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Possibilidades para o ensino e aprendizagem da dança: da metodologia ao

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 48-53)

2 A DANÇA NO CONTEXTO EDUCATIVO

2.3 Possibilidades para o ensino e aprendizagem da dança: da metodologia ao

Discorrer sobre dança exige necessariamente que se fale sobre movimento, mas também de educar o movimento, educar com o movimento. A essência da dança é o movimento, é a matéria-prima da dança, é a qualidade primeira do fazer dança. Recorrendo à literatura que trata sobre dança, encontramos um número considerável de obras, publicações e textos que trazem técnicas, métodos e procedimentos para ensinar dança nas mais diversas

manifestações e estilos. Entretanto, não é pretensão aqui discorrer sobre elas, nem apresentar receitas, mas pontuar alguns indicativos de como se pode ensinar dança levando em consideração a individualidade e, ao mesmo tempo, a coletividade para o (re) encontro do Ser que dança, com sua natureza e essência.

É comum surgirem questionamentos sobre como ensinar dança para pessoas que não “levam jeito” e/ou “não apresentam ritmo, coordenação motora, equilíbrio, direcionalidade, lateralidade” e outros elementos psicomotores na execução dos movimentos. Costumo responder que dança não se ensina, se vivencia, se experimenta. Dança é apropriação, é construção, é exercício, é pulsão de vida, é respiração. A dança que vislumbramos como possibilidade nesse estudo agrega qualidades motoras, intelectuais, afetivas, relacionais, espirituais, sociais, entre outras, na busca pela inteireza do ser. Compartilho das ideias de Porpino e Tibúrcio (2007) quando afirmam que “a dança não se basta na cópia do movimento ou expressão de emoções, é preciso pensar que o seu ensino não deve estar centrado no conteúdo ou na forma” (p. 151).

Pensar no/sobre o ensino da dança hoje é uma tarefa complexa e deve-se ao mesmo tempo cuidar para não cair no espontaneísmo e nem tampouco supervalorizar o tecnicismo. Essa ideia é corroborada por Souza (2011, p. 33):

Se por um lado o exagerado empreendimento da técnica pode levar a um preocupante processo de mecanização dos gestos (considerando a realidade escolar), por outro lado, um espontaneísmo no uso de estratégias de improvisação e livre criação pode levar a nenhum tipo de formação, conhecimento ou conscientização do corpo que dança.

Em contrapartida, Dantas (1999, p. 31) esclarece que, em dança,

a técnica é uma maneira de realizar os movimentos, organizando-os segundo as intenções formativas de quem dança. Está presente tanto nos processos de criação coreográfica quanto nos processos de aprendizagem de novos estilos de dança. É, por isso, um modo de informar o corpo e, ao mesmo tempo, de facilitar o manifestar da dança no corpo, ou seja, tornar o corpo que dança ainda mais dançante.

No entendimento da autora, a técnica torna-se importante não como um propósito final, mas como um meio de apropriação da dança pelo dançarino. Conforme Graham citada por Garaudy (1980, p. 17), “[...] a técnica é o que permite ao corpo chegar a sua plena expressividade”. O mote está na relação entre liberdade e técnica, como defende Alves (2009, p. 341-342):

Liberdade é o que faz a técnica ser mais que mera proposição, é uma energia percebida no ato que aponta e mostra um fim provisório do gesto. A liberdade é o que permite o lapidar da técnica na impetuosidade do ato performático. Não há desempenho sem esta relação dual entre liberdade e técnica, pois é a tensão entre ambas que permite a evolução da performance.

