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3 A ZONA DE CONTATO CONHECIMENTO CIENTÍFICO X SABER TRADICIONAL

3.3 A CORRIDA PELO SABER TRADICIONAL

A idéia escolhida para ilustrar a dinâmica do conhecimento das populações tradicionais é a de que se vive hoje uma “corrida pelo conhecimento tradicional” (REZENDE, 2002). Uma corrida, tanto nos termos da urgência de sua apropriação, pelas empresas multinacionais empenhadas em transformá-lo em inovações tecnológicas lucrativas, quanto nos termos de sua preservação e uso, já que existe uma tendência ao desaparecimento, uma vez que seus detentores freqüentemente não possuem uma tradição escrita de repasse desse conhecimento e muitas populações vêm sofrendo ameaças à manutenção de seus estilos de vida tradicionais.

Esse fato é confirmado, principalmente, pelas denúncias de biopirataria de plantas medicinais brasileiras, por Coelho (1997). Afinal, no atual contexto em que a competitividade capitalista é fortemente baseada na capacidade de inovação associada à garantia da sua apropriabilidade completa - mesmo que limitada no tempo -, as patentes são um instrumento chave para as indústrias que utilizam o conhecimento tradicional para a criação de inovações.

Nesta seção, apresentar-se-á a idéia de uma corrida pelo conhecimento tradicional a partir de uma breve contextualização histórica da coleta e trânsito de material genético internacional. Em seguida, descrever-se-á o quadro da rica diversidade biológica brasileira. Adicionalmente, discutir-se-ão os modos pelos quais a procura pelo saber tradicional tem ocorrido para, em seguida, debater quais os tipos de saber tradicional têm sido mais visados atualmente para o desenvolvimento de novos produtos.

Após essa análise histórica, apresentar-se-ão dois momentos mais recentes nessa corrida, em que ocorreram acelerações e desacelerações na busca do saber tradicional, o que pode ser configurado, para os fins desse estudo, como ciclos dessa mesma corrida.

Em termos históricos, há ainda hoje, quem se surpreenda ao descobrir que a cana -de-açúcar, os coqueiros, mangueiras, jaqueiras, cacaueiros, entre outras, não são espécies que tenham no Brasil seu centro de origem. Sem dúvida que, em termos históricos, o trânsito genômico entre os continentes não é novidade, e desde o advento das grandes navegações, esses intercâmbios têm ocorrido

continuadamente. No entanto, importa remarcar aqui que o conhecimento das técnicas de propagação, plantio e manejo dessas espécies exóticas, na maioria das vezes, também veio do exterior. Ou seja, grande parte do trabalho de adaptação e difusão das práticas agrícolas, necessárias ao cultivo dessas espécies foi difundido, seja por jesuítas ou por outros estrangeiros sabedores dos segredos dessas plantas exóticas. (RIBEIRO, 2004, p.91).

Aliado a esse contraponto acerca do fluxo do conhecimento, cabe relembrar também que em outros momentos históricos, o trânsito de conhecimentos teve feições desleais, como por exemplo, o seqüestro de artesãos entre guildas rivais na Idade Média e o “treinamento” simulado por técnicos alemães, nas oficinas britânicas, com o intuito de espionar determinado ramo da indústria, no final do século XIX. (LANDES, 1988, p.338).

Ao se constatar que o fluxo genômico entre os países se deu de maneira indiscriminada no passado, aliado ao fato de que também o Brasil pôde beneficiar-se de um fluxo positivo de conhecimento sobre as plantas que aqui foram trazidas pelos europeus, não se incorre no erro de menosprezar o conhecimento das populações nativas, mas sim de qualificar as diferentes perspectivas que esse fluxo de conhecimento vem assumindo ao longo do tempo.

De acordo com Musgrave e outros (2000), o primeiro registro de coleta de plantas existente data de 1495 a.C. em que a rainha egípcia Hatshepsut teria organizado uma expedição para coletar árvores da espécie Commiphora myrrha (T. Nees) para a fabricação de incenso.

No passado, a coleção de materiais naturais raros, como uma tarefa de “aquisição de exotismos” era relativamente comum. Durante o fim do período medieval, príncipes e outros membros da nobreza possuíam objetos naturais raros e exóticos nas suas coleções particulares. Em 1514, o rei português Manuel I presenteou o papa Leão X com um elefante branco. Esse fato teria gerado tanta curiosidade entre os romanos que acabou por ocasionar desabamentos em algumas construções da cidade, uma vez que as pessoas disputavam um espaço em seus tetos para observar o animal. (PARRY, 2004).

