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O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E O SABER TRADICIONAL, ATÉ QUE PONTO UMA DISTINÇÃO ÚTIL? PONTO UMA DISTINÇÃO ÚTIL?

3 A ZONA DE CONTATO CONHECIMENTO CIENTÍFICO X SABER TRADICIONAL

3.1 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E O SABER TRADICIONAL, ATÉ QUE PONTO UMA DISTINÇÃO ÚTIL? PONTO UMA DISTINÇÃO ÚTIL?

Neste trabalho, a idéia de zona de contato entre conhecimento científico e saber tradicional pode ser entendida como uma metáfora da fronteira entre dois modos distintos de se gerar conhecimento sobre o mundo e seu impacto junto à implementação de mecanismos de proteção do saber tradicional.

Para Santos (2005), ela representaria a dimensão epistemológica crescentemente importante do conflito Norte-Sul. A partir do acesso desigual à informação e da crescente mercantilização do saber tradicional, a rivalidade entre essas formas de se conhecer estaria gerando novas formas de se responder e resistir à exclusão gerada pela globalização neoliberal, principalmente, no âmbito dos movimentos sociais. Para ele,

[...] a idéia é de que esta forma de globalização, apesar de hegemônica, não é a única, e tem vindo, de fato, a ser crescentemente confrontada por uma outra forma de globalização, uma globalização alternativa, contra- hegemônica, constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de vínculos, redes e alianças locais-globais, lutam contra a globalização neoliberal, mobilizados pela aspiração de um mundo melhor, mais justo e pacífico que julgam possível e a que sentem ter direito. (SANTOS, 2005 p.13).

Segundo ainda o referido autor, a origem dessa zona de contato entre conhecimento científico e saber tradicional, esteve historicamente ligada aos debates epistemológicos do século XVII na Europa, que vieram a desencadear posteriormente, na transformação da ciência como a única forma de conhecimento válido.

fatores econômicos e políticos. Como explica Santos (2005, p. 21):

[...] o argumento em favor de privilegiar uma forma de conhecimento que se traduzia facilmente em desenvolvimento tecnológico teve de confrontar-se com outros argumentos em favor de formas de conhecimento que privilegiavam a busca do bem e da felicidade ou a continuidade entre sujeito e objeto, entre natureza e cultura, entre homens e mulheres e entre os seres humanos e todas as outras criaturas. A vitória do primeiro argumento explicou-se em parte pela crescente ascendência e das potencialidades de transformação social sem precedentes que trazia no seu bojo.

Nesse marco, o conhecimento científico teria alcançado não só o mérito de definir o que é ciência, mas também o que é conhecimento válido, ao gerar um processo de destruição de conhecimentos alternativos que acarreta na liquidação ou a subalternização dos grupos sociais cujas práticas se assentavam em tais conhecimentos. Esse “epistemicídio” teria ocorrido principalmente em países da periferia capitalista, ou do chamado “Sul” sociológico, como um efeito secundário, mas persistente, do processo de colonialismo europeu.

Outros autores levantam a mesma crítica ao papel da ciência, a partir da desconstrução da narrativa histórica da hegemonia ocidental. Para Blaut (2000), os próprios argumentos e teorias que buscariam descrever a ascensão da Europa à hegemonia mundial refletem esse viés, ao atribuir falsamente aos europeus superioridade e prioridade históricas sobre todos os demais povos.

Com o desenvolvimento de narrativas que unem idéias sobre a pretensa superioridade da religião,“raça”, meio ambiente e cultura europeus, autores dos mais distintos matizes ideológicos, tais como Robert Brenner, David Landes e Lynn White Jr., ajudaram a forjar a corrente do difusionismo eurocêntrico que veio a contribuir para a legitimação científica do fato da sociedade européia ter sobrepujado em poder e riqueza às demais sociedades do globo a partir de 1500.

Para Santos (2005, p.23), este processo e seus reflexos epistemológicos seriam insustentáveis dado que:

[...] não é justificável que a determinação global do que são os problemas relevantes para o conhecimento em função dos interesses e prioridades definidos nos países do Norte, nem a orientação prioritária do investimento na ciência e tecnologia em função desses problemas. É insustentável a situação de que, por exemplo, as ciências sociais continuarem a descrever e interpretar o mundo em função de teorias, de categorias e de metodologias desenvolvidas para lidar com as sociedades modernas do Norte,(...) Não é possível continuar a declarar a irrelevância ou a inferioridade dos diferentes modos de conhecimento emergentes das

experiências da esmagadora maioria da população mundial, que vive, precisamente, no Sul.