A questão central das discussões entre teóricos, pesquisadores e docentes é: o ensino da dança deve pautar-se na técnica ou na criatividade? Sobre a questão, Alves (2009) posiciona-se diante da relação corpo-criação e aponta um novo olhar sobre o itinerário do corpo e funda uma perspectiva em que a “regência da angústia, do desejo, da vontade de expressão e transformação que o corpo vai traçando seus caminhos e aprendendo uma linguagem corporal, trabalhando-a ao sabor de suas necessidades de expressão” (p. 352), através do processo criativo, no qual o corpo constrói para si sentidos, no transcorrer do que lhe toca em profundidade, nos domínios da sensibilidade. Para aproximar-se da natureza e da essência é necessário, segundo Mansur (2008, p. 213),

transformar o natural apresentando a criação para satisfação de uma nova necessidade que anteriormente apenas apontava para a possibilidade. Efetuar toda uma gama de operações, de elaborações, para que haja o eco e esse signifique a volta. Adentrar informações por todos os poros, por todas as vias, em busca de alguma resposta, de alguma identificação com a essência do indivíduo, com a busca da realidade concreta de sua singularidade. Informações que provêm de variadas e diferentes fontes, a partir de diferentes propostas, de diferentes intenções, em diferentes intensidades. Tudo penetrando no ser para procurar nele resposta, morada, para permitir mudanças por meio do desenvolvimento de potências, por meio da produção, da exteriorização do que existe dentro, sob forma de desejo, de vontade, de paixão. Pois é o desejo, é a vontade, é a paixão que vão produzir o estofo necessário para que haja o caminhar para a inteireza, a completude, para que haja uma projeção e uma realização de parte do que existe dentro.

Discorrendo sobre as ideias lançadas pelos autores, percebe-se, em seus discursos, que as concepções sobre o ensino da dança podem agregar os elementos da técnica, uma vez que são informações oriundas de diferentes propostas, e a criação como potencializadora elevando os níveis de ensino e aprendizado e atingindo novos patamares. Ao complementar sua concepção, Alves (2009, p. 352) reitera:

O processo criativo na dança, portanto, pode ser considerado como um processo educativo estético, pois permite ao dançarino possibilidades de trabalhar a técnica corporal não como algo posto e imposto frente a passividade alienante de um corpo adestrado, mas como um agente potencial de criação da linguagem corporal, no traço espontâneo do processamento criativo. Sob este olhar, a técnica corporal não é um objeto e/ou objetivo a ser alcançado, mas o próprio atuante furtivo em curso nos laboratórios de experimentação.

Tais significados são pertinentes à luz dos processos educativos e estéticos, uma vez que deslocam olhares sobre o campo de conhecimento abrindo caminho para a busca da sensibilização corporal e, dessa forma, o corpo é capaz de planificar seu caminho, sua técnica, sua interação com a linguagem corporal.

No ensino da dança a improvisação pode surgir como uma possibilidade latente de percepção, sensibilização e expressão, pois se trata de um jogo cuja regra principal é estar sensível e atento às propostas que vão surgindo. Há uma predisposição para atuar conforme o momento: “o improvisador está pronto para transformar toda circunstância em ocasião, todo acidente em possibilidade e dispõe-se a explorar constantemente a memória à procura de soluções inusitadas para as situações criadas pelo jogo. A improvisação lida com o imprevisto” (DANTAS, 2005, p. 47-48).

A tarefa de ensinar dança é complexa e ambígua, porém é consensual a ideia de que para ensiná-la o profissional envolvido não necessita ser um expert ou exímio dançarino/bailarino ou conhecedor de todas as técnicas de dança existentes. Identificou-se ao longo das leituras, principalmente relacionadas à formação de professores, que os profissionais do gênero masculino apresentam mais resistência em ensinar dança. Acredita-se que o preconceito seja o principal impedimento, pois ainda resiste um entendimento por parte da sociedade, de forma equivocada, de que algumas características e competências, como a criatividade, a sensibilidade, a delicadeza de alguns gestos e técnicas de dança – como o clássico –, são ligadas ao universo feminino e a referência ou o imaginário da figura de homem na dança é uma construção histórico-social na qual a lógica difundida é a de que o homem que dança é homossexual. Embora infundada, infelizmente ainda flui no universo masculino. Portanto, mesmo que a docência em dança por educadores homens cause estranheza, urge a necessidade de rompimento desse velho paradigma.