Esta fascinação com espécies de animais e plantas raras e exóticas continuou por séculos.

Ao longo do renascentista a coleção de plantas e animais foi formalizada por aristocratas, nobres e acadêmicos. Posteriormente ela passou a ser encampada por botânicos e zoólogos e já no século XVIII existiam vários coletores ultramarinos (tanto profissionais quanto autônomos) que buscavam espécies de plantas alimentícias, medicinais e outras de valor econômico com o intuito de trazê-las para “casa” a serviço do império. (PARRY, 2004, p.12).

Nesse sentido, a “coleta” seria uma forma de apropriação de objetos ou espécimes tidos como exóticos e escolhidos segundo algum critério definido. Neste contexto, a criação de coleções tem sido usualmente vista tanto com uma prática benigna, com fins estéticos ou ainda uma atividade reservada a cientistas abnegados, mas, raramente uma atividade com implicações políticas.

Segundo Parry (2004, p.14), a prática da coleta, pode ser vista, “como um processo que pode permitir que indivíduos ou grupos alienem materiais específicos para seu uso exclusivo” entretanto, pouca atenção tem sido dada na busca de uma compreensão das implicações éticas, econômicas e políticas das atuais práticas de coleta.

Para iniciar a avaliação de tais implicações, Parry (2004) enfatiza a necessidade de desenvolver uma compreensão sobre porque os programas de coleta foram instituídos, como e porque as coleções são valorizadas e quais as relações de poder são implícitas à prática da coleta. Para realizar isso, faz-se necessário examinar tanto a dinâmica social quanto a dinâmica espacial dessa prática.

No plano social, destacar-se-ia a habilidade de grupos particulares em acessar, adquirir, concentrar e monopolizar materiais, o que envolveria questões de poder, privilégio, oportunidade etc. Já a dinâmica espacial, que seria menos óbvia, buscaria perceber como lugares específicos como museus e jardins botânicos atuaram em relação às coletas. Esta dinâmica espacial envolveria três fases: a aquisição através de processos de mobilização e descontextualização, na maneira pela qual os materiais são concentrados e controlados em lugares específicos, e a sua posterior recirculação e regulação do fluxo de materiais coletados.

Em sentido mais estrito, para os fins desse trabalho, pode-se argumentar que o conceito que expressa essa dinâmica espacial da coleta é o de exotização, pois, uma vez que a coleta pode ser entendida como a transferência de material de um lugar para outro e sua subseqüente inclusão em uma coleção de objetos relacionados, haveria, nesse processo, uma descontextualização que por si só

serviria para exotizar os objetos em questão e conferir um novo valor.

Ou seja, a exotização servir-se-ia tanto de uma descontextualização, quando de uma subseqüente recontextualização na qual o recurso ou saber ganharia, além de seus usos conhecidos, um lugar junto aos demais objetos colecionados, além de novas funções, seja como mercadoria ou ainda como objeto de contemplação estética.

No sentido da contemplação estética, é interessante observar que ainda hoje, imagens e discursos exotizantes sobre aspectos naturais, sociais da Amazônia e suas curiosidades continuam a atrair a atenção de alguns leitores. (PLOTKIN, 2000; GOULDING e outros,1996; SHOUMATOFF, 1979) De certa maneira, essa literatura do estranhamento, do exótico reproduz alguns preconceitos sobre esse suposto “inferno verde” e seus “segredos curadores”, reavivando algumas mistificações sobre os povos indígenas, e seu meio ambiente há muito superadas pela Antropologia, Geografia e Ciências Naturais.

Para Parry (2004, p.17), esse processo teria um fundamento mais epistêmico do que geográfico, assim tais recursos e saberes não seriam revalorados apenas pela sua relocação, de um lugar para outro, mas sim pela sua inclusão em uma coleção formal de objetos relacionados, o que permitiria que esses itens ganhassem interesse e valor.

Isso mostra que mesmo que o interesse inicial desses museus de ciências naturais, jardins botânicos e zoológicos tenha sido reflexo de uma nova curiosidade acerca de plantas e animais exóticos e do espetáculo que estes propiciavam, estes locais permitiram uma concentração e organização destes recursos que permitiram a categorização e a comparação direta entre espécimes particulares tornando a sua descrição possível, bem como a tornou possível obter uma visão geral desses espécimes coletados.

