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O SABER TRADICIONAL CICLOS E INTERESSES NA SUA COMPREENSÃO E APROPRIAÇÃO

3 A ZONA DE CONTATO CONHECIMENTO CIENTÍFICO X SABER TRADICIONAL

3.5 O SABER TRADICIONAL CICLOS E INTERESSES NA SUA COMPREENSÃO E APROPRIAÇÃO

Após a exposição do contexto histórico da coleta de germoplasma e saber tradicional, da apresentação do debate acerca das suas definições e a idéia de uma corrida pela sua apropriação indébita, buscar-se-á neste tópico tratar de alguns desdobramentos recentes no campo das definições do saber tradicional, em que movimentos sociais e agências de desenvolvimento passam a se apropriar, adaptar e empregar esse conceito de acordo com seus objetivos. Procurar-se-á aqui apresentar a resposta dos cientistas e pesquisadores frente a tais apropriações. Finalmente, apresentar-se-á uma tipologia destas definições de saber tradicional.

à algumas agências de desenvolvimento, o conceito de saber tradicional, em suas múltiplas faces, atingiu ambos pólos políticos: saber tradicional redescoberto, reinventado, deslocado, roubado, politizado, espiritualizado, exoticizado, mistificado, vitimizado, comercializado, desvalorizado, nacionalizado, localizado etnicizado, desaparecido, perdido e até assassinado. Pobre saber tradicional! Com toda sorte de abordagens, idealizações e mistificações conheceu altos e baixos, céu e inferno, amor e ódio em uma onda avassaladora de definições e usos.

Nesse quadro de modismo intelectual, existe muito “surfe antropológico” na maré alta do saber tradicional. Não há dúvida de que a apropriação conceitual entre disciplinas acadêmicas é uma prática potencialmente fértil. Infelizmente, não tem sido esse o caso, principalmente no contexto em que esse conceito foi apropriado por agências de desenvolvimento e movimentos sociais.

Isso acabou por reproduzir uma série de preconceitos e até confusões às quais antropólogos e outros cientistas sociais já trabalharam para sanar. Mais do que isso algumas dessas reinterpretações enganosas do saber tradicional têm sido vistas até com uma vantagem para seus defensores. Como é o caso da reedição do mito do bom selvagem em seu suposto aspecto de conservacionista nato , que foi tratado neste capítulo e será retomado no capítulo 5, ao se tratar da análise do discurso das lideranças das populações tradicionais.

Esse fato acabou por desencadear uma série de reações na academia. Seria a morte do saber tradicional? Ou apenas uma desaceleração na corrida pela sua apropriação face às crescentes denúncias de biopirataria?

De acordo com Dove (2000), o conceito de saber tradicional foi criado quando era inaceitável para o conhecimento científico admitir que as populações tradicionais aplicavam meios racionais para sua tomada de decisões.

Assim como Karl Marx negando o marxismo, parece que em geral, antropólogos estão surpresos e descontentes tanto com o uso e abuso da definição de saber tradicional, quanto esse amplo espectro de sua aplicação por não- antropólogos.

Dove (2000) compara o atual uso do conceito de saber tradicional com a idéia de prática “segregatória” de Foucault. Tal prática referir-se-ia aos diferentes modos pelos quais as sociedades compreendem o outro e também se autoprivilegiam. Nesse quadro, o conceito de saber tradicional seria uma forma de autoprivilégio, “não apenas porque enfatizaria as coisas positivas que burocracias

extralocais poderiam fazer, mas também porque diverge a atenção das coisas negativas que as comunidades possam estar fazendo”. (DOVE, 2000, p. 218).

Comentando acerca do que ele chama o “ciclo de vida do saber tradicional”, o mesmo autor remarca que haveria um lapso temporal na academia separando pesquisadores do “Sul” e do “Norte”, no qual “enquanto um conceito pode ser abandonado por acadêmicos do Norte, ele passaria a ser apropriado como uma ferramenta útil pelos intelectuais do Sul”. (DOVE, 2000, p. 215).