Superadas as tensões é meritório salientar que para o educador ensinar dança, necessita observar algumas competências. Fortin e Long (2005) utilizam a terminologia “facilitador” para referir-se ao profissional que possibilita a experiência educacional em dança e explicam que “deve desenvolver uma compreensão das necessidades, das atitudes e dos pontos de partida dos alunos. Do mesmo modo, deve criar oportunidades de interações entre o conhecimento prévio e a experiência, permitindo a emergência de múltiplos modos de conhecimento” (p. 20).

Na compreensão de Cunha (1988), o profissional da dança deve estar impregnado de vitalidade e prazer, mas, ao mesmo tempo, estimular e desenvolver propostas à altura do entendimento de seus alunos. É indispensável o conhecimento sobre ritmo e música, assim

como apropriar-se de saberes sobre o crescimento e desenvolvimento humano, do funcionamento do corpo, ser coerente na relação pedagógica entre o que ensina e como os alunos aprendem, além de fornecer auxílio e possibilitar situações em que os alunos possam ampliar seu repertório motor. Nanni (2003, p. 123) reitera:

A dança trabalha com formas e movimentos que, ao se desenvolverem no espaço e tempo, codificam mensagens que são projetadas, exteriormente, pelo educando, permitindo ao mesmo vazar suas emoções, anseios e expectativas. O educador, ao decodificar estas mensagens, poderá trabalhar as possibilidades e todo o potencial do educando de forma mais efetiva.

Porpino e Tibúrcio (2007) ressaltam a necessidade e a importância da experiência do dançar como parte dos saberes necessários à atuação do professor que vai ensinar dança. As autoras partem da premissa de que todo o conhecimento é inaugurado pela percepção e pela presença no mundo, repleto de sentidos. Elas consideram que a sensibilização deve fazer parte integrante dos saberes do professor para o ensino da dança, afinal “não se basta somente nas suas vivências pessoais com o dançar, mas em um território mais amplo em que se faz necessário recuperar as relações sensíveis com o mundo que o cerca, atentando para seus cheiros, sonoridades, visibilidades, gostos e contatos” (2007, p. 150).

O professor, educador ou facilitador de dança, independentemente da designação que receba, possui um papel relevante perante os educandos/alunos. Talvez a primeira ou mais importante atitude a ser pensada/tomada é recebê-los como são e não como gostaria que fossem. A aula de dança, seja ela em um espaço formal ou não formal de aprendizagem, é um momento de entrega, de permissão, de desfrute, de êxtase e de catarse. Colocar-se diante de um grupo de pessoas para ensinar ou facilitar dança exige a compreensão de que esses seres envolvidos na/com a dança são corpos vivos e que não foram programados somente para imitar, para repetir ou simplesmente para reproduzir gestos e movimentos que são significativos para quem ensina ou transmite.

Estabelecer uma relação educativa entre os envolvidos no processo é o primeiro passo para quem pretende ou já ensina dança. Para que essa relação aconteça, é importante que se crie um ambiente favorável às múltiplas interações, evidenciando as condições e potencialidades de cada envolvido, interferindo positivamente e favorecendo “na evolução de fatos, conceitos, procedimentos, valores e atitudes, para então, promover a formação de pessoas sensíveis e aptas a se adequar às inúmeras situações que a vida lhes apresentar” (VERDERI, 2009, p. 73).

Portanto, seja qual for a designação empregada ao profissional que atue com a dança é fundamental que ele não se limite apenas a suas experiências pessoais com o dançar, mas que seja capaz de habitar territórios amplos, ainda não habitados, ainda não sentidos e percebidos, que seja capaz de mergulhar nas relações sensíveis com o mundo, experimentando ruídos, cheiros, imagens, superfícies, toques e contatos. Existe um espaço amplo a ser explorado, percebido e sentido, e a condição de educar requer que essas sensibilidades possam ser o pano de fundo para ações educativas e não o seu empecilho.

No documento 2016RodrigoMadaloz (páginas 48-53)