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Mandala: relação exterior e interior

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 174-177)

7 O REENCONTRO COM A NATUREZA DO SER

7.4 Dança circular e espiritualidade

7.4.1 Mandala: relação exterior e interior

Esta dimensão – mandala: relação exterior e interior – surgiu da profunda conexão com as DCS, em que, através dos movimentos corporais produzidos no caminho da roda, as participantes foram capazes de externalizar arquétipos. Nas danças, as mandalas podem ser compreendidas também como imagens subjetivas, que podem ser comparadas a desenhos impressos no espaço terreno.

A expressão mandala provém de uma palavra da língua sânscrita, falada na Índia antiga, e significa, literalmente, um círculo, ainda que também (como composto de manda = essência e la = conteúdo) seja entendida como “o que contém a essência” ou “ a esfera da essência” ou ainda “o círculo da essência” (GREEN, 2005, p. 7), possuindo profunda conexão com as DCS e com a proposta da oficina. A mandala é utilizada nessa dimensão para dar sentido ao círculo e às projeções psíquicas e corporais das participantes, que afloraram em suas falas.

As mandalas são imagens circulares utilizadas há milhares de anos pelos povos orientais com a finalidade de expressar, por meio do texto iconográfico, a experiência humana de contato com a energia psíquica e divina. Desde os primórdios da evolução humana desenhos nas cavernas pré-históricas foram encontrados e revelam formas geométricas como círculo, espirais e outras formas semelhantes (FIORAVANTI, 2003).

A mandala significa também símbolo que fala da totalidade, da inteireza; reflete não apenas o relacionamento do homem com o mundo, mas os seus aspectos internos em relação ao outro. Sua função é diversa, dependendo do contexto, da cultura e do objetivo. Ela atua como um mapa que orienta um retrato da psique no momento em que foi realizada. Funciona como um objeto de reflexão e elaboração (FIORAVANTI, 2003).

Ao dançar em círculo, mandalas são desenhadas no chão, seguindo os padrões de passos e direções das danças concretizando formas geométricas tecidas pela ação humana.

Nesse sentido a conexão da mandala com as danças circulares permite criar nosso próprio espaço sagrado, um lugar de proteção, um foco para concentração de nossas energias: as danças circulares são mandalas em movimento.

a mandala é uma imagem ao mesmo tempo sintética e dinamogênica, que representa e tende a superar as oposições do múltiplo e do uno, do decomposto e do integrado, do diferenciado e o indiferenciado, do exterior e do interior, do difuso e do concentrado, do visível aparente ao invisível real, do espaço-temporal ao intemporal e extra-espacial (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 585, grifo meu).

Sobre a relação exterior/interior, as participantes relataram situações singulares, dentre as quais é pertinente destacar as seguintes experiências: Ártemis relata que algumas pessoas tiveram que se “desvestir, parece que vestiam uma carapaça assim, né, de não conseguirem se relacionar com as pessoas e ali elas tiveram que se liberar um pouco, eu já sou liberada, mas eu senti isso nos outros”. Toda somatização, todo desconforto físico ou emocional são traduzidos em couraça. Essa couraça não é consciente, visto que uma pessoa não tem consciência de sua couraça, mas, sim, do reflexo pelas suas percepções internas. A pessoa com couraça torna-se incapaz de atender às solicitações corporais e de externar sentimentos e emoções.

Brígida trouxe essa relação exterior/interior na seguinte fala: “[...] porque teve momentos assim que cada uma conseguiu colocar para fora o que tava sentindo, o que aquele momento a fazia lembrar [...]”. Enquanto focalizador destaco que nessa relação de exteriorizar o que internamente se passa, observei e vivenciei na relação tônico-gestual a tensão e a rigidez muscular impressa pelas mãos no momento das danças, principalmente nos primeiros encontros (rodas). Com o fluir dos encontros (rodas) essas tensões foram dando lugar a toques mais sutis, leves e descontraídos.

‘se as paredes ouvissem...’ Na casa que é o seu corpo, elas ouvem. As paredes que tudo ouviram e nada esqueceram são os músculos. Na rigidez, crispação, fraqueza e dores dos músculos das costas, pescoço, diafragma, coração e também do rosto e do sexo, está escrita toda a sua história, do nascimento até hoje (BERTHERAT, 1986, p. 11).

Iemanjá demonstrou corporalmente essa contração, fraqueza e dor. Isso ficou evidente em sua fala quando destacou que a oficina mexeu com algo muito particular: “mexeu com a criança né que tá guardada lá dentro e a gente não deixa sair, a gente é adulto todo tempo, não consegue olhar o mundo né, com o olhar de criança. Nessa dança eu consegui ser criança”.