Com a concentração de material em um só lugar, tornou-se possível para zoólogos e botânicos, pela primeira vez, adquirir uma dominância epistêmica e visual das plantas e animais da Terra, sem precisar mover mais do que algumas jardas de cada vez. (PARRY, p. 30).

De acordo com Latour (apud PARRY, 2004, p.30),

[...] essa antevisão de objetos reunidos permitiu uma familiaridade com eventos, lugares e materiais que podiam ser obtidos nas expedições de coleta, o que facilitou o trabalho de futuros emissários, que passaram a ser

capazes de refinar suas buscas.

Nesse contexto, cada vez mais se ressaltava a importância de se estabilizar e mobilizar esses conhecimentos e recursos para evitar quaisquer corrupções, distorções e desarranjos na qualidade original.

Entretanto, a mera posse desse conhecimento não levava a uma melhoria de vida ou no incremento do poder de seus novos detentores, mas sim quando, a partir dessas coleções, possibilitaram-se a exploração e desenvolvimento de novos materiais e produtos, tomando a forma de novas variedades cultivadas, adequadas para climas particulares, informação sobre a localização de plantas de potencial econômico etc.

É nesse sentido que se destaca o papel das coleções e seu poder de recircular estes materiais ou informações, possibilitando o seu reemprego vantajoso através de usos estratégicos, trocas ou o comércio. Portanto, a racionalidade subjacente das expedições de exploração e descoberta durante, os séculos XVII e XVIII, era principalmente consolidar a expansão econômica e imperial. As coleções de materiais e conhecimentos sobre o mundo natural não escapava a esta perspectiva utilitarista, afinal, se ocasionalmente elas eram realizadas com propósitos exclusivamente científicos, muitas vezes, eram orientadas tendo em vista a sua possível aplicação na indústria e agricultura. (PARRY, 2004).

Ao analisar a chamada prática de “caça às plantas” Musgrave (e outros, 2000) ressaltam a importância do desenvolvimento das técnicas agronômicas e sistemáticas na adaptação e melhoramento de plantas exóticas pelos jardins botânicos ingleses. Em seu trabalho, os autores apresentam um breve relato do trabalho dos coletores bem sucedidos no passado, e que vieram posteriormente, a ocupar posições de chefia no jardim botânico de Kew (situado no subúrbio de Londres - Inglaterra).

O tom ufanista dos supostos feitos heróicos dos “caçadores de plantas” de sua tarefa contrasta com a admissão embaraçosa de que, muitas vezes, as coletas eram realizadas mesmo em desobediência às regras locais e tratados internacionais vigentes à época.

Nesse contexto também é notável que atualmente tais histórias continuam sendo rememoradas, com o mesmo tom celebratório. Um exemplo recente disso é o trabalho de Ross (2005) que traz uma coletânea de biografias de “caçadores de

plantas”, dedicada ao público juvenil, que busca glorificar esse passado em que aventureiros buscavam por plantas comercialmente valoráveis, mesmo ultrapassando limites éticos e legais.

Para Brockway (2002), não resta dúvida de que os jardins botânicos e as coleções tiveram grande importância na geração, disseminação de conhecimento científico que facilitaram a transferência de energia, trabalho humano e capital em uma escala mundial E mais do que isso, “o Jardim Botânico de Kew teve um papel- chave no desenvolvimento de diversas agroindústrias lucrativas e de importância estratégica nas colônias tropicais” (BROCKWAY, 2002, p. 6). Naquele contexto inicial do capitalismo industrial, antes da ascensão da indústria química, o conhecimento das plantas era a contraparte da atual interação entre indústria e academia na pesquisa e desenvolvimento. A pesquisa não era totalmente institucionalizada, sendo realizada, principalmente, por amadores e pessoas com algum conhecimento técnico mais avançado. Nesse sentido, os jardins botânicos seriam tão importantes para o desenvolvimento capitalista quanto os atuais laboratórios farmacêuticos.

O papel do Jardim Botânico de Kew seria organizar uma rede de instituições, estações de pesquisa e pessoas a partir de diferentes pontos estratégicos como Jamaica, Fidji e Cingapura, de maneira a transmitir e disseminar junto às colônias, práticas agronômicas, de pós-colheita e processamento que foram cruciais no desenvolvimento bem-sucedido de novas culturas.

