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2.2 ASPECTOS TÉCNICO-METODOLÓGICOS

2.2.1 Primeiro nível de análise

Em um primeiro nível, o delineamento desse estudo consiste no levantamento de dados acerca da implementação legal e institucional da gestão do saber tradicional no Brasil. Nesse contexto, destaca-se o seu órgão máximo de deliberação e criação de normas para a gestão de recursos genéticos e saber tradicional, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), do Departamento de Patrimônio Genético (DPG), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), este será o alvo central de discussão no primeiro nível de análise.

Para se realizar a pesquisa foram empregadas as seguintes técnicas de levantamento de dados:

− Revisão bibliográfica de livros, teses, dissertações, artigos científicos;

− Análise documental de orientações técnicas, resoluções e deliberações e processos administrativos do DPG, bem como da legislação pertinente;

− Entrevistas estruturadas, semi-estruturadas, não estruturadas e informais;

− Observação não-participante junto ao CGEN e DPG.

É importante ressaltar o modo pelo qual se escolheu os entrevistados, ou seja, apresentar os critérios empregados na sua escolha. Inicialmente, isso foi feito com a apresentação da versão preliminar deste trabalho, ainda como projeto de pesquisa, junto a representantes de agências estatais, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e o Ministério da Saúde (MS), representantes de ONGs como a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ) e pesquisadores do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas Etnocientíficas (GIEPE) e da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2004.

Nessa fase, o projeto que originou esta tese foi discutido durante a participação de reuniões do GIEPE e em discussões com especialistas da área da Antropologia, Propriedade Intelectual, Biotecnologia e Etnobiologia o que permitiu uma construção mais integrada do marco conceitual com o enfoque analítico desejado para este trabalho.

Também se buscou aprimorar e aprofundar o projeto de pesquisa através de um estágio de um ano no departamento de Antropologia da University of Kent at Canterbury – Inglaterra, que permitiu a este pesquisador participar de seminários e aulas no curso de pós-graduação em Etnobotânica daquele departamento. Neste curso, também foram realizadas visitas técnicas ao jardim botânico - Eden Project, ao banco de germoplasma in situ – Brogdale, além de diversas visitas técnicas ao jardim botânico - Kew Gardens.

Além dessas atividades oferecidas pelo curso, também foi possível apresentar e discutir o projeto que orientou esta pesquisa juntamente a vários pesquisadores, inclusive de outras universidades, destacando-se os doutores Graham Dutfield, Vandana Shiva, Frank Furedi entre outros.

A escolha dos entrevistados e construção da problemática de pesquisa também foi delimitada com base na trajetória deste pesquisador (REZENDE, 2001) e (REZENDE e RIBEIRO, 1999) e em revisões bibliográficas.

Ainda nesta etapa exploratória, buscou-se discutir as diferentes instituições que, de alguma forma, estão relacionadas com a gestão do saber tradicional no Brasil em nível estatal, e, entre o INPI, o IPHAN, SISNEP e o CGEN, escolheu-se delimitar como objeto de pesquisa este último por sua atribuição legal e sua atuação mais direta na gestão do saber tradicional.

Sua escolha deveu-se à crescente discussão que sua criação vem despertando na academia, veja-se (MAGALHÃES, 2002; MOREIRA, 2003; ALMEIDA, 2005; DINIZ, 2006 e FERRO, 2006).

A criação do CGEN foi normatizada pela Medida Provisória (MP) nº 2.186- 16 de 23 de agosto de 2001, e foi a última reedição da MP nº 2.052/00, regulamentada pelo Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, que define a composição do CGEN como órgão de caráter normativo e deliberativo ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Posteriormente, a regulamentação do CGEN foi ainda modificada pelos Decretos nº 4.946 de 2.003 e nº 6.159 de 2.007.

A MP, em seu artigo 8º, afirma que o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético é parte integrante do patrimônio cultural brasileiro, e que a proteção outorgada por ela não poderá ser interpretada de modo a obstar a preservação, a utilização e o desenvolvimento do conhecimento tradicional, reconhecendo, assim, a importância desse saber para o estilo de vida de seus detentores.