No entanto, apesar de se concordar com a existência e a importância analítica da divisão entre o Sul e o Norte sociológicos não é no nível das metanarrativas, da prática científica como um todo, ou das implicações de uma possível ruptura epistemológica no atual paradigma científico decorrente da pressão dos movimentos sociais, que se pretende discutir o conceito de a zona de contato nesta seção. Cabe aqui empregar esse conceito em nível mais restrito, conforme segue:

Com o uso do termo “contato” a intenção é trazer à luz as dimensões interativas, improvisadas dos encontros coloniais tão facilmente ignoradas e suprimidas dos relatos difusionistas da conquista e dominação. Uma perspectiva de contato enfatiza como os sujeitos se constituem em e pela sua relação entre si. Ela trata a relação entre colonizados e colonizadores não nos termos das suas diferenças e separação, mas sim nos termos de sua co-presença, interação, práticas e compreensões mútuas, e freqüentemente, dentro de relações de poder radicalmente diferentes. (PRATT, 1992 apud WARREN, 2001, p.22).

As implicações da zona de contato entre conhecimento científico e saber tradicional no exercício do poder, especialmente em seu aspecto relacional, remetem claramente ao trabalho de Foucault, uma vez que o poder não é entendido apenas como um dado de relações institucionais ou de autoridade abstratas, mas sim como resultado de interações, negociações e acomodações nas lutas e contingências diárias que constituem a vida social. O papel do poder na zona de contato seria amplo e difuso, e o conflito entre diferentes formas de conhecer e de se apropriar seria, freqüentemente, o reflexo de posições distintas nos grupos e hierarquias sociais.

Isso é relevante porque, para Foucault (1984), o critério que define o que é poder, remonta ao exercício de discernimento e arbitrariedade sobre o que deve ser excluído e a quem deveria ser designado e qualificado para saber. Tais exercícios envolveriam atos de poder.

Nesta idéia de zona de contato, o exercício do poder encontraria na normalização de definições essencialistas de “propriedade” e “conhecimento”, instituições públicas que racionalizariam e legitimariam os modos dominantes de se apropriar e conhecer.

Essa normalização seria uma maneira de se racionalizar, organizar e homogeneizar a sociedade de acordo com os interesses do Estado, integrando a

sociedade ao sistema econômico. As tecnologias ou técnicas normalizantes seriam aquelas que estabelecessem uma definição comum de objetivos e procedimentos, ou que, ao menos concordassem sobre os exemplos de como se deve organizar certos domínios da atividade humana. (DREYFUS e RABINOW, 1983). Elas definem o que é normal e o que estaria fora de sua definição como comportamento a ser normalizado. Obviamente, não haveria uma validade intrínseca sobre aquilo que é considerado uma sociedade “normal”. Entretanto, ela seria uma atividade totalizante na qual os membros dominantes das redes do Estado e do governo normalizariam desigualdades através de práticas discursivas, com o efeito de controlar e disciplinar, além de excluir e dominar.

O discurso aqui seria uma ligação e um instrumento do poder com as formas de se conhecer. Assim, o discurso não seria apenas uma forma de exprimir pensamentos, representações, imagens e temas, mas sim uma determinada prática que obedeceria às regras pré-determinadas.

Todo o discurso falado e escrito seria então regulado pelo mundo, seu contexto histórico e seu modo de produção, organização e validação criariam as regras para a emersão da forma de conhecer dominante. Portanto, a linguagem e as regras implícitas que governam o seu uso, seriam instrumentos chave de poder. (FOUCAULT, 1984).

O debate sobre o discurso em Foucault também se alinha com a recente discussão da corrente sociotécnica de Bruno Latour e Michel Callon, que enfatiza os aspectos sociais da produção do conhecimento científico. Nesse contexto, a ciência, como um sistema de conhecimento, seria gerada, estabilizada e afirmada como um processo social de criação de “caixas pretas” no qual o trabalho técnico e científico se tornaria invisível devido ao seu próprio sucesso. (LATOUR 1999). Assim, o conhecimento seria transformado em um “fato” que não aceitaria considerações ou maiores questionamentos.