Nesse contexto, destaca-se a história da seringueira (Hevea brasiliensis Muell Arg.) que foi de grande importância para o desenvolvimento econômico do império britânico. “Desde então, nenhuma outra planta selvagem teve resultados comerciais tão bons após a sua domesticação”. (BROCKWAY, 2002, p. 165).

Esse processo de domesticação envolveu estações experimentais no Brasil e levou cerca de 20 anos de experimentações no Brasil e na Inglaterra, além de mais 5 anos para as plantas se desenvolverem nas colônias do sudeste asiático até que a borracha oriunda do plantio comercial pudesse atingir o mercado. (BEAN, 1908).

Nesse processo de domesticação, o Jardim Botânico de Kew teria agido como um orquestrador, coordenando, desde o pagamento das sementes, seu plantio em viveiros até a distribuição das mudas para as colônias, tendo sempre o cuidado de manter algum material para futuras propagações e pesquisas. Para Brockway (2002, p. 190), nesta rede

[...] o conhecimento fluiria do centro para a periferia e da periferia até o centro, para então ser redistribuído. Esse saber era arquivado para buscas posteriores na biblioteca e no herbário do Jardim botânico e passou a ser, cada vez mais, transmitido de maneira formalizada através de botânicos treinados, de boletins e revistas científicas publicados naquela instituição.

O interesse britânico pela seringueira como uma planta passível de domesticação data de 1855, quando Thomas Hancock, um fabricante de produtos de borracha inglês, sugeriu junto ao então administrador de Kew, Sir William Hooker que a seringueira deveria ser cultivada tanto nas Índias Ocidentais quanto nas Orientais, oferecendo-lhe inclusive, apoio financeiro a quem se habilitasse a conduzir esse projeto. (BROCKWAY, 2002).

Para Dean (2002), o processo de transferência da seringueira da Amazônia e sua domesticação e adaptação no sudeste asiático teria sido um complexo projeto burocrático que levou mais de 50 anos para ser executado, pois se o despertar de seu interesse ocorreu na década de 1850, foi apenas na década de 1890 que os primeiros lotes de borracha oriunda de plantações no sudeste asiático chegaram ao mercado inglês.

Nesse período, o principal protagonista dessa transferência foi Henry Wickham que, após sucessivos envios mal sucedidos de sementes de seringueira, conseguiu, em 1876, embarcar alguns barris de sementes de seringueira que obtiveram germinação suficiente para iniciar o processo de seleção e melhoramento na Inglaterra.

Interessante notar que mesmo não havendo uma legislação proibindo especificamente o transporte de sementes, naquela época Wickham preferiu mentir na alfândega de Belém, alegando tratar-se de um Barão que transportava “espécimes botânicos de grande delicadeza, especialmente selecionados para a entrega nos jardins reais de Sua Majestade britânica em Kew”. (DEAN, 2002, p.18).

O conhecido resultado dessa empresa foi que, já em 1920, com o cultivo da seringueira e o aprendizado do conhecimento empírico da extração e defumação da borracha, a pequena Malásia já exportava mais borracha para os Estados Unidos do que o Brasil, que também sofreu com a concorrência da seringueira cultivada em países como Sumatra e Java.

O que fica claro neste caso é que o papel histórico do jardim botânico de Kew foi muito maior do que contrabandear sementes. Através do desenvolvimento

científico das plantas transferidas, Kew converteu conhecimento em lucro e poder para o Império e para o sistema industrial mundial do qual a Grã-Bretanha era líder. Kew deu amplo suporte a esta missão e compartilhou com o espírito nacional de uma cruzada imperialista. (BROCKWAY, 2002).

As implicações político-econômicas e sociais da pesquisa científica relacionada à domesticação de plantas conduzida nesses moldes foram avaliadas criticamente por Dean (2002), Parry (2004), Brockway (2002) e Mgbeoji (2006), 2006). Já uma perspectiva mais descritiva da questão, com a abordagem de casos específicos, pode ser encontrada em outros autores como: (BROWNE, 1996; COOK, 1996 e SMITH, 1999).