Tendo isso em vista, compete ao CGEN, entre outras atribuições, deliberar e emitir autorização específica sobre solicitações de acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético nacional. Neste contexto, qualquer instituição pública ou privada, ligada à pesquisa básica ou aplicada, que busque desenvolver alguma pesquisa, produto ou serviço que utilize o patrimônio genético nacional ou que venha a acessar o saber tradicional, deve encaminhar ao CGEN uma série de documentos, de acordo com a característica de cada pedido, tais como formulários, anuência prévia, contrato de repartição de benefícios, laudo antropológico etc.

Além dessas competências e atribuições, a atual legislação estabelece que a composição do CGEN dar-se-á por um representante e dois suplentes das seguintes instituições estatais: Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério da Saúde (MS), Ministério da Justiça (MJ), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério da Defesa (MD), Ministério da Cultura (MINC), Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior (MIDC), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), Instituto Evandro Chagas (IEC), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e Fundação Cultural Palmares (FCP).

Cada uma das instituições citadas acima tem direito a um voto a ser computado nas decisões do CGEN. A atual legislação prevê ainda a participação da sociedade civil organizada nas reuniões como convidados permanentes, mas sem direito a voto nas decisões, permite-se a estas organizações apenas a participação nas discussões e debates das reuniões do conselho. Os convidados permanentes são: Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia (ABRABI), Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA), Associação Brasileira de ONGs (ABONG), Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ),

Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (FEBRAFARMA), Ministério Público Federal (MPF), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - Área de Biológicas (SBPCBio), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - Área de Humanas (SBPCHum), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FBOMS).

Ao escolher-se o CGEN como foco de análise, buscou-se inicialmente realizar um levantamento censitário, no qual seriam entrevistados todos os conselheiros, no entanto, mesmo com a recusa de algumas instituições em conceder entrevistas, após seguidas tentativas, esse intento não pode ser realizado.

Deste modo, a escolha dos entrevistados foi delimitada aos conselheiros e convidados permanentes que têm participado freqüentemente das reuniões do CGEN, e que possuem reconhecida experiência no debate, incluindo-se os que possuem voz e voto e aqueles que possuem apenas voz no CGEN, o que veio a configurar uma amostragem não probabilística e intencional na escolha dos entrevistados deste primeiro nível de análise.

Acredita-se que, apesar da recusa de algumas instituições em participar das entrevistas, a amostragem realizada foi capaz de ilustrar a diversidade de posições e interesses em jogo no CGEN. Para esclarecer esse fato e contribuir para a validação dos dados levantados, faz-se necessário apresentar antes uma característica estrutural, ainda que informal do funcionamento CGEN, que são as representações casadas ou grupos de representações.

Estas são criadas pelo alinhamento automático entre instituições em sua atuação no CGEN para a defesa e a implementação de seus objetivos comuns.

Durante a pesquisa de campo pode-se constatar que a gama de interesses no CGEN possui representações duplicadas ou até quadruplicadas. Cabe afirmar que a organização dos grupos a serem apresentados abaixo é uma construção do pesquisador, que foi feita a partir das informações e percepções das representações entrevistadas. Essa construção também se beneficiou de observações realizadas durante a participação do pesquisador nas reuniões do CGEN.

Portanto, pode-se afirmar que as diferentes representações tenderiam a se alinhar formando os seguintes grupos:

Grupo 1: IBAMA, MMA, (ABONG, FBOMS, SBPCHum);

FEBRAFARMA);

Grupo 3: MAPA, EMBRAPA;

Grupo 4: MS, FIOCRUZ, Instituto Evandro Chagas; Grupo 5: MINC, Fundação Palmares;

Grupo 6: COIAB, CNS, MPF; Grupo 7: MD, MJ e MRE.