Neste processo, uma vez tendo estabelecido o sistema operacional ou os argumentos envolvidos no debate em questão, seria necessário apenas focar no funcionamento eficiente da “caixa-preta”, mantendo a sua provisão de insumos para se obter os resultados, não havendo necessidade de se preocupar com a sua complexidade interna. Paradoxalmente, quanto mais a ciência for bem-sucedida ao resolver os problemas cotidianos, mais opaca e obscura ela se tornaria. (LATOUR e WOOLGAR, 1979; LATOUR, 1999).

A contribuição dessa perspectiva para este trabalho seria a sua ênfase nos aspectos culturais e na historicidade da própria ciência, evitando-se tomá-la como um bloco estanque e a-cultural. Afinal, a vida dos cientistas não se resume ao seu trabalho profissional e a própria ciência apóia-se no mundo da vida, que é pré- científico.

Sem dúvida, a idéia de zona de contato também nos remete à existência de uma oclusão, um silêncio que se faz presente, principalmente por parte dos cientistas que tendem a negar o diálogo com formas de saber não-científicas.

Acredita-se que a conjunção dessa perspectiva com a de Foucault nos permite partir de uma idéia de zona de contato em que a rivalidade de saberes se dá, principalmente no plano político-institucional e no exercício do seu poder, seja no estabelecimento da agenda de discussões ou através das próprias práticas de gestão do saber tradicional.

No nível da gestão estatal, essa zona de contato tenderia para a normalização de um conhecimento particular e para a sua regulação a partir de técnicas administradas pelo Estado e suas instituições. Por outro lado, estas técnicas possibilitariam uma deslegitimação de formas de se conhecer e se apropriar de populações tradicionais e povos indígenas.

Os reflexos dessa zona de contato entre diferentes formas de se conhecer expressam-se, muitas vezes, através de concepções dogmáticas de desenvolvimento junto às populações tradicionais que freqüentemente têm negado o direito aos seus recursos e à autodeterminação.

Por isso acredita-se que a interface entre conhecimento científico e saber tradicional é uma boa interface para a discussão e a reflexão de diferentes modelos de desenvolvimento, bem como de suas premissas, no sentido de se construir uma discussão teórica que oriente uma análise da atuação estatal para a gestão do saber tradicional.

No CGEN, os temas são discutidos, compreendidos, as decisões são tomadas de acordo com sua “verdade” científica, ou seja: tecnocraticamente. Nesse sentido, ele estaria visando sempre à criação de mecanismos padronizados e comprovados cientificamente para operacionalização “eficaz” da gestão do saber tradicional, mesmo que isso acarrete a marginalização de outras maneiras de se apropriar e de conhecer, que não são reconhecidas por esse atual marco jurídico- científico.

Nesse quadro, a diferença crítica da dicotomia entre conhecimento científico e saber tradicional tem sido ignorada. De acordo com Agrawal (1999, p.178), faz-se necessária não apenas consideração dos pontos em que diferentes formas de conhecimento se ligam a pontos de poder, mas também as maneiras em que vislumbramos a aplicação do saber tradicional, ou seja, os modos com que vemos a necessidade do saber tradicional para o desenvolvimento.

Nós precisamos pensar como a relação entre saber tradicional e desenvolvimento leva seus defensores a uma série de práticas que tende a convertê-lo em um instrumento do progresso científico. (...) No exato momento em que prova-se a utilidade do saber tradicional para o desenvolvimento através da aplicação científica, ironicamente, ele tem as suas características tidas como tradicionais suprimidas.

Isso é relevante também porque a própria Etnobiologia e Etnoecologia que contribuíram muito no passado recente para a compreensão dessa zona de contato, vêm sofrendo com acusações de biopirataria e com os seus conflitos resultantes. (MOONEY, 1993; BRUSH, 2001).