No entanto, há que se relevar que nesse mesmo contexto histórico de trânsito genômico desregulado, o Brasil beneficiou-se, em termos econômicos mais imediatos, com a introdução do café, pelo “prometeu tupiniquim” Francisco Melo Palheta, que, em 1727, conseguiu obter sementes de cafeeiro para introdução no Brasil. (HOMMA, 1997). Em linha com esse fato, Walter (e outros, 2005, p.123) elencam vários feitos similares de antigos aventureiros e coletores contemporâneos que participaram na construção de alguns dos bancos de germoplasma nacionais. Interlúdios históricos à parte e ressalvas feitas a atual corrida pelo saber tradicional têm implicações importantes tanto para a manutenção dos estilos de vida de comunidades tradicionais, como para as empresas envolvidas no processo de concorrência e inovação tecnológica do setor industrial. Para embasar essa afirmação, faz-se necessário, antes, um breve exame do quadro da diversidade biológica no Brasil.

O Brasil tem uma grande diversidade biológica, inevitável lembrar que o próprio nome - Brasil - vem da floresta. (LIMA e outros,2002). Alguns dados são especialmente relevantes: 10% dos 1,4 milhões de organismos vivos já descritos pela ciência encontram-se no Brasil. No caso específico das angiospermas, o Brasil possui 55 mil espécies o que totaliza 22% desse tipo de planta em todo o planeta. (MITTERMEIER e outros, 1992, p.21).

Esse quadro de altíssima diversidade biológica permite enquadrar o Brasil na categoria dos países “megadiversos”, figurando juntamente com a Costa Rica, Madagascar, entre outros, como um dos países de maior diversidade biológica do planeta.

atuação história dos jardins botânicos e suas coleções, fica claro que a recente aceleração no desenvolvimento de novos produtos através da bioprospecção não é um evento novo.

A própria idéia de bioprospecção, entendida como uma zona de contato entre distintos modos de se apropriar e conhecer o mundo natural existente desde os tempos coloniais, parece confirmar essa impressão.

Entretanto, buscar-se-á aqui desafiar esta noção pois, apesar de parecer que há uma linearidade no modo como os jardins botânicos e outras instituições coloniais operavam a coleta de material biológico e saber tradicional e a atual prática da bioprospecção, -entendida aqui como a busca de inovações tecnológicas a partir do saber tradicional e recursos genéticos- esta seção busca afirmar a idéia da existência de uma profunda modificação no quadro atual. Concepção esta que pode ser referida a partir da idéia uma corrida pelo saber tradicional.

Mas como se pode justificar uma concepção de que se vive hoje uma corrida do saber tradicional? Em que níveis esta idéia ajudaria a entender a atual dinâmica da bioprospecção?

Inicialmente, pode-se intentar esse objetivo ao esclarecer como essa corrida vem se manifestando na prática, no cotidiano das populações tradicionais; em segundo lugar, ao reunir argumentos que permitam atestar que a atual aceleração na dinâmica social e espacial da coleta de germoplasma e conhecimentos associados é fruto de uma nova e contemporânea combinação de fatores econômicos, tecnológicos e regulatórios.

Uma compreensão inicial da atual aceleração na busca pelo saber tradicional pode ser obtida ao se responder às perguntas: Quem visita as populações tradicionais? O que se procura? Por quê? O que acontece com o conhecimento tradicional nas populações tradicionais e na sociedade “capitalista”? Quem se beneficia do conhecimento tradicional?

De maneira geral, as pessoas que visitam as populações tradicionais podem ser desde turistas até extratores, no entanto, nem todas as pessoas que visitam essas comunidades são mal-intencionadas. Por mais óbvio que isso possa parecer, relevar isso também importa para entender que, às vezes, mesmo sem intenções escusas, os visitantes podem ignorar os impactos negativos de suas atividades. (POSEY e DUTFIELD, 1996, p.11).

tradicionais são: pesquisadores, representantes de organizações não- governamentais, representantes de Estado, de empresas, de grupos religiosos, fotógrafos, jornalistas, etc.

Os interesses que dirigem essas visitas são os mais variados, desde lazer, no caso de turistas, uma reportagem interessante, para jornalistas, até a conversão religiosa das pessoas da comunidade, no caso de alguns missionários. Já o interesse voltado para o conhecimento tradicional dessas populações, que pode ser tanto com fins comerciais ou não, geralmente está voltado para o desenvolvimento de pesquisas científicas na área agrícola, botânica, arqueológica,