• Nenhum resultado encontrado

Inteireza e totalidade, caminhos para a paz

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 164-168)

7 O REENCONTRO COM A NATUREZA DO SER

7.2 Ser e estar sensível, emoções e sentimentos

7.2.2 Inteireza e totalidade, caminhos para a paz

As percepções de cada entrevistada foram ficando claras à medida que eram provocadas a externalizar questões subjetivas. Algumas entrevistadas conseguiram falar sobre sua experiência com desenvoltura e fluidez, contudo, algumas se tornavam repetitivas e, em virtude do nervosismo, necessitaram recomeçar a fim de organizar o pensamento. A dimensão que ora se aborda surgiu espontaneamente de suas falas e principalmente pela preocupação com as demandas do mundo contemporâneo relativas à violência, aos conflitos, problemas, ofensas, agressões, pontualmente destacadas.

De acordo com Pozatti (2012), a humanidade vive um momento crítico, tanto físico, quanto psíquico, social, cultural, ambiental e espiritual. Em tais condições o estado atual da humanidade tem-se mostrado insustentável, fazendo com que “os seres humanos afastem-se radicalmente de suas origens existenciais e transcendentais” (p. 144). Para o autor, a busca pela inteireza do ser necessita iniciar por uma educação que respeite as etapas do desenvolvimento do ser humano, entendendo que em cada etapa ele é inteiro. Em cada uma delas ele necessita “aprender a conhecer, a amar, a conviver, a fazer, a harmonizar-se e a ser, de acordo com o seu momento” (POZATTI, 2012, p. 132).

No processo de estruturação da oficina de DCS, uma das preocupações que tomei enquanto educador e focalizador foi pensar numa proposta de intervenção que respeitasse as etapas do desenvolvimento humano das participantes, principalmente porque a oficina mobilizaria habilidades e capacidades motoras que oscilam de pessoa para pessoa. A coletânea das danças foi um momento muito importante, pois era necessário avaliar, sem desmerecer o potencial das participantes, o grau de complexidade dos passos e das coreografias. Por fim, as escolhas refletiram em identificações deste focalizador com as danças e a afinidade com o gestual empregado, bem como o significado para cada encontro (roda) vivenciada.

Foi possível extrair de suas entrevistas falas significativas que traduziram esse estado de inteireza e totalidade. Hemera, ao ser indagada sobre algum aspecto relevante da oficina que gostaria de destacar disse:

no penúltimo grupo, foi assim ó, uma sensação de inteireza, totalidade, me conectei com o meu coração, coisa de inteireza [...], a criança é inteira, a criança é inteireza pura e a gente com o tempo vai esquecendo isso e, nesses trabalhos da roda, da biodança, a gente vai resgatando isso e vai sendo mais light.

Hemera cita a biodança porque busca essa prática para complementar a atividade de massoterapia e Reiki que exercita.

Para Brígida, o estado de inteireza e totalidade afirmou-se a partir do significado dado por ela as vivências de DCS:

o significado referente a refletir um pouco, refletir, voltar, repensar um pouco na vida. Vivemos num mundo de muitos atropelos, de muita correria, não temos muito tempo para pensarmos nossas vidas; tirar esse tempo para nos harmonizarmos, nos conhecer um pouco melhor, pensar um pouco do que já passamos, do que já vivemos, retroceder no tempo, esses foram momentos muito importantes porque em cada aula nós tínhamos a oportunidade realmente de parar através da vivência de técnicas da dança para poder pensar a nossa vida.

O discurso de Brígida possibilita percebermos que a dinâmica da oficina compreendeu uma ação educativa voltada à inteireza do Ser no que tange aos ritos que permitem a criação de espaços nos quais o ser humano pode atuar socialmente, bem como potencializar através das danças a construção de uma cultura de paz, tanto nos espaços formais, quanto não formais.

As falas de Deméter, Hemera, Brígida, Ártemis e Gaia ascendem a comprovação da tese anunciada. No início de sua entrevista, Deméter relatou que começou a sentir sua energia muito diferente: “[...] comecei a me sentir muito mais alegre, mais em paz, mais tranquila”. E ao ser questionada sobre que paz era essa da qual havia anunciado, ela disse:

a paz é o estado de êxtase que eu disse, é como se eu contatasse com uma energia muito maior, e esse contato que acontece e eu senti essa energia no momento da dança e do movimento, uma coisa que eu não tenho como descrever, é só sentindo mesmo, eu acho isso, esse sentimento de paz e que eu consigo atingir esse momento de paz; a dança sempre foi uma coisa que me atraiu, mas eu nunca investi [...].