Nesse sentido, haveria supostamente uma ironia, pois:

[...] ao mesmo tempo em que os intelectuais do Norte concluem que conceitos como saber tradicional tiram o poder das populações tradicionais, ele passa a ser empregado pelos intelectuais do Sul como ferramenta de empoderamento ou de ação pelos interesses dos povos indígenas e populações tradicionais. (DOVE, 2000, p.218).

Tal ironia deveria direcionar uma atenção crítica tanto para as relações Norte-Sul e mais geralmente para a relação da academia com o resto do mundo. (BROSIUS, 2000).

Ainda para Dove (2000, p.220)

Somente com o aprofundamento da compreensão dessa divisão acadêmica entre Norte e Sul é que seria possível superar os debates circulares que caracterizam muito da atividade acadêmica hoje e que nos têm trazido pouco mais do que uma destruição recíproca.

Em um nível menos abstrato, outros autores reagiram afirmando que os movimentos sociais estão tentando “politizar” o saber tradicional, alegando que as lideranças indígenas agem como atravessadores auto-interessados, sem legitimidade e que têm projetado expectativas irrealistas acerca dos acordos de repartição de benefícios oriundos de bioprospecção. (GREENE, 2004).

Para o mesmo autor,

[...] os representantes dos povos indígenas falam cada vez mais sobre suas culturas como objetos para a organização da luta política, em seus esforços de negociar os legados da ocupação colonial, a sua incorporação em projetos nacionais e as pressões da globalização”. (GREENE, 2004, p.212).

Em adição, “os representantes indígenas de todo o mundo falam sobre si mesmos, não apenas como meros representantes de culturas distintas, mas também como proprietários de suas culturas”. (GREENE, 2004, p. 212).

A afirmação de Greene de que o discurso do saber tradicional foi apropriado politicamente pelo movimento indígena parece correta, mas a partir disso analisar que esse movimento busca comunicar suas demandas junto à sociedade de uma maneira clara e direta, e que seus objetivos são distintos daquelas lideranças de 20 anos atrás, não passa de mera constatação.

Na visão de Greene (2004, p. 214):

[...] hoje vivemos em uma época em que atores indígenas contribuem na paralisação de projetos farmacêuticos internacionais, revogam patentes de modo bem sucedido, ganham prêmios Nobel, fazem prevalecer seus direitos em ações legais que tratam de sua propriedade cultural, e reúnem- se rotineiramente para discutir a legislação internacional.

Essa visão acima faz que qualquer um que aceite o fato que tais populações sofreram com a pilhagem histórica e o genocídio imposto pela sociedade envolvente parecer um tipo de idealista romântico.

Sem dúvida, o movimento indígena tem uma natureza reativa e acentuações carismáticas. Pode-se lembrar inclusive que, em termos weberianos, todo discurso carismático é carismático apenas porque traz uma grande parcela de verdade em palavras simples. (MacRAE, 1988; WEBER, 1989).

No entanto, não se pode afirmar que existe uma superioridade moral, culturalmente determinada implícita ao discurso dos detentores do saber tradicional, o que se pode afirmar é que todos, incluindo-se os povos indígenas e populações tradicionais possuem direitos, e que estes devem ser respeitados.

Assumir essa perspectiva não implica em negar a agência indígena, tomá-los como apáticos, passivos ou até mesmo vítimas, mas sim tentar desvelar um aspecto reacionário do discurso científico atual sobre o saber tradicional.

Na caixa de Pandora do saber tradicional, outros autores avançam fazendo generalizações a partir de exemplos específicos de casos de bioprospecção para afirmar que o saber tradicional não é releva nte ou efetivo na geração de inovações farmacológicas.

Desse modo, o emprego bem-sucedido de plantas como Catharanthus roseus, Dioscorea alata e Pilocarpus jaborandi na bioprospecção seriam um exemplo de que as plantas oriundas de florestas secundárias são mais eficientes na geração de novos fármacos do que as plantas que ocorrem em prístinas florestas “clímax”. Seguindo esse princípio, o saber tradicional relevante não viria de

especialistas, xamãs e pajés indígenas, pois ele está amplamente distribuído em populações rurais com seus remédios caseiros derivados dos “matos” que crescem em seus quintais. (VOEKS, 2004).