É nesse sentido que Agrawal (1999) reconhece que não existe um caminho simples ou um critério universal que permita separar o saber tradicional do conhecimento científico, mas um esboço de uma distinção, apresentado de modo preliminar, que poderia apontar alguns dos riscos que acompanham os esforços de se trazer à luz o saber e não as pessoas ou o seu contexto social e político.

Isso seria importante “se o saber tradicional e nossas pesquisas servissem para os interesses dos pobres e marginalizados e trouxessem à luz as instituições e práticas mantidas por diferentes formas de conhecimento”. (AGRAWAL,1999, p.178).

A crítica que o autor busca desenvolver parte da denúncia da lógica instrumental que modifica os esforços de conservação em nome do saber tradicional, tal como a idéia de conservação ex situ, em que apenas aquelas formas de saber potencialmente relevantes para o desenvolvimento seriam objeto de atenção e proteção. Já outros saberes, precisamente porque são irrelevantes para o desenvolvimento, poderiam ser perdidos. (AGRAWAL, 1999).

Essa crítica também busca responder a dois outros argumentos. Em primeiro lugar, aos argumentos de que uma vez que o valor do saber tradicional mostrasse-se óbvio, ele automaticamente geraria a atração de recursos e poder para

as populações tradicionais e povos indígenas. Em segundo lugar, a idéia de que o saber tradicional “útil” e aplicável em termos científicos e de mercado poderia ser separado das outras demais formas de saber e de viver, com as quais o saber tradicional coexiste.

Essa identificação e separação levariam a uma “particularização” do saber tradicional, o que implicaria no teste e validação desse saber com critérios cientificamente apropriados. Uma vez tendo abstraído e particularizado precisar-se- ia catalogar, arquivar e difundir esse saber. Para Agrawal (1999, p.179), este processo pode ser chamado de “generalização”.

Apenas quando um elemento particular do saber tradicional é passível de ser generalizado é que ele poderia ser realmente útil para a geração de estratégias de desenvolvimento. Se ele for aplicável apenas para um indivíduo e contexto particulares, o saber prescindiria de estudos científicos.

Juntos, os três processos de: particularização, validação e generalização, seriam as etapas que descreveriam a “cientifização”. O processo no qual a aplicação desses critérios e práticas junto ao saber tradicional seguiria uma relação particular de poder, utilidade e verdade, resultando em um quadro no qual apenas o saber tradicional, tido como útil, torna-se passível de proteção.

De acordo com Crewe e Harrison (1998), o saber tradicional que não pode ser prontamente abstraído e empregado, tem sido visto até como uma “barreira cultural” a ser vencida pelas agências de desenvolvimento. Nesse quadro, as “barreiras culturais” seriam verdadeiras antíteses da racionalidade moderna e, freqüentemente, se constituiriam a explicação de algumas das supostas falhas na aplicação de projetos de desenvolvimento.

Mesmo ao considerar-se o saber tradicional tido como cientificamente relevante, não haveria razões ou evidências de que o processo de “cientifização” promoveria aqueles que têm o seu saber abstraído e arquivado.

A lógica instrumental que converte o saber tradicional em científico pode criar uma percepção de que compensa proteger o saber tradicional. No entanto, para Agrawal (1999), tal percepção teria implicações negligenciáveis para a modificação das relações de poder que prevalecem entre os grupos sociais envolvidos. Nesse sentido, pode-se afirmar que os esforços para “cientificizar” o saber tradicional são duplamente inadequados: em primeiro lugar, por criar os meios e as condições que

possibilitam a apropriação de saber tradicional por parte de grupos mais poderosos, além de não direcionar recursos para consecução de processos políticos mais vitais, tal como a de modificar as atuais relações de poder entre os envolvidos.

Esse argumento aponta para o fato de que se partindo da declaração da importância do saber tradicional para o desenvolvimento há uma grande dificuldade de se escapar de uma lógica particular da ciência e do desenvolvimento.

Sem uma atenção explícita e contínua sobre a maneira como o poder estrutura as formas de conhecimento, permanecerá impossível alcançar o objetivo de se trabalhar em prol dos interesses de povos indígenas e outras populações marginalizadas. (AGRAWAL, 1999, p.180).

O que está implícito nessa afirmação é que as pressões da modernização e da homogeneização cultural precipitariam a substituição do saber tradicional por outros trazidos de fora, entre os quais o conhecimento científico.