Afrodite também revelou: “[...] essa dança circular pra mim foi bom porque eu resgatei muita coisa da minha infância, da minha adolescência, que pra mim foi maravilhoso”. Afrodite refere-se às práticas corporais muito presentes em sua memória, de seu envolvimento em atividades como dança, teatro e esporte. Némesis, assim como Afrodite conta que no encontro da infância

parecia que eu estava viajando num lugar bem longe assim e eu cheguei na beira de uma cascata de água e aquela água fazia um barulho e ouvia aquele barulho durante a dança, e eu fiquei pensando, depois que eu sai, é algo, alguma coisa que eu vivi, porque foi muito importante, e eu via assim como tivesse um espelho na frente, na minha mente eu estava enxergando aquela água, aquela cascata caindo bem limpa e se ia e eu acompanhava aquela água, e eu pensei: é o desenrolar da vida, tem que ser né, água é vida, é o fluir.

Chevalier e Gheerbrant (1992, p. 160) interpretam que a cascata é “o símbolo da impermanência oposto da imutabilidade” e ainda, a queda d’água está relacionada com “o movimento elementar, indomado, das correntes de força, aquelas que se precisa dominar e regrar com vistas a um aproveitamento espiritual” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 160). É possível intuir que a visualização mental que Némesis teve ao longo da dança foi uma projeção de seu momento atual, em que a instabilidade na relação com o companheiro e a necessidade de cuidá-lo devido à doença que o acomete, torne-a instável em determinados momentos, ao mesmo tempo em que essas forças desestabilizadoras encontrem domínio em sua espiritualidade.

Hemera disse que o visualizou na oficina e no focalizador “[...] um espelho meu, das coisas que eu realizo e que eu faço, a sintonia, o que eu uso no Reiki3 com as mãos, tu usa nas danças em movimento, tudo é movimento né”.

Para Gaia, a relação exterior/interior se deu na procura pela concentração: “eu procurava não pensar em coisas fora, assim, fugir dos pensamentos que vinham e me concentrar em mim mesma, me ver eu mesma e deixar os pensamentos fluírem, virem e

3 O método Reiki é um sistema natural de harmonização e reposição energética que mantém ou recupera a saúde. É um método de redução de estresse. Reiki é um sistema próprio para despertar o poder que habita dentro de nós, captando, modificando e potencializando energia. Funciona como instrumento de transformação de energias nocivas em benéficas. Reiki é uma palavra japonesa que identifica o Sistema Usui de Terapia Natural (Usui Reiki Ryoho), nome dado em homenagem ao seu descobridor, Mikao Usui. Rei significa universal e refere-se ao aspecto espiritual, à Essência Energética Cósmica que permeia todas as coisas e circunda tudo quanto existe. Ki é a energia vital individual que flui em todos os organismos vivos e os mantém. Quando a energia ki sai de um corpo, ele deixa de ter vida. A energia Reiki é um processo de encontro dessas duas energias, a Energia Universal e a nossa energia física. Ocorre depois da sintonização ou iniciação, feita por um mestre habilitado. A energia Reiki é uma das maiores forças deste planeta para a evolução das pessoas, um caminho de harmonização interior com o Universo. É uma energia confortadora vinda de Deus, do Criador. Vem do macrocosmo para o microcosmo. Todos nós temos acesso à energia Reiki. Utilizá-la é nosso direito inato. Disponível em: <http://www.reikitradicional.com.br/_reiki.html>. Acesso em: 20 fev. 2016.

saírem para poder me concentrar”. Já para Deméter que se considera impositiva em determinadas situações, principalmente quando dança em casal.

No grupo tinha momentos assim que eu estava na dança eu pensava assim, eu quero que seja dessa forma, daí eu pensava, não tenho que acompanhar o ritmo do grupo também né, eu preciso ceder aqui, já tinha uma consciência maior que se fosse a um tempo atrás não conseguiria, mas muito lindo isso.

Ouso estabelecer uma relação bastante provocativa: assim como o símbolo Yin Yang pode representar o bem e o mal, feminino e masculino, esquerda e direita, guerra e paz, eles podem representar o exterior e o interior. Em algumas interpretações, tais símbolos são opostos, mas podem ser compreendidos como complementares, ou seja, promove a sintonia, o equilíbrio.

Conforme Berni (1998), o Eu Exterior e o Eu Interior são dois centros que constituem o núcleo dual do ser humano. O Eu interior está centrado na Esfera Espiritual sendo o responsável por características permanentes da entidade humana, no qual depositamos nossas necessidades de tornar ato nossas potencialidades.

As falas trazidas pelas participantes colocam em situação de complementariedade e equilíbrio as relações entre o exterior e interior.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 174-177)