Essa visão está correta ao enfocar o fato de que freqüentemente habitat das plantas com metabolismo secundário mais ativo é a floresta secundária, e uma vez que os compostos ativos procurados pelas empresas farmacêuticas são, em sua maioria, substâncias do metabolismo secundário das plantas, a pesquisa etnofarmacológica deveria focá-las também. (PRANCE, e outros, 1995).

Em termos práticos, o único problema desta abordagem é que as exceções a esta regra não são tão raras como se supõem, afinal, todas as plantas têm metabolismo secundário, além do fato de que a bioprospecção não procura novos compostos apenas em plantas, mas também em animais e microorganismos.

Parece que a principal importância dessas abordagens é a sua tentativa de contraposição ao “hype” da corrida pelo saber tradicional, mas torna preocupante o fato de que ela pode sugerir conclusões precipitadas sobre o escopo de aplicação e valor do conhecimento tradicional.

Além disso, pode-se criticar o fato de que ela também traz uma visão enviesada e até falaciosa de que todas as populações tradicionais e povos indígenas agiriam sob uma lógica de obtenção de benefícios monetários de curto prazo.

Muitas vezes as idealizações levam a erros, e até exageros e, sem dúvida, esse quadro cíclico do interesse saber tradicional também refletiu em como tais populações são conceptualizadas e idealizadas. Talvez isso explique as muitas mudanças na percepção desses povos, considerados “preguiçosos e atrasados” no passado, dando lugar à idéia subseqüente de “guardiães da biodiversidade”, para hoje serem vistos como “atravessadores de saber tradicional”.

“O conhecimento é a mercadoria de giro do antropólogo” (FISCHER, 1994, p.6), e, sem dúvida, aplicar técnicas pós-modernas de desconstrução a um dos conceitos mais fundamentais da disciplina é uma tarefa arriscada. Talvez o argumento mais plausível hoje seja de que, na discussão do saber tradicional, o pênd ulo tenha balançado em direções opostas muito rápido e muito longe, perdendo o equilíbrio.

Cabe lembrar que o acesso e uso do saber tradicional junto a essas populações não são totalmente abertos a estranhos, mas geralmente governado por

uma larga variedade de costumes e regras locais não documentadas, comumente aceitas e aplicadas, mas que são largamente ignoradas pela ciência.

Obviamente, não é tarefa dos antropólogos amenizar as misérias de seu objeto da pesquisa, entretanto não se pode aceitar que a prática antropológica e a concomitante “aplicação” do saber tradicional sejam realizados sob um distanciamento e uma pretensa neutralidade que quase abstraia-a do mundo real, separando o objeto do sujeito de pesquisa. Até porque no quadro crescente de mercantilização desse saber, esta pretensa neutralidade criaria uma oclusão sobre as formas atuais de produção, valorização e consumo do saber tradicional.

Atualmente, esse quadro associado às acusações de biopirataria tem criado um clima de grande desconfiança entre pesquisadores e populações tradicionais, e também entre as próprias populações tradicionais. Enquanto alguns se apressam em proclamar o fim da Etnobotânica (THE ECONOMIST, 1999, apud MAFFI, 2004, p.21), outros já analisam essa nova encruzilhada em que se inserem as atividades dos pesquisadores (POSEY, 1996, 2000; FORD, 2001; ALEXÍADES, 2004), de maneira a sugerir uma nova atitude frente essa realidade.

Para Parry (2004), esse reconhecimento é a necessária mudança de atitude dos pesquisadores frente à biopirataria, mas que ainda parece um sonho distante.

Possivelmente, isto deve-se porque a maioria dos cientistas que trabalham em agências intermediárias tais como jardins botânicos e museus de história natural preferem ver seu papel mais como um investigador científico do um subcontratado da indústria. (PARRY, 2004, p. 124).