Na sequência de sua fala, ainda relacionando a paz, Deméter anuncia: “a dança me dá isso e eu busco também na meditação, no movimento, no exercício, e eu encontro isso nessas danças circulares, é mais um espaço que eu consigo contatar com essa energia, com essa paz, com esse poder maior”. Antes de encerrar sua entrevista, Deméter relata que além de sentir uma paz muito maior, as pessoas verbalizavam quando estavam ao seu lado: Deméter! Eu senti paz, o teu olhar, porque, segundo ela, seu olhar manifestava ira. Após a oficina de DCS Deméter expõe que: “antes, eu acho que eu era mais triste e não sentia tanto a paz, eu consigo com a dança circular a paz [...]”. A experiência da oficina de DCS para Deméter foi significativa, pois “aprendeu a cuidar bem de si mesma, dos outros e do ambiente. É a expansão da capacidade amorosa” (MALDONADO, 2012, p. 163).

Hemera referiu-se à paz como “estar bem comigo mesma, mesmo no turbilhão dos acontecimentos eu estou bem, eu estou centrada, isso é paz pra mim, eu estou bem, com calma, as vezes sai fora também, não é sempre, mas é isso, acho que a paz é isso, harmonia”.

Brígida anunciou, em sua entrevista, ter sentido tranquilidade e leveza, mas traduziu essas palavras afirmando ter sensação “de paz, tive a sensação de paz, tranquilidade, paz [...]”. Ártemis qualificou seu caminho de encontro com a paz a partir do momento em que perdoou. Ela verbalizou que no encontro (roda) de cor branca sentiu “paz interior, de sentimentos bons, de alegria, de vida”. Estimulada a significar paz interior ela abordou:

é você ter a capacidade de perdoar o que tu fez, o que te fizeram sabe, o que você fez aos outros e esquecer, porque se você não esquecer é porque você não perdoou né, eu acho que tem isso e não cobrar mais, isso que eu acho que é paz interior, é resolver os problemas e deixar eles no passado, não retomar, se você retoma você não tem paz interior, aí você vive aquele inferno astral.

O conceito de paz evoluiu focalizando a importância da paz interior, não apenas a da paz exterior. A dimensão da paz interior é referendada por Maldonado (2012) e inclui a dimensão espiritual do ser humano, sublinhado como fator essencial para a construção da paz com os outros seres humanos e com o mundo. Pautada numa visão holística, a tríade: pessoa, sociedade e planeta comungam entre si a harmonia. Para Gaia, o significado da oficina de DCS foi

diferente, é único, eu não conhecia, então, aquilo ali traz uma paz, um equilíbrio, um equilíbrio emocional [...], tu fica mais centrado, sabe, a pessoa fica mais centrada, a pessoa volta pra casa com outra cabeça [...], com mais tranquilidade, com mais sabedoria para enfrentar o dia a dia, porque traz como eu já disse e repetindo, traz uma paz, uma harmonia, tanto física como emocional.

Ao ser perguntada sobre o que entende por paz, Gaia responde:

paz tem que tá em primeiro lugar dentro do coração da gente, porque se a gente não está em paz com a gente não transmite a paz pro outro, então, a gente estando em paz consigo mesmo transmite a paz pros outros e isso se propaga e ai de pessoa para pessoa, isso é o que eu entendo por paz.

A fala de Gaia permite uma interlocução com as questões relacionadas à área educativa. Nos espaços de educação formal, não formal e informal, seria pertinente estimular relações de convivência que consolidem o convívio pacífico, através da participação ativa dos envolvidos, na elaboração de propostas que atendam aos interesses de todos, na construção de regras comuns, no fortalecimento do diálogo como ferramenta para a resolução de conflitos, entre outros. Trilhar caminhos para a paz exige um esforço coletivo, um engajamento que transcende interesses políticos e econômicos, afinal, são eles que determinam as relações de poder entre os povos. No preâmbulo da Constituição da UNESCO, de 1945, uma frase chama a atenção: “como as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que devem ser erguidas as defesas da paz”. É como afirma Maldonado (2012, p. 162): “se antes dizia: ‘se queres a paz, prepara-te para a guerra’, agora se diz: ‘se queres a paz, prepara-te para a paz’, preparar-se para a paz é mais difícil do que preparar-se para a guerra”.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 164-168)