Nesse sentido, o desequilíbrio de poder entre as populações tradicionais e outras partes interessadas, seja na preservação ambiental ou na extração de recursos, é a maior ameaça não apenas para a integração desses modos de se conhecer, mas, principalmente, para a manutenção e desenvolvimento continuado dos sistemas de conhecimento das populações tradicionais para uma compreensão mais aprofundada de sua natureza e apreciação de seu valor. (MAFFI, 2004).

Em resumo, Maffi (2004) ressalta que o foco de Agrawal (1999) trata da distinção entre o saber tradicional e conhecimento científico nos seguintes níveis: o substantivo, que trata das diferenças das características intrínsecas aos dois modos de se conhecer, o epistemológico e metodológico, uma vez que os dois meios empregariam formas distintas de se investigar a realidade; o contextual, uma vez que a geração do saber tradicional estaria mais profundamente enraizada em seu meio ambiente.

Para Maffi (2004), o aspecto substantivo estaria relacionado ao fato de Agrawal (1999) contestar a idéia de que o saber tradicional está ligado apenas às necessidades imediatas das populações tradicionais, enquanto que o conhecimento científico estaria focado apenas na construção de explicações gerais. Já no plano epistemológico e metodológico, ele rejeitaria uma diferenciação de que a ciência é aberta, sistemática, objetiva, analítica e avança sistematicamente sobre conclusões anteriores, enquanto que o saber tradicional seria fechado, não sistematizado, e

holístico, sem um marco conceitual geral e que avança apenas na base de experiências e não também através de uma lógica dedutiva.

Ainda de acordo com Maffi (2004), em nível contextual, o autor também contestaria o fato de que apenas o saber tradicional estaria imbricado em um contexto social específico.

Acredita-se que este argumento de Agrawal (1999) continua válido e atual, uma vez que o uso e aplicação do conceito saber tradicional tem tido ampla difusão entre agências de desenvolvimento internacionais e ONGs. Adoção esta que tem tido efeitos espúrios tanto para o debate do saber tradicional na academia quanto pela aplicação de uma conceituação vaga e irrestrita de saber tradicional pelas agências de desenvolvimento. (ELLEN e HARRIS, 2000).

A necessidade de um maior aprofundamento no estudo da interface entre os sistemas de conhecimento etnobiológicos e o desenvolvimento também se identifica com a linha de trabalho proposta por Posey (1999; 2000; 2001), para quem haveria um elo inextrincável entre natureza e cultura que precisaria ser melhor estudado, para que países ricos em biodiversidade possam buscar um modelo de desenvolvimento que supere a armadilha da cientifização do saber tradicional.

Tendo isso em vista, conclui-se declarando que a documentação do saber tradicional deveria ser usada como elemento de uma estratégia mais ampla, que possa incluir pressão política, o direcionamento de recursos para processos mais independentes de tomada de decisão, mobilização e organização dos povos indígenas e populações tradicionais, além do próprio questionamento da ciência. (AGRAWAL, 1999).

Com o breve recorte tratado acima, buscou-se ressaltar a importância de uma abordagem mais crítica e aprofundada para o exame da interface entre o saber tradicional e o conhecimento científico, tendo em vista as suas implicações para o desenvolvimento.

Procurou-se evitar tratar essa dicotomia a partir de uma oposição absoluta do saber tradicional frente à modernidade uma vez que o próprio conhecimento científico partiu do saber tradicional e continua absorvendo suas influências em um processo contínuo, permeável e de mão dupla, em que as diferenças surgem mais como uma questão de grau do que de qualidade.

O que se buscou debater não foi uma análise histórica do conhecimento científico ou mesmo de sistemas de saber tradicional como um todo. Também se

evitou debater as interações e influências recíprocas sobre a natureza intrincada da relação entre conhecimento científico e saber tradicional. Debate esse tratado exaustivamente por autores como Lévi-Strauss (1963) e Bronowski (1981) cuja repercussão foi amplamente acompanhada entre acadêmicos.

Entretanto, acredita-se que a análise da dicotomia saber tradicional e conhecimento científico seja analiticamente útil ao delineamento de uma análise crítica da gestão do saber tradicional. É nesse sentido que se pretende tratar ainda