Nesse contexto, o papel dos profissionais da Etnobotânica, e principalmente da Etnofarmacologia, entre outras áreas do saber, não seria apenas de documentar usos medicinais específicos das amostras biológicas estudadas, mas também de “persuadir ativamente as populações nativas de que elas se irão beneficiar ativamente dos programas de bioprospecção”. (PARRY, 2004, p.134).

Essa atitude teria prevalecido em diversos dos projetos de bioprospecção conduzidos nos anos 1980 e ainda durante o início dos anos 1990, incluindo-se os realizados pela empresa Shaman's Pharmaceuticals no Peru e Equador, o programa do Jardim Botânico de Nova Iorque em Belize e alguns dos projetos conduzidos pelo International Cooperative Biodiversity Groups (ICBG). (ROSENTHAL, 2007 e

PARRY, 2004). O impacto desses programas de bioprospecção em populações específicas foi variado e complexo, como Hayden (2006) e outras etnografias mais detalhadas podem revelar.

Talvez o escopo e intensidade dessa fase da corrida pelo saber tradicional não tenha tido precedentes na história do desenvolvimento de fármacos, com o número cada vez maior de participantes envolvidos nesses programas e também o número e o tamanho das coleções existentes. (PARRY 2004). Sem dúvida esse foi o ápice da corrida pelo saber tradicional.

Nessa zona de contato entre o conhecimento científico e o saber tradicional, é inegável que as Etnociências e a própria Antropologia carregam e carregarão alguma esperança para a melhoria das condições de vida das suas populações estudadas.

Isso se deve tanto a sua própria metodologia que se caracteriza em grande parte, por práticas participativas, que dão voz à perspectiva das comunidades, quanto a partir da sua distinção êmica-ética, na qual o pesquisador é entendido como um ator sempre capaz de aprender.

Para Sardar, “apenas quando aceitar-se a especificidade que o conhecimento científico tem em nossa cultura, poder-se-á dar mais dignidade às outras formas de se conhecer”. (2006, p.28).

Talvez por isso acredita-se na validade e importância de se discutir distinção entre conhecimento científico e saber tradicional. Seu debate historicizado aqui não buscou aprofundar essa separação, mas sim evitar que a história se repita e se cometam os mesmos erros que já aconteceram no passado, desvelar e entender os limites da própria visão cartesiana da ciência e vislumbrar um horizonte para além dos campos disciplinares.

Essa zona de contato renova o desafio de conceber conceitos e instrumentos que possibilitem um diálogo que considere tanto as especificidades quanto as distintas racionalidade inerentes aos modos de se conhecer. Afinal, excluindo-se um horizonte em que haveria uma moratória nas pesquisas, os cientistas sociais precisam reavaliar se a sua relação com o saber tradicional e seus detentores leva em conta as novas e inextrincáveis implicações éticas, políticas e econômicas de seu trabalho junto às populações tradicionais.

A necessidade de um maior aprofundamento no estudo da interface entre os sistemas de conhecimento também se alinham com o método de trabalho

proposto por Posey (1999; 2000; 2001), para quem haveria um elo inextrincável entre natureza e cultura que precisaria ser estudado melhor, para que países ricos em biodiversidade possam buscar um modelo de desenvolvimento que supere a armadilha da cientifização do saber tradicional.

Ao lidar com esse dilema, Posey (1999) sugere que esta interação incluiria as seguintes tarefas:

− Conscientizar planejadores e agências de desenvolvimento sobre as implicações do desenvolvimento junto às populações tradicionais através da produção científica;

− Facilitar diálogos entre as populações tradicionais e povos indígenas com mecanismos de solução de conflitos;

− Ajudar a construir uma base moral legal para detentores de saber tradicional ameaçados;

− Facilitar a transmissão do saber tradicional entre gerações e populações que perderam seu território;

− Promover o saber tradicional concedendo bolsas de pesquisa para pesquisadores nativos.

Em adição, Colfer (e outros, 2005, p. 320) comentam que “juntos, o saber tradicional e o conhecimento científico formam, potencialmente, a combinação mais poderosa para o bem estar humano e qualidade do meio ambiente”. No entanto, tal integração demandaria o reconhecimento do saber tradicional como parte dos direitos das populações tradicionais e povos indígenas sobre seu território e recursos, suas regras costumeiras de uso, bem como o estabelecimento de registros de saber tradicional e fundos, para repartição de benefícios.

