Afrodite disse que quando era pequena, as colegas maiores a usavam como se fosse uma boneca, porém, na infância, brincava muito na escola, brincava de “ovo choco, de caçador, brincava daquela brincadeira de anel, ah muitas coisas, de puxar, fazer uma fileira, eu puxava pra ver que posição ia fazer dai a gente escolhia quem tinha feito a posição mais bonita”.

As brincadeiras realizadas por Ártemis e Afrodite utilizavam-se de objetos que estimulavam a imaginação. O brinquedo, portanto, não pode ser reduzido à dimensão do jogo, pois enquanto objeto, é sempre suporte da brincadeira.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 168-172)