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5 ANÁLISE: DA EXOTIZAÇÃO PARA A MERCANTILIZAÇÃO DO SABER TRADICIONAL

5.1 ANÁLISE DOS CONCEITOS E DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO SABER TRADICIONAL

5.1.1 Discutindo o conceito de saber tradicional

Para operacionalizar essa análise dos dados, apresentar-se-á, inicialmente, o tema das questões a serem analisadas, em seguida, estas questões serão elencadas e proceder-se-á a sua análise tendo-se em vista os conceitos, objetivos e pressuposto de pesquisa que orientaram este trabalho.

Quando possível, as questões serão reunidas em grupos, de maneira a possibilitar uma análise em bloco das tendências entre e dentro das categorias de entrevistados, caso contrário sua análise será feita a partir de cada questão

individualizada.

Neste primeiro questionário, buscou-se verificar o grau de concordância dos entrevistados acerca de algumas afirmações que buscaram auferir sua definição de saber tradicional.

Em grande parte, as questões desse questionário buscaram levantar as características mais freqüentemente citadas na literatura especializada sobre esse tipo de saber. Ou seja, buscou-se ve rificar como o entrevistado percebe sua dinâmica de geração, renovação e transmissão.

De maneira complementar, também se buscou avaliar as percepções acerca da questão da sua titularidade, seu embricamento social e territorial bem como o seu atual risco de desaparecimento.

Acredita-se que verificar as definições de saber tradicional usadas pelos entrevistados seja o primeiro passo na tarefa de compreensão da maneira como é pensada e estabelecida a sua gestão.

Tendo isso em vista, levantam-se nas questões abaixo algumas características básicas encontradas na maioria das definições de saber tradicional:

Questão a1)Transmitido socialmente (oralmente, não-escrito, aprender- fazendo, por demonstração e imitação);

Questão a2) Baseado na experiência cotidiana: produzido, acumulado e renovado através de várias gerações por experimentação deliberada, tentativa e erro;

Questão a3) Envolve diferentes habilidades: agricultura, caça, pesca, coleta, tratamentos médicos, manejo de diferentes ecossistemas etc.;

Questão a4) Resultado da relação com um território por algumas gerações, mesmo que alguns membros da população tenham se deslocado para centros urbanos e retornado posteriormente;

Questão a9) Integrado a um amplo conjunto de tradições culturais – holístico;

Questão a10) Evolui em um processo contínuo de mudança, acumulação e uso – dinâmico.

Em termos gerais, nestas questões ocorreu uma tendência da maioria dos entrevistados em concordar completamente com as características do saber

tradicional apresentadas, principalmente aquelas características mais gerais. Isso pode ser constatado a partir das médias baixas (menores que 1,7) encontradas entre as 3 categorias de análise para as questões acima, que relevam características básicas do saber tradicional.

Esse alto índice de concordância permite-nos inferir que os entrevistados possuem um bom conhecimento das características gerais do saber tradicional. Por outro lado, levanta a questão de que, apesar de se compreender o saber tradicional a partir de uma perspectiva ampla, os membros do CGEN com direito de voz e de voto, no caso representados pela categoria 2, trabalham com uma definição estrita de “conhecimento tradicional associado” que visa a proteger apenas aqueles elementos do saber tradicional que podem ser úteis no processo de inovação tecnológica da indústria. Portanto, acredita-se que estes dados revelem um contra- senso, principalmente entre o discurso e a prática dos entrevistados da categoria 2, uma vez que essa definição ampla de saber tradicional em nível discursivo, que encampa elementos do estilo de vida e visão de mundo de seus detentores, não tenha efeito observável na implementação de instrumentos de proteção mais amplos desse saber, que tem buscado, na verdade, promover práticas contratualistas, que acabam, inevitavelmente, transformando esse saber em mercadoria.

Já as questões reunidas abaixo remetem a aspectos da titularidade do saber tradicional, principalmente a sua característica difusa e fragmentada.

Questão a6) Normalmente restrito a certos grupos dentro da população (especialistas como: pajés, mulheres velhas, parteiras), sua difusão/acesso ainda podem sofrer restrições de gênero e/ou idade;

Questão a7) É fragmentado, pois não existe em sua totalidade em uma determinada população local ou indivíduo.

As questões a6 e a7, que tratam da existência de especialistas dentro das comunidades, tiveram um menor grau de concordância entre os representantes do CGEN com direito de voz (categoria 1) e demais entrevistados foram do CGEN (categoria 3). Esses dois grupos apresentaram médias que variaram de 2,3 a 3,0. Acredita-se que esse menor grau de concordância nessas duas categorias seja reflexo de uma posição dos representantes das populações tradicionais que visa a afirmar uma maior união entre seus detentores, ainda que em detrimento do

reconhecimento da existência desses especialistas nas populações.

Pode-se atribuir essa posição ao fato de que para as lideranças das populações tradicionais, que buscam a conquista de direitos coletivos sobre esse saber, afirmar a existência de detentores especializados nas populações poderia dar margem a especulações sobre a possível aplicação de direitos privados, individuais para esse tipo de saber. Sem dúvida, isso teria implicações negativas, tendo-se em vista os objetivos de autonomia política dessas populações.

Entre os entrevistados da categoria 2, (que reúne os representantes do CGEN com direito de voz e de voto) as questões a6 e a7 obtiveram, respectivamente, médias 1,8 e 2,1, o que sugere uma maior concordância com o fato da relativa dispersão de aspectos desse saber entre membros de uma mesma população.

Já na questão seguinte, levanta -se a existência das regras costumeiras, ou consuetudinárias entre as populações tradicionais e povos indígenas como uma característica inerente a essas populações que visaria a controlar o acesso e uso do saber tradicional.

Questão a11) Acesso usualmente restrito/ limitado para pessoas estranhas à população.

Essa questão acima obteve uma elevada média 3,7 entre os entrevistados da categoria 1, sugerindo que, para os representantes do CGEN sem direito a voto, o acesso a estes saberes tenderia a ser aberto, remarcando que na prática cotidiana prevaleceria um comportamento de partilha entre os detentores do saber tradicional.

Curiosamente, essa tendência de se avaliar negativamente essa questão também foi observada pontualmente entre os representantes da EMBRAPA e MCT no CGEN (componentes da categoria 2).

Entretanto, acredita-se que reiterar o livre acesso a esse saber têm diferentes conotações políticas para esses dois grupos. No caso dos componentes da categoria 2 citados acima, acredita-se que essa posição busque realçar o aspecto de domínio público do saber tradicional, o que poderia vir a facilitar o seu acesso, um dos objetivos do discurso globalcêntrico sobre o saber tradicional.

Já no caso da categoria 1, acredita-se que remarcar esse aspecto de livre acesso poderia servir para corroborar a posição de que a lógica que governa o uso