De acordo com Colfer (e outros, 2005), essas práticas iriam melhorar os resultados dos esforços de desenvolvimento e conservação, fortalecer e proteger os estilos de vida tradicionais e aumentar a auto-estima e o prestígio das populações tradicionais.

Isso posto, após a discussão neste capítulo da questão do contexto histórico e da aceleração da corrida pelo conhecimento tradicional, como pano de fundo para a caracterização da diversidade cultural e biológica e seu elo inextrincável para os estilos de vida das populações tradicionais, e as definições de conhecimento tradicional, biopirataria e bioprospecção. Partir-se-á, no próximo

tópico, para uma breve apresentação de alguns elementos úteis para entender como esse conjunto atual de mudanças tecnológicas, sociais e econômicas refletiu e influenciou a configuração do atual quadro regulatório, com seus novos incentivos e novas proteções para o acesso e aplicação do saber tradicional.

Afinal, como as mudanças econômicas tecnológicas e regulatórias se combinaram para criar um constructo que possibilita e favorece a transformação de materiais biológicos e saber tradicional em mercadoria? Tal foco será tratado no próximo capítulo.

4 A ZONA DE CONTATO: PROPRIEDADE INTELECTUAL x NORMAS E PRÁTICAS COSTUMAZES DE PROTEÇÃO E USO DO SABER TRADICIONAL

No capítulo anterior, procuraram-se apresentar e discutir o argumento de que os modos dominantes de se conhecer difundidos em nossa sociedade podem ser vistos, claramente, como uma técnica usada no sentido de criar privilégios e normalizar relações sociais e produtivas dominantes que envolvem o saber tradicional.

Acredita-se que esta direção assumida pelo conhecimento científico não seja um dado, mas sim um reflexo de uma visão dominantemente eurocêntrica que emergiu e se fortaleceu desde o renascimento e, desde então, vem sendo reinterpretada e reafirmada por gerações subseqüentes.

Nesse contexto, os não-europeus teriam sido “descobertos”, tendo então seus conhecimentos e recursos tomados como objeto de estudo de uma ciência que negava a sua história e considerava-os incapazes e irracionais. Para Seini (2003:140), “os colonizadores agiam com o intuito de neutralizar, desacreditar e deslegitimar fontes alternativas de poder que eram consideradas uma ameaça ao poder colonial. Principalmente, o conhecimento de 'autoridades' tais como os xamãs”.

Esse quadro teria permitido à ciência configurar-se como uma ferramenta das sociedades dominantes para operar a colonização. Uma vez entendida, construída e privilegiada como a única forma válida de se conhecer, ela teria contribuído para a deslegitimação do saber tradicional em nossa sociedade.

Mas, no contexto da biopirataria, o poder de se legitimar e normalizar as relações desiguais não se resume apenas aos diferentes modos de se conhecer, mas também aos diferentes modos de se apropriar dos benefícios gerados a partir da aplicação e uso desses conhecimentos.

Neste capítulo, se discutirão como se relacionam os diferentes modos de se apropriar, como técnica de poder, no debate da biopirataria e bioprospecção. Argumentar-se-á que este poder é exercido a partir de um quadro legal que privilegia as técnicas dominantes e individualistas de propriedade intelectual, em detrimento

às práticas de apropriação e controle culturalmente determinadas das populações tradicionais e povos indígenas.

Procurar-se-á mostrar aqui como os mecanismos de propriedade intelectual têm sido normalizados como os únicos instrumentos válidos para assegurar a apropriação do saber tradicional, e como tem sido a implementação da legislação sui generis brasileira. E como isso tem afetado as práticas e aspirações das populações tradicionais.

Para realizar isso, buscar-se-á também contextualizar a emergência e institucionalização de acordos e instituições internacionais que afetam o tema mais diretamente, tais como o TRIPs: (- Agreement on - Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights); OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual); e a CDB (Convenção da Diversidade Biológica).