Nem sempre os integrantes destes grupos informais possuem uma visão homogênea sobre as questões votadas pelo conselho, existem situações específicas em que os interesses internos ao grupo podem divergir. Entretanto, a existência desses grupos pode ser atestada tanto pelo fato de que alguns conselheiros se auto identificam como participantes de determinado grupo quanto pelo modo jocoso como se referiam a determinado grupo tido como opositor político, por exemplo: alguns representantes do Grupo 1 referiam-se aos representantes dos Grupos 2, 3 e 4 como o “eixo do mal”, enquanto que alguns representantes destes mesmos grupos referiam-se aos representantes do Grupo 1 e 6 como “máfia verde”.

Tal percepção também foi corroborada durante as reuniões do CGEN, quando se pôde observar as interações pessoais existentes dentro e entre esses grupos, além da própria dinâmica da votação das questões tratadas pelo Conselho.

No entanto para evitar a reprodução dessas categorizações coloquiais e preconceituosas, preferiu-se denominar estes dois grupos respecti vamente como grupo da biotecnologia e grupo do meio ambiente.

Embora essa constatação do trabalho de campo tenha ajudado a delimitar melhor a amostra, deve -se relevar que algumas representações têm posições que não apresentam alinhamentos automáticos, mas apenas tendências. Neste quadro, a Funai é um exemplo emblemático, pois, apesar de haver uma tendência de um alinhamento com o grupo 5, a sua votação, via de regra, não apresenta uma previsibilidade.

Outras representações focam sua atuação em questões específicas, apresentando uma participação limitada nos debates mais gerais do conselho. Este é, aparentemente, o caso do MRE que possui atuação muito discreta, e do MD que foca repetidamente a questão da integridade do território nacional e do povo brasileiro, em contraposição às declarações de autodeterminação dos povos indígenas.

Também cabe afirmar que em muitas situações, dependendo da matéria em votação, pode ocorrer uma integração nas posições de diferentes grupos, formando coalizões ou pactos temporários, mas mesmo assim acredita-se, que para o foco deste estudo, tal ocorrência não trouxe perdas para a construção da amostra estudada e o escopo da análise.

Nesse sentido, o esclarecimento da existência desses grupos faz-se aqui necessário, pois a maioria das instituições que não concedeu entrevista é membro componente de um desses grupos, na sua maioria autarquias, fundações e empresas estatais que possuem diferentes graus de alinhamento automático com as posições dos ministérios. São exemplos de instituições que não concederam entrevista: FIOCRUZ, IEC, CNPq, IBAMA, INPI, além da empresa Natura.

Esse dado é relevante porque quase que a totalidade dos ministérios concedeu entrevista, excetuando-se o MRE, o que permitiu a este pesquisador realizar inferências sobre as diferentes posições defendidas por esses grupos que compõem o CGEN. Isso também minimizou o fato de não ter sido possível a realização de uma pesquisa censitária entre os participantes do Conselho.

Já a execução do trabalho de campo nesta fase deu-se de maneira descontínua durante um período de quatro meses, no qual foram realizadas três viagens a Brasília (D.F.), entre novembro de 2006 e fevereiro de 2007.

Na primeira e última visita, em novembro de 2006 e fevereiro de 2007, o período de permanência foi de 3 e 4 dias, respectivamente. Nestas duas visitas testemunharam-se as reuniões do CGEN, entrevistaram-se informalmente funcionários do DPG e realizaram-se entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com conselheiros e convidados permanentes do CGEN. Também se realizou o registro da imagem dos entrevistados, segundo a sua própria indicação, além de outras imagens consideradas elucidativas no decorrer da pesquisa.

Na segunda visita, em dezembro de 2006, o período de permanência foi de 3 semanas durante a qual participou-se de uma reunião do CGEN, realizaram-se entrevistas informais com funcionários do DPG, entrevistas estruturadas e semi- estruturadas com conselheiros e convidados permanentes do CGEN, além do registro de imagens dos entrevistados, entre outras. Ainda, durante esta visita, realizou-se uma observação não-participante na DPG, com duração de 15 dias.

Além da observação participante, cabe afirmar que se realizaram neste nível de análise 20 entrevistas semi-estruturadas, sendo que, deste total, 16

entrevistados também responderam ao questionário estruturado.